Idosa doente e prisão domiciliar

Idosa doente e prisão domiciliar

 

Apresento, abaixo, o agravo que interpus no RHC 162575, em trâmite no STF, em face de decisão monocrática que manteve pessoa maior de 70 anos, doente, recolhida à prisão.

O julgado invocado como precedente, no que concerne ao pedido de prisão domiciliar, é de um famoso político.

Aproveitei a gravidade do caso para pedir para fazer sustentação oral no julgamento do agravo regimental.

Aguardemos.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 28 de junho de 2019

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

A agravante foi condenada como incursa no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006, à pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 600 (seiscentos) dias-multa.

Durante a tramitação processual, a agravante, idosa, vinha cumprindo pena no Presídio Regional de Criciúma. Após recomendação do médico, a apenada teve sua prisão preventiva substituída por prisão domiciliar, em decorrência das graves enfermidades das quais é portadora: hipertensão arterial sistêmica e diabete melitus tipo 2.

Findo o processo, o Juízo Executório requisitou novo monitoramento do quadro de saúde da paciente e, por conseguinte, sobreveio Laudo Pericial, através do qual a Juíza de primeiro grau entendeu ter havido negligência no seu tratamento, de forma a não fazer jus à manutenção de sua prisão domiciliar. Assim, impôs à apenada tratamento no interior do estabelecimento prisional, cassando a benesse.

Em seguida, a defesa interpôs agravo em execução em que pugnou a reforma da decisão.

O Tribunal de Justiça de Santa Catharina entendeu, por unanimidade dos votos, por manter incólume a decisão que revogou a prisão domiciliar concedida à agravante.

Diante do teor manifestamente ilegal do v. acórdão, a Defensoria impetrou habeas corpus com intuito de cessar o constrangimento ilegal suportado pela paciente, por nítida afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A impetração não foi conhecida pelo Eminente Ministro Relator, no Superior Tribunal de Justiça.

Em seguida, aviou-se agravo regimental, ao qual foi negado provimento pela Quinta Turma do STJ.

Diante de tal decisão, a defesa interpôs recurso ordinário constitucional destinado a essa Suprema Corte que, em análise monocrática do pleito, decidiu por obstar seu seguimento.

Com a devida vênia, tal decisão não merece prosperar, conforme será demonstrado a seguir.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

O presente agravo interno volta-se contra decisão que revogou a prisão domiciliar e restabeleceu o regime fechado para cumprimento de pena, sob o argumento de que há a possibilidade do controle das enfermidades apresentadas pela agravante no estabelecimento prisional, com oferta do tratamento adequado, entendendo-se ainda que ela não cuidou adequadamente de sua saúde quando em recolhimento domiciliar.

Objetiva-se o restabelecimento da prisão domiciliar humanitária, pois há hipervulnerabilidade da agravante, idosa, que está acometida por graves enfermidades, dependendo do uso contínuo de medicamentos, bem como tratamentos que incluem dieta e atividades físicas, conforme demonstrado no laudo pericial. Transcreve-se, em parte, o laudo que justificou a concessão da domiciliar:

“Quesito 5: esta paciente necessita de dieta com restrição de sódio, de carbohidratos e de exercício físico diário, podendo ter seu quadro agravado se mantida em reclusão.

Sendo assim recomendo a prisão domiciliar.” grifo no original

De início, cumpre pontuar que é admitida a concessão de prisão domiciliar ao condenado acometido por doença grave que necessite de tratamento médico que não possa ser oferecido no estabelecimento prisional ou em uma unidade hospitalar adequada. Ainda que a hipótese, in casu, não esteja abrangida pelo artigo 318 do Código de Processo Penal e artigo 117 da Lei Execuções Penais, a aplicação da benesse deve ser feita in bonam partem como necessária à preservação da humanidade da pena.

O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de apreciar o tema versado no presente recurso, na Ação Penal 863, de relatoria do Ministro Edson Fachin:

