Eu também quero, STF

Eu também quero, STF

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Na sessão de 25 de abril de 2017, a Primeira Turma do STF determinou a volta de condenado pelo Tribunal do Júri para a prisão, ainda que pendente recurso de apelação. Por sua vez, a Segunda Turma da Suprema Corte concedeu ordens de habeas corpus para condenados em primeiro grau, uma vez que ainda não apreciados os respectivos apelos. A contradição em si já seria curiosa, mas o presente texto não trata disso.

Em uma das ordens de habeas corpus deferidas pela Segunda Turma, o Ministro Relator, Edson Fachin, tinha negado seguimento e depois julgado o feito prejudicado monocraticamente, decisão que desafiou a interposição de agravos internos (ou regimentais).

O STF não permite a sustentação oral em agravo interno em habeas corpus. Todavia, no citado writ, HC 140312, proveram-se agravos para se permitir a sustentação oral no caso, sendo, em seguida, concedida a ordem. Por estar gozando uma semana de férias, não estive presente à sessão, como costumo fazer, mas transcrevo o andamento extraído do sítio eletrônico da Corte:

“Decisão: A Turma, por maioria, deu provimento aos agravos regimentais, vencido o Relator e, também por maioria, concedeu a ordem para revogar o decreto de prisão preventiva, sem prejuízo de que o juízo competente venha a fixar eventuais medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator) e Celso de Mello. Falou, pelo paciente, a Dra. Daniela Rodrigues Teixeira e, pelo Ministério Público Federal, a Dra. Cláudia Sampaio Marques. Redator para o acórdão o Senhor Ministro Dias Toffoli. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 25.4.2017.”

Sou intimado de dezenas de decisões prolatadas pelos Ministros do STF toda semana, em minha atuação pela Defensoria Pública da União, muitas delas negativas. Definitivamente não recorro de tudo, aliás, recorro quando acho que tenho chance, quando a decisão está em confronto com a própria jurisprudência do Tribunal ou, ainda, quando vejo no caso alguma particularidade.

Alguns de meus agravos têm sido apreciados no chamado julgamento virtual da Turma, que sequer são presenciais e possíveis de serem assistidos.

Ainda à tarde, antes de conhecer os resultados dos processos julgados na sessão de 25 de abril, redigi um pedido de que um agravo por mim interposto fosse levado à Turma presencial e em destaque. Depois de saber, constato que o mínimo que a Defensoria Pública e também seus assistidos merecem é isso, quem sabe até mesmo a sustentação oral. Nossos assistidos não são famosos, mas os casos que patrocinamos têm em seus resultados inequívoco efeito multiplicador.

Tomara que o precedente do HC 140312 valha para todos.

 

Em tempo, vale destacar o que se discute no HC 139717, feito no qual pedi o julgamento presencial do agravo:

Paciente acusado de furto simples, bem no valor de R$ 150,00, restituído no mesmo dia. Condenado a 1 ano, 6 meses e 20 dias de reclusão em regime fechado.

Por ser ele reincidente, no agravo, dei ênfase à imposição de regime mais brando, nos exatos termos das decisões prolatadas nos paradigmas HC 123108, HC 123533, julgados pelo Plenário do STF, por entender ser difícil a obtenção da insignificância.

É isso. Regime fechado para um furto simples, bem devolvido, no valor de R$ 150,00. Muitas vezes só não fica chateado quem não se importa.

Brasília, 26 de abril de 2017

Insignificância e vida pregressa – uma possibilidade

Insignificância e vida pregressa – uma possibilidade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A aplicação do princípio da insignificância em caso de reiteração delitiva, que parecia resolvido, voltou a ser objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal.

O tema ainda é árduo e está longe de ser decidido em favor dos acusados, mas as cobranças e comparações que têm sido feitas, inclusive pela grande imprensa, estão criando uma situação favorável às teses defensivas.

Notei a imensa curiosidade de diversos jornalistas e veículos de imprensa sobre uma causa simples e corriqueira para a Defensoria Pública após o julgamento do HC 137290, ocorrido em 07/02/2017. O citado habeas corpus tratava de furto simples, tentado, de chicletes e desodorantes no valor de R$ 42,00. Proferi sustentação oral. O julgamento chegou a estar 2 a 0 contra e viramos para 3 a 2. Foi bem gratificante. Os votos contrários basearam-se na reiteração delitiva por parte da paciente.

