Defensoria Pública, processo penal e momento do interrogatório
Gustavo de Almeida Ribeiro
Não posso deixar de tecer breves comentários sobre o acórdão do HC 127900, publicado em 3 de agosto de 2016, impetrado pela DPU e julgado pelo Plenário do STF, no qual tive oportunidade de proferir sustentação oral.
Lamentavelmente, a publicação vem em um momento em que a carreira, mais do que justificadamente, está preocupada com a crescente defasagem remuneratória, bem como com a possibilidade de perda de força de trabalho, pela saída de Defensores e servidores.
É impossível escrever um texto sobre a Defensoria Pública da União atualmente e não destacar esse fato, pois vivencio, diuturnamente, a abissal discrepância entre a relevância da carreira no cenário jurídico nacional e a forma como ela é tratada.
As conquistas da Defensoria, não só nas searas penal e processual penal, espraiam-se e geram resultados positivos para todos os jurisdicionados brasileiros.
Vários dos temas levados desde o primeiro grau até a Suprema Corte pela DPU, muitas vezes em parceria com as Defensorias Estaduais, já ingressando no assunto específico deste, interessam a todos os acusados no sistema penal, sendo o HC 127900 mais um ótimo exemplo do afirmado.
O citado writ concluiu pela realização dos interrogatórios em todos os processos de natureza penal, mesmo em feitos em trâmite em Justiças especializadas ou regidos por legislação especial, ao final da instrução processual.
Em minha opinião, tal decisão auxilia enormemente o exercício da defesa, ao permitir que o acusado fale apenas após saber o que sobre ele foi dito. A postura do réu pode variar completamente, já conhecendo o que foi produzido em seu desfavor.
O citado habeas corpus era oriundo da Justiça Militar da União e discutia os processos em trâmite perante ela, no entanto, como já mencionado, a solução encontrada, mudar o interrogatório para o final da instrução deverá ser aplicada a todos os processos, dando-se à decisão prolatada efeitos ex nunc.
Mais uma vitória marcante da DPU que cada vez mais mostra seu imenso valor e relevância. Precisamos de reconhecimento, respeito, estrutura e salário compatível com as outras carreiras jurídicas. Sem ingenuidades, tais coisas andam juntas.
Brasília, 4 de agosto de 2016
Segue a ementa do HC 127900, STF:
“EMENTA Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar (CPM, art. 290). Crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar. Competência da Justiça Castrense configurada (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). Pacientes que não integram mais as fileiras das Forças Armadas. Irrelevância para fins de fixação da competência. Interrogatório. Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei nº 11.719/08, em detrimento do art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69. Precedentes. Adequação do sistema acusatório democrático aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 1. Os pacientes, quando soldados da ativa, foram surpreendidos na posse de substância entorpecente (CPM, art. 290) no interior do 1º Batalhão de Infantaria da Selva em Manaus/AM. Cuida-se, portanto, de crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar, o que atrai a competência da Justiça Castrense para processá-los e julgá-los (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). 2. O fato de os pacientes não mais integrarem as fileiras das Forças Armadas em nada repercute na esfera de competência da Justiça especializada, já que, no tempo do crime, eles eram soldados da ativa. 3. Nulidade do interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art. 302). 4. A Lei nº 11.719/08 adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando-se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal. 6. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. 7. Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.” (HC 127900, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 02-08-2016 PUBLIC 03-08-2016)