“Decisão: 1. Na data de hoje, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o agravo regimental oposto em face de decisão monocrática por mim proferida, que negou seguimento ao recurso de embargos infringentes manejados por Paulo Salim Maluf, manteve, por deliberação da maioria, a determinação de execução imediata da pena imposta, à unanimidade, pela Primeira Turma desta Suprema Corte. Pendia de julgamento o HC 152.707, da relatoria do eminente Ministro Dias Toffoli, no âmbito do qual Sua Excelência, por razões humanitárias, deferiu liminar para conceder ao acusado Paulo Salim Maluf o cumprimento da pena em regime de prisão domiciliar. Segundo Sua Excelência assentou em voto lido na sessão e distribuído ao pares na oportunidade, o deferimento da prisão domiciliar deu-se, precipuamente, pelas seguintes razões: Registro, primeiramente, que o exame dessas questões atinentes à execução da pena do paciente são de competência do eminente Ministro Edson Fachin, Relator da Ação Penal nº 863/SP, da qual ela provém, pois, consoante preconizado pelo art. 341, caput, do Regimento Interno, ´[o]s atos de execução e de cumprimento das decisões e acórdãos transitados em julgado serão requisitados diretamente ao Ministro que funcionou como Relator do processo na fase de conhecimento, observado o disposto nos arts. 38, IV, e 75 do Regimento Interno´. Todavia, longe de qualquer pretensão de me sobrepor a sua Excelência na análise dessas questões, consigno, expressamente, que minha excepcional atuação neste habeas, ao implementar a medida acauteladora, se deu tão somente em razão do caráter de urgência, considerado, em meu modo de ver, o agravamento superveniente dos problemas de saúde do paciente no cárcere, fato trazido a conhecimento da Corte em pleno feriado do dia 28 de março deste ano. (…) Não desconheço que a Lei de Execuções Penais apenas autoriza a prisão domiciliar para o condenado submetido ao regime prisional aberto e nas hipóteses ali previstas. Todavia, registro que a prisão domiciliar, por razões humanitárias, por força da matriz constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), encontra amparo jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, inclusive para aqueles que cumprem pena em regime inicialmente fechado. Vide: “’HABEAS CORPUS’ – RECURSO ORDINÁRIO – PACIENTE RECOLHIDA AO SISTEMA PENITENCIÁRIO LOCAL – PRECÁRIO ESTADO DE SAÚDE DA SENTENCIADA, IDOSA, QUE SOFRE DE GRAVE PATOLOGIA CARDÍACA, COM DISTÚRBIOS NEUROCIRCULATÓRIOS – RISCO DE MORTE IMINENTE – COMPROVAÇÃO IDÔNEA, MEDIANTE LAUDOS OFICIAIS ELABORADOS POR PERITOS MÉDICOS, DA EXISTÊNCIA DE PATOLOGIA GRAVE E DA INADEQUAÇÃO DA ASSISTÊNCIA E DO TRATAMENTO MÉDICOHOSPITALARES NO PRÓPRIO ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO A QUE RECOLHIDA A SENTENCIADAPACIENTE – EFETIVA CONSTATAÇÃO DA INCAPACIDADE DO PODER PÚBLICO DE DISPENSAR À SENTENCIADA ADEQUADO TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EM AMBIENTE PENITENCIÁRIO – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE PERMITE A INCLUSÃO DA CONDENADA EM REGIME DE PRISÃO DOMICILIAR – OBSERVÂNCIA DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO” (RHC nº 94.358/SC, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 19/3/14). À luz desses fundamentos, destaco haver documentos juntados pela defesa que demonstram que o paciente (de 86 anos de idade), passa por consideráveis problemas relacionados à sua saúde no cárcere, em face de inúmeras e graves patologias que o afligem. Aliás, a notícia divulgada na manhã do dia 28 de março deste ano em respeitados veículos de comunicação da imprensa brasileira de que ele fora internado às pressas em hospital no fim da noite anterior, por complicações em seu estado de saúde corrobora os argumentos trazidos à colação pela defesa, bem como reforça, em meu juízo, a demonstração satisfatória, considerando os documentos que instruem o feito, da situação extraordinária autorizadora da prisão domiciliar humanitária na hipótese. Aliás, após minha decisão deferindo a liminar, veio aos autos laudo emitido em 28/3/18 pelo Instituto Médico Legal (IML) em que se conclui que o paciente apresentaria condições, após alta hospitalar, de cumprir pena em estabelecimento prisional, visto que o quadro de “osteoartrose avançada em coluna lombar (…) não se configura doença grave (…)” (Petição/STF nº 17893/18). Em sentido oposto, foi juntado aos autos relatório médico, datado de 1º/4/18, do qual se extrai a seguinte informação: “Atendi ao Sr. Paulo Salim Maluf, 86 anos com quadro agudo de broncopneumonia aspirativa, atrofia de membros inferiores devido à compressão de medula em raízes nervosas da coluna vértebra, câncer de próstata em fase de tratamento, perda da audição e perda da visão do olho direito e perda de sangue as evacuações: Melena, necessitando de internação hospitalar. Paciente deverá ser internado no Hospital Sírio Libanês com previsão de internação de 5 dias para realização de exames pertinentes e acompanhamento médico especializado. Solicito a V. Sª que essa internação possa ser autorizada o mais breve possível” (Petição/STF nº 18149/18). Por sua vez, o laudo médico a respeito das condições de saúde do paciente, emitido pelo diretor técnico do hospital onde permaneceu internado, consignou, em 2/4/18, que “o Sr. Paulo Salim Maluf, 86 anos, deu entrada na emergência deste Hospital, às 00h02 do dia 28/03/2018, trazido pela ambulância do SAMU e escoltado por dois agentes penitenciários, apresentando quadro de dor forte que começou na região lombar, irradiada para o membro inferior direito, dificultando a deambulação e postura na posição ereta. Foi atendido na emergência do PA, pelo Dr. Nickerson da Silva Lemos, CRM DF 20817, que registrou ‘quadro de lombociatalgia a direita, de início hoje sem histórico de trauma, dor com limitação funcional. Ao exame físico possui limitação para ortostatismo e lasague positivo, sendo realizado analgesia de urgência e solicito RNM da coluna lombar’. Foi medicado ainda na emergência (…). A ressonância da coluna lombar realizada ainda na emergência mostrou ‘estenose multifatorial do canal raquiano lombar, sobretudo nos níveis de L3-L4 e dos forames intervertrebrais lombares, acentuada em L3-L4, onde há compressão das raízes nervosas emergentes de L3 bilateral’[,] conforme cópia do prontuário em anexo. Devido ao quadro de dor forte e incapacitante, o paciente foi internado e medicado com analgésicos potentes, anti-inflamatórios, opioides, antieméticos e IBP (…). Ao longo do dia 28/03/2018, foi submetido à vários exames laboratoriais, resultados em anexo, inicialmente sem leucocitose e hematimetria normal. No início da noite, o paciente foi submetido ao procedimento de infiltração foraminal guiada por radioscopia da coluna lombar pelo