Pois bem, em 28/03/2017, o Ministro Ricardo Lewandowski levou para julgamento, pela 2ª Turma do STF, o HC 137422, também tratando de furto e insignificância, em que a conduta atribuída ao paciente era a tentativa de subtração de R$ 54,28 em barras de chocolate de um supermercado. Dessa vez, a ordem foi concedida à unanimidade, sendo pertinente extrair trecho do voto condutor do acórdão:

“Observo, no entanto, que consta dos autos o rol de antecedentes criminais do paciente (págs. 24-31 do documento eletrônico 2), que traz ao conhecimento registros anteriores da prática de delitos contra pessoa e contra o patrimônio.

Ainda que a análise dos autos revele a reiteração delitiva, o que, em regra, impediria a aplicação do princípio da insignificância em favor da paciente, em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento, não posso deixar de registrar que o caso dos autos se assemelha muito àquele que foi analisado por esta Turma no HC 137.290/MG, Redator para o acórdão Ministro Dias Toffoli, na assentada do dia 7/2/2017.

No ponto, esta Turma, por maioria de votos, concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a atipicidade da conduta da paciente que tentou subtrair de um supermercado 2 frascos de desodorante e 5 frascos de goma de mascar, avaliados em R$ 42,00 (quarenta e dois reais), mesmo possuindo registros criminais pretéritas.

Assim, ainda que aqueles fatos pretéritos indicassem certa propensão à prática de crimes, esta Segunda Turma concedeu a ordem para reconhecer a atipicidade da conduta, seja pela aplicação do art. 17 do Código Penal (ineficácia absoluta do meio empregado), seja pela aplicação do princípio da insignificância.

Destarte, ao reconhecer que o presente caso guarda consonância com aquele analisado no HC 137.290/MG, tanto pelo modus operandi (tentativa de furto de produtos de uma supermercado) e res furtiva (valor e tipo de produto), como pela conduta minimamente ofensiva do agente, em que pese constarem duas condenações criminais por tentativa de furto no rol de antecedentes criminais (pág. 24 do documento eletrônico 2), entendo que ao caso em espécie, ante inexpressiva ofensa ao bem jurídico protegido, a ausência de prejuízo ao ofendido e a desproporcionalidade da aplicação da lei penal, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta.”

Interessante observar que o parecer da PGR no HC 137422, lavrado pela Subprocuradora-Geral da República Ela Wiecko, foi favorável à concessão da ordem.

Aliás, quanto à insignificância no furto, uma observação. Quando a conduta do acusado/paciente está sendo o tempo todo vigiada pelo estabelecimento (aqueles casos em que o supermercado espera a pessoa sair com os produtos para abordá-la), há consideração de tal situação por parte de alguns Ministros do STF, levando à concessão do habeas corpus.

Já no HC 136958, a 2ª Turma do STF, na sessão de 04/04/2017, seguindo voto condutor do Ministro Ricardo Lewandowski, concedeu a ordem de habeas corpus em favor do paciente, aplicando o princípio da insignificância ao descaminho, mesmo havendo reiteração delitiva. Mais uma vez, o parecer da PGR foi pela concessão da ordem, também da lavra da Subprocuradora-Geral Ela Wiecko. Transcrevo a ementa da peça opinativa (acórdão ainda não publicado):

“HABEAS CORPUS. ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. HABITUALIDADE DELITIVA.

A aplicação do princípio da insignificância, como causa de exclusão da atipicidade material, deve considerar apenas as circunstâncias objetivas em que se deu o fato criminoso.

Tratando-se de juízo de valor que recai sobre o autor e não sobre o fato em si, a análise de seus antecedentes criminais não serve para afastar a irrelevância da conduta por ele praticada.

Pela concessão da ordem.”

É certo que a Defensoria Pública conseguirá mudar esse entendimento que está bem arraigado nas Cortes Superiores? Não, nem de longe. Mas os últimos resultados obtidos, notadamente perante a 2ª Turma do STF, dão certo alento de que a batalha para que a aplicação do princípio da insignificância ignore questões subjetivas do acusado ainda está aberta.

