Importação de sementes de maconha segundo o STF e o STJ – resumo
Gustavo de Almeida Ribeiro
Como estou estudando o tema para interpor agravo em face de duas decisões denegatórias do Ministro Dias Toffoli, aproveito para fazer um breve resumo do que tem prevalecido no STJ e no STF quanto à questão da importação de poucas sementes de maconha ser ou não ser considerada tráfico.
O Min. Dias Toffoli negou seguimento aos HCs 143557 e 144762, impetrados pela DPU perante o STF.
No Supremo, só achei duas decisões colegiadas sobre a questão da importação de sementes de maconha, discussão que passa pela aplicação da insignificância, pela desclassificação para o artigo 28 da Lei de Drogas, ao invés do artigo 33, pela desclassificação para contrabando.
Colocarei abaixo a ementa de um dos dois julgados emanados da 1ª Turma do STF que encontrei (ambos são desfavoráveis). Não vi nenhuma decisão colegiada proveniente da 2ª Turma.
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CRIME DE IMPORTAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA DESTINADA À PREPARAÇÃO DE DROGAS. ARTIGO 33, § 1º, I, DA LEI Nº 11.343/06. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, ‘D’ E ‘I’. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Inexiste excepcionalidade que permita a concessão da ordem de ofício ante a ausência de teratologia, flagrante ilegalidade ou abuso de poder na decisão da Corte Superior que determinou o prosseguimento da ação penal por entender estarem presentes prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. 2. In casu, o paciente foi denunciado como incurso no artigo 33, § 1º, I, c/c artigo 40, I, da Lei 11.343/06, em razão da apreensão de 16 (dezesseis) sementes de maconha em uma encomenda a ele destinada. 3. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas “d” e “i”, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 4. O habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático probatório engendrado nos autos. 5. O trancamento da ação penal é medida excepcional, cabível apenas nas hipóteses de manifesta atipicidade da conduta, de causa extintiva de punibilidade e de ausência de indícios suficientes de autoria a materialidade delitiva. 6. A reiteração dos argumentos trazidos pelo agravante na petição inicial da impetração é insuscetível de modificar a decisão agravada. Precedentes: HC 136.071-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 09/05/2017; HC 122.904-AgR, Primeira Turma Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 17/05/2016; RHC 124.487-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 01/07/2015. 7. Agravo regimental desprovido.” (HC 147459 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 01/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-289 DIVULG 14-12-2017 PUBLIC 15-12-2017)
Há, todavia, decisões monocráticas concedendo liminares quanto ao tema, curiosamente, da lavra de Ministros da 1ª e da 2ª Turma, apesar de, naquela, a negativa ter sido unânime: HC 144161, Min. Gilmar Mendes e HC 131310, Min. Roberto Barroso.
“A liminar deve ser deferida.
De fato, o STF entendeu haver repercussão ao recurso extraordinário (RE-RG 635.659) de minha relatoria, em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, no ponto em que se criminaliza o porte de pequenas quantidades de entorpecentes para uso pessoal.
O julgamento do referido extraordinário pelo Pleno teve início em 10.9.2015. Já proferiram votos os Ministros Edson Fachin e Roberto Barroso, encontrando-se os autos no Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes, dado pedido de vista do Ministro Teori Zavascki.
No caso, o paciente está sendo processado por importar 26 sementes de maconha, que, segundo o Juízo de origem, seria para uso próprio, de forma que há real plausibilidade na alegação de que a conduta praticada pelo paciente se amolda, em tese, ao artigo 28 da Lei de Drogas – dispositivo cuja constitucionalidade, como já consignado, está sendo discutida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.” (HC 144161, Min. Gilmar Mendes, DJe 01/06/2017)
“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. USO DE PEQUENA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. LIMINAR DEFERIDA. 1. O Plenário do STF (RE 635.659-RG) discute a constitucionalidade da criminalização do porte de pequenas quantidades de entorpecente para uso pessoal. 2. Paciente primário e de bons antecedentes que solicitou pela internet reduzida quantidade de entorpecente para uso próprio. Possível violação aos princípios da intimidade, vida privada, autonomia e proporcionalidade. 3. Liminar deferida.” (HC 131310, Min. Roberto Barroso, DJe 25/02/2016)
Por sua vez, o entendimento do STJ está dividido de acordo com as Turmas. A 5ª Turma entende se tratar de tráfico:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.
IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA LINNEU. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE DROGA. FATO TÍPICO. PRECEDENTES. PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
- Inexiste maltrato ao princípio da colegialidade, pois, consoante disposições do Código de Processo Civil e do Regimento Interno desta Corte, o relator deve fazer um estudo prévio da viabilidade do recurso especial, além de analisar se a tese encontra plausibilidade jurídica, uma vez que a parte possui mecanismos processuais de submeter a controvérsia ao colegiado por meio do competente agravo regimental. Ademais, o julgamento colegiado do recurso pelo órgão competente supera eventual mácula da decisão monocrática do relator.
- A jurisprudência majoritária desta Corte é no sentido de que a importação clandestina de sementes de cannabis sativa linneu (maconha) configura o tipo penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei n. 11.343/2006. 3. Prevalece na Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça a diretriz no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de tráfico de drogas e de uso de substância entorpecente, por se tratar de crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo irrelevante para esse específico fim a quantidade de sementes da droga apreendida. Precedentes.
- Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1733645/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 15/06/2018)
Já a 6ª Turma do STJ considera o fato como atípico, embora haja votos vencidos:
“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.
RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA LINEU. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE DROGA. PEQUENA QUANTIDADE DE MATÉRIA PRIMA DESTINADA À PREPARAÇÃO DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL.
FATO ATÍPICO.
- O fruto da planta cannabis sativa lineu, conquanto não apresente a substância tetrahidrocannabinol (THC), destina-se à produção da planta, e esta à substância entorpecente, sendo, pois, matéria prima para a produção de droga, cuja importação clandestina amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006.
- Todavia, tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato.
- Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1658928/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017)
O parecer da Procuradoria Geral da República no HC 144762 do STF é bastante interessante e pode ser também fonte de consulta.
O tema não deveria ter sido julgado pelo STF em decisões singulares, ainda mais havendo nítida divisão de entendimento. Contra as monocráticas só cabem os agravos internos, sem sustentação e, muitas vezes, analisados em ambiente virtual.
Brasília, 26 de julho de 2018