Dr. Thiago Miller Santana Silva, CRM DF 18476, com descrição do procedimento, sob sedação e anestesia local, conforme prontuário em anexo. (…) Durante a madrugada do dia 29/03/2018, o paciente apresentou leve dificuldade respiratória, sendo necessário o uso de oxigênio suplementar, além de ter evoluído com distensão e desconforto abdominal. O mesmo queixou-se que já vinha com dificuldade para evacuar há 03 dias. Na manhã do dia 29/03/2018, o paciente apresentou vômitos, permanecendo em uso de oxigênio nasal. Diante desse quadro foi recomendado pelo médico clinico Dr. Tiago Christovão Tavares Pereira, CRM DF 12128, a realização de exames de imagens para avaliação de possíveis quadros de pneumonia e semi-oclusão intestinal. Os exames foram solicitados pela médica Dra. Nathalia Emanuelle Gasparini de Magalhães, CRM DF 20585. Tais exames, evidenciaram ectasia de esôfago e grande distensão gástrica, hérnia inguinal bilateral, maior a esquerda, sem indícios de obstrução. A tomografia do tórax evidenciou opacidades em vidro fosco, predominando nos lobos superiores, mais evidentes a esquerda, associada a lesão de pequenas vias aéreas, compatíveis com bronquiolite, de provável natureza inflamatória/infecciosa. No período da tarde, por volta das 16h, logo após a realização da tomografia computadorizada, apresentou vômito de cor escura, em grande quantidade, motivo pelo qual foi suspenso a dieta e solicitado exames complementares, dentre os quais: hemograma e bioquímica e também iniciado antibiótico, avalox intra venoso, em função do aspecto de bronquiolite no lobo superior do pulmão esquerdo, sugestivo de processo infeccioso. Ainda durante o período da tarde e da noite, apresentou vários episódios de vômitos, de cor escura com distensão abdominal acentuada, tendo feito lavagem intestinal, com diminuição da distensão e eliminação de grande quantidade de fezes de cor escura, tipo ‘borra de café’. Na manhã do dia 30/03/2018, foram solicitados novos exames de hemograma e bioquímica para avaliação da hematimetria, que evidenciaram leucocitose moderada, sem queda do hematócrito. Paciente apresentou melhora do quadro álgico lombar e irradiado, referindo apenas dor leve em membro inferior direito, mesmo após diminuição da analgesia endovenosa” (Petição/STF nº 18149/18). Concluiu o laudo em questão que, “[d]evido as múltiplas comorbidades e suspeita de hemorragia digestiva alta, em função dos episódios de vômito de cor escura, foi indicado o exame de endoscopia digestiva alta e continuidade do tratamento clínico (…)” (grifos nossos). Aliás, diante dos boletins médicos divulgados na imprensa nos últimos dias, é público e notório que o paciente está internado, em caráter de urgência, no Hospital Sírio Libanês desde 6 de abril passado. O relatório médico juntado aos autos pela defesa (Petição/STF nº 19842/18), que foi assinado pelo médico Sérgio Nahas (cirurgia do aparelho digestivo), com a assistência dos médicos Miguel Srougi (urologia), Ronaldo Kairalla (clínica médica e pneumologia), Roberto Basile Jr. (ortopedia) e Cyrillo Filho (hematologia), constatou, após avaliação desse grupo de especialistas, as seguintes patologias, que destaco, entre outras: (i) câncer de próstata recidivado e com metástases ósseas no sacro junto às raízes nervosas sacrais; (ii) incontinência urinária; (iii) cardiopatia; (iv) confusão mental; (v) alterações de cognição; (vi) depressão; (vii) alteração da marcha com perda de força muscular e atrofia em ambas as pernas, impossibilitando deambulação; (viii) condição de cadeirante, inclusive para as necessidades fisiológicas básicas; (ix) anemia ferropriva; (x) imunossupressão; (xi) síndrome paraneoplásica manifestada por monilíase esofágica e trombose venosa profunda de membro inferior esquerdo; (xii) broncopneumonia aspirativa com infiltrado pulmonar bilateral; (xiii) osteoporose e degenerações da coluna em diferentes graus de corpos vertebrais e articulações interfacetárias; e (xiv) hemorragia digestiva alta: melena. Prossegue o laudo médico com as seguintes informações: “De acordo como a anamnese realizada e frente às falências instaladas houve uma priorização na realização de exames laboratoriais e complementares por imagem, principalmente devido ao estado debilitado em que se encontrava o paciente. Igualmente iniciamos tratamento clínico medicamentoso em áreas mais agudas e críticas. A recuperação mínima que se deseja deverá ser alcançada após tratamento em regime hospitalar durante aproximadamente 7 dias, estendendo-se por mais 90 a 120 dias de tratamento ambulatorial para recuperação e reabilitação de déficits adquiridos recentemente” (grifos nossos). Em destaque, reiteram as autoridades médicas que “este tratamento, frente à idade de 86 anos e às condições clínicas atuais em que se encontra o paciente, deverá ser realizado em ambiente adequado para sua sobrevivência. Caso contrário sua condição de vida será abreviada” (grifos nossos). Reafirmo, portanto, haver neste exame demonstração suficiente de que o paciente padece de graves patologias. (…) Amparado nesses valores constitucionais da República Brasileira, bem como nos dispositivos legais já citados, proponho o referendo da decisão liminar proferida, permitindo-se ao paciente cumprir sua pena em regime de prisão domiciliar. Fica registrado, a toda evidência, que o cumprimento de pena em prisão domiciliar não obsta a que o paciente se submeta a tratamento ambulatorial ou hospitalar, mediante internação, dada a gravidade de seu estado de saúde, com a devida supervisão do juízo de execução competente e do Ministro Relator da AP nº 863/SP. Como autoridade judiciária competente para fiscalizar a prisão domiciliar do paciente, proponho o Juízo das Execuções Penais da Comarca de São Paulo, pois é incontroverso que, na condição de Deputado Federal pelo Estado de São Paulo, o paciente mantém naquela comarca seu domicílio voluntário, vale dizer, local onde estabeleceu a sua residência com animus definitivo (CC, art. 70). 2. Como anunciei oralmente na sessão, na condição de Relator da AP 863, encampo os fundamentos trazidos por Sua Excelência e defiro, nos exatos termos ali expostos, a execução penal do sentenciado Paulo Salim Maluf, por razões humanitárias, em regime de prisão domiciliar. Assento, todavia, uma vez mais, que o tema relativo à prisão domiciliar em nenhum momento foi trazido a mim para deliberação, o que fiz, e referendo, pela primeira vez na data de hoje. Comunique-se o Juízo da execução competente. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 19 de abril de 2018. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente” (AP 863, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 19/04/2018, publicado em DJe-077 DIVULG 20/04/2018 PUBLIC 23/04/2018) grifo nosso 