Brasília, 10 de abril de 2017

A menor das insignificâncias

A menor das insignificâncias

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Já separei uns dois temas para escrever de forma mais elaborada, cuidadosa, aprofundada, coisa que acabo nunca fazendo.

Invejo os colegas disciplinados que, após uma jornada exaustiva de trabalho, conseguem grande produção acadêmica/doutrinária. Mal consigo alimentar meu blog, estando sempre em atraso.

Ainda quero tecer algumas reflexões mais técnicas sobre o princípio da insignificância e o descaminho, mas, neste texto, limitar-me-ei a questões mais práticas.

O Supremo Tribunal Federal passou a rejeitar a aplicação do princípio da insignificância em favor de pessoas que tenham não só condenações prévias, como, também, que possuam registros de autuações fiscais pela aludida conduta. Esse entendimento já está bastante consolidado.

Apesar de não concordar, posso até compreender a vedação da bagatela em caso de reiteração no crime de furto, sob o fundamento de que muitas vezes as vítimas são pessoas também modestas, como pequenos comerciantes, que as condutas geram intranquilidade em algumas localidades, ou desejo de solução pelas próprias mãos. Reitero: discordo, mas compreendo.

No caso do descaminho, todavia, nada disso se aplica. Em primeiro lugar, é preciso dizer que os bens trazidos têm sua importação permitida, caso contrário, a conduta seria contrabando (ou, ainda, tráfico). A questão, fundamentalmente, é o não recolhimento dos tributos devidos na internalização das mercadorias.

A conduta não tem uma vítima física, identificável, que pode ser prejudicada diretamente e buscar fazer justiça com as próprias mãos. O sujeito passivo do crime é a administração pública. Seus autores sim, poderiam ser chamados de vítimas de uma série de circunstâncias, e que, a seu modo, tentam ganhar a vida. Por isso meu questionamento se a resposta penal é a melhor medida.

Pois bem, comecei minha carreira na Defensoria Pública da União em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, fronteira com a Argentina. É uma fronteira razoavelmente tranquila. A maioria dos casos penais em que atuei dizia respeito ao descaminho. Em regra, pessoas que tinham ido ao Paraguai buscar alguns produtos para vender.

Eram senhoras, senhores, jovens que arriscavam suas vidas nas péssimas e perigosas estradas brasileiras, muitas vezes em ônibus velhos, quiçá clandestinos, para adquirir alguns brinquedos, roupas, tênis e repassá-los em bancas de rua.

Poderia apostar que essas pessoas não escolheram essa vida, que muitas delas passaram por inúmeros perigos nas viagens, que diante de um desemprego avassalador e diminuta formação escolar, optaram por comprar produtos nos países vizinhos ao invés de praticarem crimes verdadeiramente graves.

Perdoem-me, mas parece distante da realidade o argumento de que o descaminho de pequena monta atinge a indústria nacional. Em regra, quem adquire produtos em bancas de rua, sem garantia, o faz por falta de condição de comprar em uma loja de shopping, com mais segurança. A carga tributária inviabilizadora do país impede que boa parcela da população tenha a chance de adquirir qualquer produto importado, pelo que acabada a opção surgida com o “camelô”, o bem simplesmente não será comprado.

Em termos de punição ao autor do fato, é bom lembrar que todas as mercadorias trazidas são apreendidas, o que já impõe enorme prejuízo a quem juntou parcas economias para ir a países vizinhos.

Mais ainda, a insignificância só é aplicável em situações de menor valor, o que afasta os grandes grupos que trazem produtos para abastecer o comércio oficial.

Já a comparação com o tratamento dado aos crimes de sonegação fiscal em relação do descaminho deixarei para outra oportunidade, por seu aspecto mais técnico.

Por todo o exposto acima, parece-me bastante desproporcional a imposição de pena aos chamados sacoleiros, aventureiros de nossas estradas perigosas.

Vale a pena macular com uma condenação penal essas pessoas que, ao serem pegas, já perdem todo o dinheiro, para que, eventualmente, engrossem nosso sistema penal já abarrotado?

Precisamos refletir.

Brasília, 2 de abril de 2017