Maus antecedentes e período depurador
Gustavo de Almeida Ribeiro
O Código Penal atual estabeleceu, na redação a ele dada pela Lei 7.209/1984, em seu artigo 64, inciso I, limitação temporal máxima para a consideração de crime anterior como capaz de gerar reincidência. Assim, passados mais de 5 (cinco) anos entre o cumprimento ou a extinção da pena e a infração posterior, o acusado não será considerado reincidente.
Entretanto, o mesmo texto legal foi omisso quanto aos maus antecedentes, não fixando prazo máximo para a consideração de condenação anterior.
Assim, parte predominante da jurisprudência brasileira entendia não haver qualquer limitação temporal para a invocação de condenações pretéritas como maus antecedentes.
A Defensoria Pública da União, inconformada com a posição prevalecente, e com base principalmente na vedação contida na Carta Constitucional de 1988, mais precisamente em seu artigo 5º, inciso XLVII, “b”, que estabelece que não haverá penas de caráter perpétuo, impetrou diversos habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal pugnando pela aplicação do mesmo período depurador estabelecido para a verificação de reincidência, ou seja, 5 (cinco) anos.
Inicialmente, os pedidos restaram indeferidos, vide, como exemplo, decisão proferida pela Colenda 1ª Turma, em julgamento ocorrido em 08/02/2011, no RHC 106814.
Mais recentemente, entretanto, o citado colegiado alterou seu entendimento para limitar a consideração de maus antecedentes em 5 (cinco) anos após o final da pena, nos termos da decisão prolatada no julgamento do HC 119200, ocorrido em 11/02/2014 e no RHC 118977, julgado em 18/03/2014.
Por sua vez, a Colenda 2ª Turma, em julgamento datado de 22/04/2014, do RHC 116070, afastou o limite temporal para a aplicação dos maus antecedentes, sob o fundamento de não ser ele aplicável como ocorre na reincidência.
Entretanto, o E. Ministro Celso de Mello, ao conceder monocraticamente, em decisão proferida em 25/02/2015, o HC 123189, versando sobre a temática em comento, invocou precedente relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, julgado pela 2ª Turma, em que a ordem foi concedida. Trata-se do HC 110191, apreciado em 23/04/2013.
Foram pautados, em data recente, dois feitos por E. Ministros que compõem a 2ª Turma discutindo o mesmo assunto, são eles os Habeas Corpus 126315 e 125586. Em ambos, os Relatores votaram pela concessão da ordem, Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli respectivamente, sendo os julgamentos interrompidos por pedidos de vista formulados pela Ministra Cármen Lúcia, Relatora, aliás, do RHC 116070, supracitado.
Certo é que o tema, ao que parece, considerando-se as posições até agora externadas em julgamentos recentes por Ministros que compõem as duas Turmas, de forma majoritária, consolida-se cada vez mais no sentido do que buscado pela Defensoria Pública, ou seja, de que deve haver prazo máximo para a consideração de fato anterior como antecedente negativo, nos termos do que ocorre com a reincidência, que, frise-se, é mais grave e ainda assim é limitada no tempo.
O entendimento defendido pela Instituição tem como supedâneo principal a vedação das penas de caráter perpétuo, vez que condenação anterior não pode ser utilizada indefinidamente para majorar outra sem qualquer limite. Aliás, a se entender pela consideração de condenação pretérita como maus antecedentes independentemente de lapso temporal, cria-se uma pena que ultrapassa até mesmo o prazo máximo prescricional previsto no Brasil de 20 (vinte) anos, lembrando-se ser a prescritibilidade regra em nosso ordenamento.
Por fim, vai ao encontro das seguidas manifestações da Defensoria Pública quanto ao tema o disposto no artigo 80 do Anteprojeto de Código Penal, entregue em junho de 2012 ao Presidente do Senado pela Comissão Especial de Juristas, presidida pelo Ministro Gilson Dipp, do STJ, que fixou prazo máximo de 5 (cinco) anos para a consideração de condenação anterior que não gere reincidência como maus antecedentes.
Adotada a redação sugerida pela Comissão, o problema estará sanado. Até lá, cumpre ao Poder Judiciário dar ao tema tratamento consentâneo com a proporcionalidade, a razoabilidade e a vedação das penas de caráter perpétuo.
Brasília, 22 de abril de 2015