É cediço que o cenário prisional brasileiro é caótico, insalubre, e carece de mínimas condições humanas para o cumprimento da penitência, pelo que não há compatibilidade do tratamento de saúde em situações de grande vulnerabilidade. Como já reconhecido por essa Suprema Corte, quando do julgamento da medida cautelar na ADPF 347, o sistema carcerário submete seus internos à reiterada violação de direitos fundamentais.

Portanto, a manutenção da agravante presa é inadequada ao tratamento diário de uma enfermidade grave, que necessita não apenas de medicamentos, mas também de alimentação adequada e locais próprios à prática de atividades físicas.

Tecidas as considerações acima, cumpre refutar as razões invocadas para a revogação da prisão domiciliar. Afirmou a Magistrada de Primeiro Grau que a agravante não estava cuidando adequadamente de sua saúde, pelo que a razão da domiciliar não mais prevalecia. O mesmo fundamento foi invocado em todas as instâncias posteriores.

A análise médica que serviu de esteio para a cassação da domiciliar está acostada aos autos:

“(…) o quadro da paciente é compatível com patologias as quais não estão sendo adequadamente tratadas, ainda que em domicílio, seja por falta de orientação ou discernimento, por falta de preenchimento, ou ainda administração inadequada dos medicamentos. Consta ainda um receituário com medicamentos anti hipertensivos com os dizeres “falta”. Fator este que pode corroborar o uso inadequado dos medicamentos em questão. (…)” grifo nosso

Em suma, ao que tudo indica, os medicamentos para hipertensão estavam em falta, segundo o próprio médico que elaborou a análise. Parece inconcebível que a pessoa pobre, além de não receber o tratamento de saúde adequado por parte do Estado, seja, em razão disso, punida com o retorno à prisão.

O cenário atual do sistema de saúde brasileiro é caótico, dados o aumento de demanda, o agravamento da miséria, a pobreza e o maciço desemprego.

Como já informado, a agravante está com 74 (setenta e quatro) anos de idade e a solução encontrada para o descaso do Estado não pode ser seu recolhimento à prisão, o que, aliás, contraria o primeiro laudo médico acostado aos autos.

Deve, portanto, ser exercido o juízo de reconsideração ou provido o agravo para, ao final, prover-se o recurso ordinário em habeas corpus, permitindo-se o retorno da agravante à prisão domiciliar.

 

DA SUSTENTAÇÃO ORAL EM AGRAVO REGIMENTAL

O presente recurso ordinário foi interposto em favor de pessoa maior de 74 anos, acometida de grave enfermidade e presa.

Portanto, estão presentes três fatores que tornam a causa urgente e de enorme relevância.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o agravo regimental no HC 165973, de relatoria do Ministro Edson Fachin, na sessão 25 de junho de 2019, permitiu a realização de sustentação oral por parte do advogado do paciente/agravante.

Assim, pugna a Defensoria Pública da União pelo julgamento presencial do agravo e que seja possibilitado o uso da palavra para a manifestação oral.

 

CONCLUSÃO. PEDIDO

Ante o exposto, roga por urgência na apreciação do feito por tratar-se a agravante de pessoa maior de 74 anos.

Requer seja exercido o juízo de retratação por Vossa Excelência, com a concessão da ordem, o desconto da pena em regime domiciliar.

Caso mantida a decisão agravada, seja o presente agravo levado à Turma em julgamento presencial e em destaque, possibilitando-se ainda a sustentação oral, para que esta dê provimento ao recurso e conceda a ordem.

Pugna, ainda, exercida a reconsideração, o que se espera que ocorra, pela intimação pessoal da Defensoria Pública-Geral da União para a sessão de julgamento do writ.

 

Boletim nº 2 – atuação cível da DPU no STJ

Boletim nº 2 – atuação cível da DPU no STJ

 

Segue, em anexo, o Boletim nº 2 – cível STJ, elaborado por colegas que atuam na área cível da DPU no STJ, sob a coordenação de Antonio Maia e Pádua.

O Boletim foi elaborado pelos Defensores Antonio Maia e Pádua e Bruno Arruda.

