Inocência e inconsequência
Gustavo de Almeida Ribeiro
Vou contar dois casos curiosos que me chegaram às mãos na Defensoria Pública. Não vou colocar os números dos processos para preservar a identidade das pessoas e, além disso, por estar muito mais interessado nas histórias que no Direito.
Inocência
Há algum tempo, recebi um habeas corpus em que se discutia a intenção de uma mãe em representar o namorado de sua filha, menor de 14 anos, por tê-la engravidado (importa dizer que o fato ocorreu antes da edição da Lei 12.015/2009).
Mãe e filha, bem como o namorado desta, moravam em um acampamento de sem-terra. O rapaz, com 19 anos, frequentava a barraca da namorada, de 13, com o conhecimento e consentimento da mãe. Sem os devidos cuidados contraceptivos, sobreveio a gravidez.
A mãe, preocupada com o sustento do neto, procurou a polícia para pedir que o rapaz fosse responsabilizado pelo que fez, pelo que sua manifestação foi tomada como representação.
Foi instaurada a ação penal, restando o rapaz condenado por estupro.
Importa destacar, todavia, que todas as vezes em que ouvida, a senhora afirmou categoricamente que não queria que o genro fosse preso, mas sim que ele assumisse e sustentasse seu filho, neto dela, até porque, detido, ele não teria condição de auferir renda.
A ordem foi concedida no STF, sendo considerado que não houve, em momento algum, intenção, por parte da vítima ou de sua família, em representar.
Eu acredito nas palavras da senhora, em sua ingenuidade em procurar a polícia, talvez a única figura do Estado a que ela tivesse acesso, com o objetivo não de instauração da persecução penal, mas sim de cobrar alimentos.
A inocência dela teve preço alto, pelo menos o resultado foi favorável.
Inconsequência
Já hoje recebi um caso bastante representativo da conduta do brasileiro. Acho que boa parte dos cidadãos deste país age com inconsequência, em todas as esferas da sociedade, sendo mais graves, todavia, as condutas do mais poderosos, por causarem mais danos
Recebi um habeas corpus impetrado de próprio punho em que a paciente fora condenada por crime contra o patrimônio.
Ela teria subtraído dinheiro da tia que, para se defender, procurou a polícia, que instaurou inquérito e fez seu trabalho.
Resultado, a moça foi condenada.
Quando o processo começou a andar e a tia viu a seriedade da coisa, foi até um cartório e registrou que, com medo de seu marido, muito bravo e impaciente com seus gastos excessivos, ela inventou para ele que o dinheiro sumido teria sido subtraído por sua sobrinha. Estimulada por ele, registrou ocorrência achando que tudo ficaria por isso mesmo. Não ficou.
Agora, a sobrinha está condenada e luta para cassar o decreto condenatório.
Eu acredito no desmentido. Como falei, no Brasil as pessoas quase sempre acham que tudo vai ficar por isso mesmo.
Brasília, 9 de março de 2017