Licença-maternidade e termo inicial

Licença-maternidade e termo inicial

 

**texto atualizado em 29/11/2020

 

Eu me acostumei a receber críticas e questionamentos, às vezes fortes, quando posto questões envolvendo direito penal e direito processual penal, em minhas redes sociais ou aqui.

Ultimamente, todavia, tenho enfrentado algumas críticas fortes até em temas que consideraria menos polêmicos, como proteção à maternidade.

No ARE 1288127, a DPU pede ao STF que o prazo da licença-maternidade, bem como do salário-maternidade, sejam contados a partir da saída da mãe e da criança, prematura, do hospital.

O Ministro Presidente, Luiz Fux, negou seguimento ao recurso. Interposto agravo pela assistida da DPU, ele manteve seu entendimento, sendo logo acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes.

Todavia, não vi nas decisões proferidas pelo Ministro Presidente qualquer menção ao entendimento sufragado pelo Plenário do STF na Medida Cautelar em ADI 6327:

“Ementa: REFERENDO DE MEDIDA CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. IMPUGNAÇÃO DE COMPLEXO NORMATIVO QUE INCLUI ATO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO. FUNGIBILIDADE. ADPF. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. REQUISITOS PRESENTES. CONHECIMENTO. PROBABILIDADE DO DIREITO. PROTEÇÃO DEFICIENTE. OMISSÃO PARCIAL. MÃES E BEBÊS QUE NECESSITAM DE INTERNAÇÃO PROLONGADA. NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO PERÍODO DE LICENÇA-MATERNIDADE E DE PAGAMENTO DE SALÁRIO-MATERNIDADE NO PERÍODO DE 120 DIAS POSTERIOR À ALTA. PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA COMO DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS. ABSOLUTA PRIORIDADE DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS. DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA. ALTA HOSPITALAR QUE INAUGURA O PERÍODO PROTETIVO. 1. Preliminarmente, assento, pela fungibilidade, o conhecimento da presente ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental, uma vez que impugnado complexo normativo que inclui ato anterior à Constituição e presentes os requisitos para a sua propositura. 2. Margem de normatividade a ser conformada pelo julgador dentro dos limites constitucionais que ganha relevância no tocante à efetivação dos direitos sociais, que exigem, para a concretização da igualdade, uma prestação positiva do Estado, material e normativa. Possibilidade de conformação diante da proteção deficiente. Precedente RE 778889, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016. 3. O reconhecimento da qualidade de preceito fundamental derivada dos dispositivos constitucionais que estabelecem a proteção à maternidade e à infância como direitos sociais fundamentais (art. 6º) e a absoluta prioridade dos direitos da crianças, sobressaindo, no caso, o direito à vida e à convivência familiar (art. 227), qualifica o regime de proteção desses direitos. 4. Além disso, o bloco de constitucionalidade amplia o sistema de proteção desses direitos: artigo 24 da Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto n.º 99.710/1990), Objetivos 3.1 e 3.2 da Agenda ODS 2030 e Estatuto da Primeira Infância (Lei n.º 13.257/2016), que alterou a redação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), a fim de incluir no artigo 8º, que assegurava o atendimento pré e perinatal, também o atendimento pós-natal. Marco legal que minudencia as preocupações concernentes à alta hospitalar responsável, ao estado puerperal, à amamentação, ao desenvolvimento infantil, à criação de vínculos afetivos, evidenciando a proteção qualificada da primeira infância e, em especial, do período gestacional e pós-natal, reconhecida por esta Suprema Corte no julgamento do HC coletivo das mães e gestantes presas (HC 143641, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 08-10-2018 PUBLIC 09-10-2018). 5. É indisputável que essa importância seja ainda maior em relação a bebês que, após um período de internação, obtêm alta, algumas vezes contando com já alguns meses de vida, mas nem sempre sequer com o peso de um bebê recém-nascido a termo, demandando cuidados especiais em relação a sua imunidade e desenvolvimento. A alta é, então, o momento aguardado e celebrado e é esta data, afinal, que inaugura o período abrangido pela proteção constitucional à maternidade, à infância e à convivência familiar. 6. Omissão inconstitucional relativa nos dispositivos impugnados, uma vez que as crianças ou suas mães que são internadas após o parto são desigualmente privadas do período destinado à sua convivência inicial. 7. Premissas que devem orientar a interpretação do art. 7º, XVIII, da Constituição, que prevê o direito dos trabalhadores à “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.” Logo, os cento e vinte dias devem ser considerados com vistas a efetivar a convivência familiar, fundada especialmente na unidade do binômio materno-infantil. 8. O perigo de dano irreparável reside na inexorabilidade e urgência da vida. A cada dia, findam-se licenças-maternidade que deveriam ser estendidas se contadas a partir da alta, com o respectivo pagamento previdenciário do salário-maternidade, de modo a permitir que a licença à gestante tenha, de fato, o período de duração de 120 dias previsto no art. 7º, XVIII, da Constituição. 9. Presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, defiro a liminar, a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, §1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), e assim assentar (com fundamento no bloco constitucional e convencional de normas protetivas constante das razões sistemáticas antes explicitadas) a necessidade de prorrogar o benefício, bem como considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, §2º, da CLT, e no art. 93, §3º, do Decreto n.º 3.048/99.”
(ADI 6327 MC-Ref, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 18-06-2020 PUBLIC 19-06-2020) (grifo meu)

Por sua vez, o Ministro Edson Fachin já votou para prover o recurso da assistida da DPU.

A luta é árdua em favor dos mais pobres e as dificuldades não se limitam ao tema penal, mesmo quando apoiados em julgado de natureza objetiva do STF.

Segue, abaixo, o voto do Ministro Fachin, divulgado no sistema de votação virtual do STF. Torçamos para que ele prevaleça.

Voto Ministro Edson Fachin – ARE 1288127

*texto escrito às 2:09 de 05/11/2020, momento em que só há 3 votos proferidos no agravo na sistemática virtual

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 5 de novembro de 2020

** na primeira votação, o resultado ficou empatado em 5 a 5, votando pelo provimento do recurso interposto pela assistida da Defensoria os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Roberto Barroso e pelo desprovimento, quanto ao mérito, os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Marco Aurélio.

Aguardou-se o voto desempate do Ministro Nunes Marques. O novo Ministro votou pelo desprovimento do recurso, sendo afastada a extensão da licença maternidade para a mãe de um bebê prematuro, conforme se pedia na ação.