Para acessar o conteúdo, bastar clicar no link abaixo:

Informativo 2 – Categoria Especial DPU – Cível

Brasília, 14 de junho de 2019

Gustavo de Almeida Ribeiro

Deserção e regime fechado

Deserção e regime fechado

 

A Ministra Cármen Lúcia pautou, para a sessão de 11/06/2019, da 2ª Turma do STF, agravo interno por mim interposto contra decisão monocrática que entendeu que a condenação pela deserção, crime militar próprio, deve ser cumprida em regime fechado, mesmo em se tratando de pena branda, em conduta praticada sem violência ou ameaça.

Foi importante a medida tomada pela Ministra para que o tema possa ser apreciado e debatido presencialmente pelos Ministros.  Lamento apenas não poder proferir sustentação oral, uma vez que se trata de agravo interno.

Transcrevo abaixo os fatos e os fundamentos jurídicos do agravo no HC 169868 a ser julgado pela 2ª Turma do STF.

Brasília, 10 de junho de 2019

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

 

O agravante foi condenado pela suposta prática do delito de deserção tipificado no artigo 187 do Código Penal Militar à pena de oito meses de detenção.

Foi fixado o regime inicial aberto, em caso de o sentenciado deixasse de ostentar a qualidade de militar, bem como concedido o direito de apelar em liberdade. Caso permanecesse como militar, o agravante deveria ser recolhido à prisão.

Adveio então recurso de apelação pela defesa, que teve seu provimento negado pelo Superior Tribunal Militar.

Já em sede de execução da pena, a defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal Militar contra o Juízo da Segunda Auditoria da Terceira CJM em que pugnou pela não recepção dos artigos 59 e 61 do Código Penal Militar, sob clarividente constrangimento ilegal, em razão do regime obrigatoriamente fechado.

Por maioria, o Superior Tribunal Militar denegou a ordem, por entender estarem hígidos os artigos 59 e 61 do CPM, que teriam sido recepcionados pela atual Constituição.

Diante de tal decisão, a defesa impetrou habeas corpus em favor do agravante junto a essa Suprema Corte, que, em decisão monocrática da Eminente Ministra Relatora, a ele negou seguimento.

No entanto, tal decisão não merece prosperar, como será demonstrado a seguir.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

O presente agravo volta-se contra r. decisão monocrática que negou seguimento a habeas corpus em que se pede a concessão da ordem a fim de que seja reconhecido o direito de o paciente descontar sua pena em regime aberto e que seja reconhecida a não recepção/inconstitucionalidade dos artigos 59 e 61 do Código Penal Militar.

No caso do agravante, a condenação é inferior a quatro anos, há avaliação favorável quanto às circunstâncias judiciais, configurada pela fixação da pena-base em 6 (seis) meses ao delito, e não há reincidência, quadro que autoriza a fixação do regime inicial aberto.

O cumprimento da pena em regime obrigatoriamente fechado não encontra guarida constitucional, sendo pertinente trazer julgado emanado da Colenda Segunda Turma em que o tema foi amplamente enfrentado:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL EM ESTABELECIMENTO MILITAR. POSSIBILIDADE. PROJEÇÃO DA GARANTIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). LEI CASTRENSE. OMISSÃO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO PENAL COMUM E DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. É dizer: a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Se compete à lei indicar os parâmetros de densificação da garantia constitucional da individualização do castigo, não lhe é permitido se desgarrar do núcleo significativo que exsurge da Constituição: o momento concreto da aplicação da pena privativa da liberdade, seguido do instante igualmente concreto do respectivo cumprimento em recinto penitenciário. Ali, busca da “justa medida” entre a ação criminosa dos sentenciados e reação coativa do estado. Aqui, a mesma procura de uma justa medida, só que no transcurso de uma outra relação de causa e efeito: de uma parte, a resposta crescentemente positiva do encarcerado ao esforço estatal de recuperá-lo para a normalidade do convívio social; de outra banda, a passagem de um regime prisional mais severo para outro menos rigoroso. 2. Os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena. Digo isso porque, de ordinário, a Constituição Federal de 1988, quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez explicitamente. Por ilustração, é o que se contém no inciso LXI do art. 5º do Magno Texto, a saber: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Nova amostragem está no preceito de que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares” (§ 2º do art. 142). Isso sem contar que são proibidas a sindicalização e a greve por parte do militar em serviço ativo, bem como a filiação partidária (incisos IV e V do § 3º do art. 142). 3. De se ver que esse tratamento particularizado decorre do fato de que as Forças Armadas são instituições nacionais regulares e permanentes, organizadas com base na hierarquia e disciplina, destinadas à Defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (cabeça do art. 142). Regramento singular, esse, que toma em linha de conta as “peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra” (inciso X do art. 142). 4. É de se entender, desse modo, contrária ao texto constitucional a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob regime integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. 5. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Juízo da execução penal que promova a avaliação das condições objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, na concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a Lei 7.210/1984 naquilo que for omissa a Lei castrense.” (HC 104174, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, DJe-093 DIVULG 17-05-2011 PUBLIC 18-05-2011 EMENT VOL-02524-01 PP-00118) 

Especificamente sobre a questão, impende transcrever a. r. decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no HC 148.877/AM:

“DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus” impetrado contra decisão que, emanada do E. Superior Tribunal Militar, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado: “AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’. PECULATO-FURTO. NEGADO SEGUIMENTO AO ‘WRIT’. DESCABIMENTO DE ‘HABEAS CORPUS’ COMO SUBSTITUTIVO DE RECURSO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CUMPRIMENTO DA PENA EM QUARTEL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Descabimento de ‘habeas corpus’ como substitutivo de outro recurso. Precedentes do STF, STJ e STM. Negado seguimento monocraticamente, com fundamento no art. 12, inciso V, do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar. Julgamento de caso idêntico pelo Plenário do STM, de Réu condenado na mesma Ação Penal Militar. Agravo rejeitado, decisão por maioria.” (Agravo Regimental 41-81.2017.7.00.0000/DF, Rel. Min. JOSÉ BARROSO FILHO – grifei) Busca-se, nesta sede processual, o ingresso do ora paciente em regime de execução de pena menos gravoso (aberto). O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA, ao opinar, quanto a esse específico pedido deduzido na presente impetração, pela concessão da ordem de “habeas corpus”, formulou parecer assim fundamentado: “6. Em relação ao regime da execução, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 104.174/RJ, reconheceu a lacuna da lei castrense com referência aos institutos atrelados ao princípio da individualização da pena (progressão de regime, liberdade provisória, conversão de penas) e concluiu pela aplicação subsidiária da legislação comum (LEP), vez que a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade no regime integralmente fechado, mesmo em estabelecimento penal militar, é inconstitucional (HC 104.174/RJ, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, Dje 18-05-2011). 7. Dessa forma, ausentes circunstâncias judiciais negativas e aplicada a pena no mínimo legal (três anos de reclusão), deve-se estabelecer o regime inicial aberto para o início do cumprimento da pena.” (grifei) Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pleito em causa. E, ao fazê-lo, entendo assistir razão à douta Procuradoria-Geral da República, eis que os fundamentos nos quais se apoia seu parecer ajustam-se, com integral fidelidade, à orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte a propósito da matéria em exame. Cabe destacar, preliminarmente, que Mario Elnilson Rodrigues de Moraes, ora paciente, foi condenado à pena de 03 (três) anos de reclusão, convertida em prisão, pela prática do crime de peculato (CPM, art. 303), sem aplicação da pena acessória de exclusão das Forças Armadas prevista no art. 102 do Código Penal Militar. Com efeito, o Superior Tribunal Militar, ao analisar a controvérsia jurídica em causa, reconheceu que o único regime de cumprimento da pena de prisão imposta a militares da ativa é o regime fechado. Vale transcrever, por oportuno, fragmento do voto condutor do acórdão ora impugnado nesta sede processual: “Como já afirmado na decisão sob o ataque, o único regime inicial que se amolda à pena de prisão, para militares da ativa, é o regime fechado. As características da pena de prisão aparecem, essencialmente, no conciso texto do art. 59 CPM, cujo teor transcrevo abaixo, ‘in verbis’: ………………………………………………………………………………………… Inexiste omissão de fixação de regime, até porque a própria Carta de Guia para cumprimento da pena, expedida em sede de execução provisória, fez constar, explicitamente, que o regime inicial de cumprimento da pena é o ‘fechado’ (…).” (grifei) Observo, por relevante, que a doutrina penal, pronunciando-se a respeito do tema em referência, esclarece que, dada a omissão da legislação penal militar sobre as regras disciplinadoras do regime de cumprimento de pena privativa de liberdade, impõe-se, nos termos do art. 3º do CPPM, a aplicação do Código Penal comum, na parte em que dispõe sobre as modalidades de execução progressiva da pena (MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA e MICHELINE BARBOZA BALDUINO RIBEIRO, “A Progressão de Regime nos Crimes Militares ante as Relações Especiais de Sujeição”, vol. 24/53-73, jul./dez., 2014, Revista de Doutrina e Jurisprudência do Superior Tribunal Militar; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código Penal Militar Comentado”, p. 119, item n. 245, 2ª ed., 2014, Forense; CÍCERO ROBSON COIMBRA NEVES e MARCELLO STREINFINGER, “Manual de Direito Penal Militar”, p. 492/503, 4ª ed., 2014, Saraiva; ADRIANO ALVES-MARREIROS, GUILHERME ROCHA e RICARDO FREITAS, “Direito Penal Militar”, p. 859/860, 1ª ed., 2015, Método; ENIO LUIZ ROSSETO, “Código Penal Militar Comentado”, p. 331, 2ª ed., 2015, Revista dos Tribunais). Essa mesma orientação reflete-se na jurisprudência adotada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em julgamentos proferidos no contexto da Justiça Militar estadual (HC 86.517/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – HC 332.932/PB, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ – HC 394.469/PB, Rel. Min. JORGE MUSSI – REsp 1.349.689/AM, Rel. Min. MOURA RIBEIRO, v.g.): “’HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. PECULATO EM CONCURSO DE AGENTES (ART. 303 C/C ART. 53 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO E CULPA NO CRIME. AFERIÇÃO INVIÁVEL NA VIA DO ‘WRIT’. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. REGIME INICIAL SEMI-ABERTO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. IMPROPRIEDADE. ‘TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM’. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, § 2.º, ALÍNEA ‘C’, E § 3.º, DO CÓDIGO PENAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO APLICABILIDADE. ………………………………………………………………………………………… 3. Nos termos do art. 61 do Código Penal Militar, a fixação do regime prisional nos crimes militares deve observar os critérios estabelecidos pelo Código Penal. Portanto, fixada a pena-base no mínimo legal porque inexistem circunstâncias judiciais desfavoráveis aos réus – primários e com bons antecedentes –, não é possível infligir regime prisional mais gravoso apenas com base na gravidade genérica do delito. Inteligência do art. 33, §§ 2.º e 3.º, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal. Incidência das Súmulas n.º 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal. (…).” (HC 51.076/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ – grifei) “CRIMINAL. ‘HABEAS CORPUS’. CRIME MILITAR. EXECUÇÃO DA PENA EM ESTABELECIMENTO PENAL MILITAR. PROGRESSÃO DE REGIME. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO CASTRENSE. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL NOS CASOS OMISSOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS EXAMINADOS PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que o paciente, cumprindo pena em estabelecimento militar, busca obter a progressão de regime prisional, tendo o Tribunal ‘a quo’ negado o direito com fundamento na ausência de previsão na legislação castrense. II. Em que pese o art. 2º, parágrafo único, da Lei de Execução Penal indicar a aplicação da lei apenas para militar ‘quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária’, o art. 3º do Código de Processo Penal Militar determina a aplicação da legislação processual penal comum nos casos omissos. III. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ‘habeas corpus’ nº 104.174/RJ, afirmou que a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade no regime integralmente fechado em estabelecimento militar contraria não só o texto constitucional, como todos os postulados infraconstitucionais atrelados ao princípio da individualização da pena. IV. Pela observância deste princípio, todos os institutos de direito penal, tais como progressão de regime, liberdade provisória, conversão de penas, devem ostentar o timbre da estrita personalização, quando de sua concreta aplicabilidade. V. Deve ser cassado o acórdão combatido para reconhecer o direito do paciente ao benefício da progressão de regime prisional, restabelecendo-se a decisão do Juízo de 1º grau, que verificou a presença dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos por lei e fixou as condições para o cumprimento da pena no regime mais brando. VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.” (HC 215.765/RS, Rel. Min. GILSON DIPP – grifei) Importante referir, ainda, que esse tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que adverte sobre a impossibilidade de executar-se, em regime integralmente fechado, condenação penal imposta pela Justiça Militar, ainda que o seja em estabelecimento castrense: “’HABEAS CORPUS’. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL EM ESTABELECIMENTO MILITAR. POSSIBILIDADE. PROJEÇÃO DA GARANTIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). LEI CASTRENSE. OMISSÃO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO PENAL COMUM E DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. ………………………………………………………………………………………… 2. Os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena. Digo isso porque, de ordinário, a Constituição Federal de 1988, quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez explicitamente. Por ilustração, é o que se contém no inciso LXI do art. 5º do Magno Texto, a saber: ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’. Nova amostragem está no preceito de que ‘não caberá ‘habeas corpus’ em relação a punições disciplinares militares’ (§ 2º do art. 142). Isso sem contar que são proibidas a sindicalização e a greve por parte do militar em serviço ativo, bem como a filiação partidária (incisos IV e V do § 3º do art. 142). ………………………………………………………………………………………… 4. É de se entender, desse modo, contrária ao texto constitucional a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob regime integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. 5. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Juízo da execução penal que promova a avaliação das condições objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, na concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a Lei 7.210/1984 naquilo que for omissa a Lei castrense.” (HC 104.174/RJ, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei) Esse mesmo entendimento, por sua vez, vem sendo observado por Ministros desta Suprema Corte em sucessivos julgados (HC 120.684- -MC/BA, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 123.191/AM, Rel. Min. ROBERTO BARROSO). Impõe-se destacar, finalmente, ante a inquestionável procedência de suas observações, passagem do voto proferido pela eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA no julgamento do RHC 92.746/SP, no qual se reconheceu a militar que sofreu condenação imposta pela Justiça castrense a possibilidade jurídica de cumprir pena em regime inicial menos gravoso que o regime fechado, mesmo que em dependência militar: “(…) não se constatam fundamentos suficientes para manter o recorrente preso em estabelecimento militar, sem o benefício do cumprimento inicial da pena no regime aberto, sob a condição de perder o estado de militar para poder cumprir a pena em estabelecimento prisional civil (…). ………………………………………………………………………………………… (…) no caso vertente, não estaria o recorrente cumprindo pena em penitenciária militar, mas sim em estabelecimento militar, mais especificamente na 11ª Brigada de Infantaria Leve de Campinas-SP, local incompatível para o cumprimento de pena privativa de liberdade por militar. 7. Conforme bem ressaltou a Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, ‘… ao caso incide a segunda parte do disposto no artigo 61 do C.P.M. – falta de penitenciária militar – e o paciente deve observar o regime prisional fixado no ‘decisum’ (…). 8. Pelo exposto, (…) dou provimento ao presente recurso ordinário em ‘habeas corpus’, para que o recorrente cumpra, na dependência militar, a pena no regime a que tem direito – regime aberto.” (grifei) Em suma: a análise dos fundamentos subjacentes à decisão ora impugnada divergem da diretriz jurisprudencial consagrada por este Supremo Tribunal Federal na matéria ora em exame. Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro o pedido de “habeas corpus”, para fixar, desde logo, o regime inicial aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade imposta ao ora paciente. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (Agravo Regimental nº 41- -81.2017.7.00.0000/DF) e à Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar (Processo nº 0000167-38.2012.7.12.0012). Publique-se. Brasília, 08 de maio de 2018. Ministro CELSO DE MELLO Relator” (HC 148877, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 08/05/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 10/05/2018 PUBLIC 11/05/2018) grifos nossos

Quanto à necessidade de perda da condição de militar para o cumprimento da pena em regime aberto, tal como imposto pela Justiça Castrense, importa afirmar que tal entendimento contrasta com julgado emanado da Colenda Primeira Turma do STF, sob a relatoria da Eminente Ministra Cármen Lúcia:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. INSURGÊNCIA CONTRA A DECRETAÇÃO DA PERDA DO ESTADO DE MILITAR PARA CUMPRIMENTO DA PENA NO REGIME PRISIONAL ABERTO. RECURSO PROVIDO.” (RHC 92746, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/03/2008, DJe-083 DIVULG 08-05-2008 PUBLIC 09-05-2008 EMENT VOL-02318-02 PP-00342) grifo nosso

Cumpre salientar que, em caso semelhante, o Ministério Público Federal, instado a se manifestar nos autos, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, declarou-se favorável à concessão da ordem para que fosse fixado o regime inicial aberto para o início de cumprimento da pena, afirmando ser aplicável subsidiariamente o artigo 33 do Código Penal. Transcreve-se a ementa do parecer lançado no HC 150443/STF:

“Processo penal. Habeas corpus. Crime de deserção. Pleito de fixação do regime inicial aberto. 1.A sentença penal condenatória foi omissa quanto ao regime inicial prisional aplicado ao paciente. Dessa forma, considerando a omissão do Código Penal Militar relativamente aos regimes prisionais, haverá aplicação subsidiária do Código Penal. 2. Considerando a condenação à pena de seis meses, valoração favorável ao paciente quanto às circunstâncias judiciais e a primariedade, deverá ser fixado o regime inicial aberto. 3. Pela concessão da ordem, para que seja fixado o regime inicial aberto para o início de cumprimento da pena.” (grifado no original)

Calha invocar, em relevante reforço, julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal em que ficou afastada a obrigatoriedade do regime inicial fechado, mesmo para crimes hediondos, bem mais graves, em regra, que aquele do qual é acusado o agravante, considerando-se que estamos em tempo de paz:

“EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida. 1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal. 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado.” (HC 111840, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-249 DIVULG 16-12-2013 PUBLIC 17-12-2013) grifo nosso

O julgado acima é perfeitamente aplicável aos militares, uma vez que a individualização da pena (seja na fixação, seja na execução) é cabível também em sede de Justiça Castrense. Como lançado pelo Ministro Ayres Britto no HC 104174, cuja ementa foi colacionada acima, quando a Constituição quis diferenciar a situação do militar daquela enfrentada pelo civil, foi expressa. Essencial repetir a lição do Ministro, eminente constitucionalista: “Os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena. Digo isso porque, de ordinário, a Constituição Federal de 1988, quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez explicitamente.” (trecho da ementa do HC 104174, integralmente transcrita acima).

Deve, portanto, ser exercido o juízo de reconsideração ou provido o agravo para, ao final, conceder-se a ordem habeas corpus, permitindo-se a fixação do regime aberto de cumprimento de pena, uma vez que sua vedação apriorística está em claro confronto com a garantia constitucional da individualização da pena.

 

 CONCLUSÃO. PEDIDO

Ante o exposto, requer seja exercido o juízo de retratação por Vossa Excelência, com o prosseguimento do feito e a concessão da ordem.

Caso superado o juízo de retratação, seja o agravo levado à Turma, em destaque e em julgamento presencial, para que esta lhe dê provimento, e, ao final, conceda a ordem de habeas corpus.

Requer a manifestação da Corte quanto à recepção/ constitucionalidade dos artigos 59 e 61 do Código Penal Militar pela Constituição da República de 1988.

Pugna, ainda, caso exercida a reconsideração, o que se espera que ocorra, pela intimação pessoal da Defensoria Pública-Geral da União para a sessão de julgamento.

Competência da Justiça Militar e outras questões processuais interessantes

Competência da Justiça Militar e outras questões processuais interessantes

 

HC 155245/STF

Um militar foi acusado de matar outro, fora da caserna e por motivo não relacionado às funções militares.

A justiça estadual da unidade federativa em questão, Rio Grande do Sul, começou a julgá-lo.

Em seguida, sobreveio processo também perante a Justiça Militar da União.

Chamado a resolver o conflito positivo de competência, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela competência da Justiça Castrense.

O processo prosseguiu na Justiça especializada.

Foi impetrado habeas corpus perante o Superior Tribunal Militar, atacando-se a prisão cautelar que já perdurava por alguns anos e questionando-se a competência da justiça Militar. A ordem foi denegada.

Contra tal decisão, foi impetrado habeas corpus perante o STF. O Ministro Celso de Mello, relator, concedeu a ordem em decisão monocrática, determinando a remessa do feito à Justiça Estadual, bem como a soltura do acusado.

Ao ser intimada da decisão concessiva do habeas corpus, a Procuradoria-Geral da República após seu ciente, sem recorrer.

Em seguida, o Ministério Público Militar interpôs agravo interno contra a decisão monocrática. Logo após, a assistente de acusação também agravou da mencionada decisão.

Posteriormente, uma pessoa pediu para ingressar como amicus curiae no HC.

O Ministro Celso de Mello abriu prazo para que a Defensoria Pública da União se manifestasse sobre todos esses incidentes processuais.

A contraminuta apresentada abaixo procurou enfrentar cada um dos temas:

1 – agravo pelo MPM perante o STF;

2 – atuação de assistente de acusação em HC;

3 – participação de pessoa física como amicus curiae e em sede de HC individual;

4 – mérito da impetração.

Contraminuta de Agravo Interno – Braian Kummel

Ofertada a resposta ao agravo, o feito foi remetido à PGR, de onde, até agora, não regressou.

Brasília, 4 de junho de 2019

Gustavo de Almeida Ribeiro