Atualizações recentes da jurisprudência do STF pertinentes à atuação da Defensoria Pública

Atualizações recentes da jurisprudência do STF pertinentes à atuação da Defensoria Pública

 

Há alguns meses, divulguei resumo com os entendimentos adotados pelo STF em diversas matérias de Direito Penal (texto “Breve Resumo”, publicado em 7 de julho de 2015). Apresento abaixo algumas atualizações a partir de julgados ocorridos ou acórdãos publicados no 2º semestre de 2015:

 

Perda de objeto do habeas corpus pela superveniência de nova decisão penal capaz de gerar novo título prisional

 

caso a nova decisão não traga fundamento diverso para justificar a prisão cautelar, o habeas corpus não resta prejudicado (HC 119183, TZ, 2ªT, favorável; HC 104954, MA>RW, 1ªT, desfavorável) – como regra, prevalece o prejuízo do habeas corpus com a superveniência de novo título, entretanto, a 2ª Turma por vezes afasta tal entendimento quando a decisão posterior não invoca nenhum fundamento novo para justificar a constrição cautelar

*precedente importante: no julgamento do HC 128278, pela 2ª Turma do STF, impetrado em favor de investigado na chamada operação Lava-jato, o STF superou a alegação de perda superveniente de objeto por novo título prisional e enfrentou o mérito do writ – observação: muitas vezes obtínhamos o mesmo resultado, mas o entendimento firmado em caso com repercussão é sempre importante

 

Penal militar*

 

*atualização: c. consideração do período em que o condenado cumpriu os requisitos do sursis para a obtenção do indulto – denegado por ambas as Turmas, vencidos, na 1ª, o Min. Marco Aurélio (RHC 128515) e na 2ª os Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes (HCs 123827, 129209, 123698) – entendeu-se que o período em que o apenado esteve em gozo da suspensão condicional da pena não pode ser considerado como efetivo cumprimento da pena

 

Maus antecedentes e inquéritos e ações penais em andamento

 

matéria consolidada no RE 591054, com repercussão geral reconhecida, no sentido de se afastar a consideração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes. Participação da DPU no julgamento do RE na condição de amicus curiae

*atualização: no julgamento do HC 94620, o STF sinalizou que pode mudar esse entendimento, embora tenha concedido a ordem

 

Limitação de 5 anos como período depurador para a consideração de maus antecedentes

 

a jurisprudência do STF parece caminhar para a consolidação no sentido de que passados 5 anos do cumprimento ou extinção da pena, a condenação anterior não mais pode ser invocada como maus antecedentes (HC 119200, DT, 1ªT) – em julgamento o HC 126315, relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T, com 2 votos favoráveis, dele e do Ministro Dias Toffoli e pedido de vista da Min. Cármen Lúcia – o Min. Celso de Mello proferiu decisão monocrática recentemente acolhendo a tese (HC 123189)

*atualização: o habeas corpus 126315 versando sobre o tema foi concedido recentemente pela 2ª Turma do STF, o que parece fortalecer ainda mais a consolidação do tema – a leitura do acórdão é válida, chegando a tratar do direito ao esquecimento – a matéria ainda pende de apreciação pelo Plenário do STF em sede de repercussão geral

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 15 de dezembro de 2015

Haja instabilidade

Haja instabilidade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Fui intimado dias atrás do acórdão prolatado no HC 94620, julgado pelo Plenário do STF, sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.

O citado writ discutia, em suma, questões atinentes à dosimetria penal, entre elas a consideração de feitos em andamento como maus antecedentes.

O início do julgamento deu-se em 12 de março de 2009, oportunidade em que fiz minha primeira sustentação oral no Plenário da Suprema Corte. Após o voto do Ministro Ricardo Lewandowski denegando a ordem, o Ministro Cezar Peluso pediu vista.

O habeas corpus em questão voltou à mesa após a apreciação do RE 591054, com repercussão geral reconhecida, em que se discutia justamente a consideração ou não dos processos penais em andamento como maus antecedentes. O mencionado recurso teve seu julgamento iniciado em 5 de junho de 2014, sendo concluído em 17 de dezembro de 2014. Por maioria de 6 votos a 4, decidiu-se que feitos em andamento não configuram maus antecedentes. Compuseram a corrente vencedora os Ministros Marco Aurélio (relator), Roberto Barroso, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello. Votaram vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Como pode se observar, todos os Ministros que votaram no citado recurso ainda integram o STF na data atual. Posteriormente, foi nomeado o Ministro Edson Fachin que, de qualquer modo, não seria capaz de mudar a maioria formada.

Por isso, quando o Ministro Teori Zavascki, sucessor do Ministro Cesar Peluso, levou o HC 94620 para continuidade de julgamento, pensei que a questão dos maus antecedentes seria decidida sem maiores debates.

Entretanto, para minha surpresa, mesmo a retomada da apreciação do HC tendo ocorrido 6 meses após o final do julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral, a Corte sinalizou revisão de seu entendimento. Reitero: não houve mudança na composição do Tribunal que justificasse tal alteração. Ao final, ordem foi concedida em parte, adiando-se a revisita ao tema. Todavia, chamaram a atenção as discussões ocorridas na sessão do Pleno do STF de 24 de junho de 2015, oportunidade em que se concluiu o julgamento.

O Ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente, chegou a declarar durante os debates no HC 94620:

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE E RELATOR) – Bom, o julgamento não terminou ainda, enquanto não for proclamado o resultado, todos nós podemos mudar o nosso voto. Na verdade, eu sinto um certo desconforto em proclamar um resultado que não reflete o sentimento do Plenário atualmente. Essa é que é a verdade.

Eu até, como antecipei o meu voto, porque entendi que o Ministro Teori também estava se curvando ao princípio da colegialidade, e eu também respeito muito esse princípio, no fundo, acabei levando o eminente Ministro Fachin a também concluir nesse sentido. Mas essa não é a vontade presente do Plenário, eu acho que nós poderíamos retomar, vamos fazer uma nova votação. ”

Ao que parece, novo processo será escolhido para a rediscussão da matéria.

Feitas as colocações acima, algumas perguntas se impõem:

  1. Qual o sentido do instituto da repercussão geral, para se mudar a decisão meses depois, estando o STF com a mesma composição? Os processos apreciados pelo Tribunal sob essa sistemática passam por extenso e demorado debate, com a participação de terceiros, sustentações, memoriais. Não são decisões tomadas subitamente em ações que jorram em abundância diariamente.
  2. Como pode a Corte reclamar do excesso de feitos se ela mesma estimula o desrespeito a seus julgados ao mudar de posição inopinadamente?
  3. Por fim, como se atribuir, em matéria penal, a possibilidade de o Ministério Público, titular da ação penal pública, escolher outro feito para servir de paradigma? Transcrevo o andamento extraído do sítio eletrônico do STF, constante, aliás, do extrato de ata:

“Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto ora reajustado do Relator, Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), concedeu, em parte, a ordem de habeas corpus para determinar ao Juízo da Vara de Execuções Penais que proceda ao novo cálculo da pena dos pacientes, devendo considerar como circunstâncias negativas, na primeira fase da dosimetria, tão somente a culpabilidade e as conseqüências do crime, vencidos os Ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, que denegavam a ordem. O Tribunal se pronunciou no sentido da possibilidade de rever a tese firmada no RE 591.054, e, nesse sentido, o Ministério Público Federal envidará esforços para identificar um caso para submeter ao Plenário oportunamente. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 24.06.2015.”

A Defensoria Pública também será chamada a escolher processos paradigmas ou essa possibilidade somente será concedida ao MP? Também somos carreira de Estado, também patrocinamos incontáveis feitos em matérias que nos são atinentes.

Qual será o critério da escolha feita pela parte? Um caso concreto que demonstre bem o acerto de sua posição? Quanto ao tema específico, o parecer da Procuradoria Geral da República foi no sentido da consideração de processos em andamento como maus antecedentes, posição coincidente, aliás, com a do Presidente do STF. Embora os recursos sob a sistemática da repercussão geral tenham como objetivo a fixação de uma tese, ao contrário das ações de controle concentrado, veiculam caso concreto que pode, sim, influenciar no ânimo do Julgador. Assim, a invocação de um processo em andamento pelo crime de furto simples para a configuração da circunstância judicial maus antecedentes tem peso distinto da invocação de um homicídio qualificado. A escolha será dada ao titular da ação penal, que inclusive já se posicionou quanto ao assunto?

Nem sempre os feitos indicados são os melhores para se debater um tema, mas presume-se que o Juiz que o escolheu é imparcial. Em matéria penal o Ministério Público é parte, é o autor das ações penais públicas, mesmo que possa também exercer a função de custos legis.

Por enquanto não tive notícias da indicação de outro processo. Espero permaneça assim, por todas as razões acima indicadas e também porque, convenhamos, se a reincidência que invoca decisões transitadas em julgado para majorar a pena já é de duvidosa constitucionalidade, o que se dizer de um mero processo ainda em trâmite? Processos que podem resultar em absolvição serão usados para majorar a pena em outras acusações, um absurdo facilmente compreensível e plausível. A pessoa deve pagar pelo que fez, correspondendo a cada ato uma resposta adequada e proporcional do Estado-Juiz. O que sobejar deve ser rechaçado, em respeito aos princípios do juiz natural, do estado de inocência e da vedação do bis in idem. Pensavam que essa página já tinha sido virada. Ledo engano.

Brasília, 8 de dezembro de 2015

Hierarquia e disciplina para quem?

Hierarquia e disciplina para quem?

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Justiça Militar da União ainda julga, no Brasil democrático de 2015, civis, pela suposta prática de crimes militares impróprios.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, há tempos, entendeu ser indevida a submissão de civis a Tribunais Militares, conforme sempre adverte o Ministro Celso de Mello em incontáveis votos, vide, à guisa de exemplificação, o HC 105256, por ele relatado, com julgamento em 12 de junho de 2012, pela Segunda Turma do STF.

O tema é palpitante, sendo que existem diversas ações de todos os tipos em que ele é discutido, notadamente a ADPF 289, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, ainda pendente de apreciação pelo Plenário da Suprema Corte.

Parece crescer cada vez mais o entendimento de que os julgamentos, tal como são feitos hoje, não podem permanecer. A submissão de um civil à Justiça Militar, composta, em primeiro grau, por cinco julgadores, sendo quatro deles militares e um Juiz-Auditor concursado, mostra-se inadequada em uma democracia. Importa lembrar que os Juízes militares funcionam por três meses e continuam a desenvolver seus serviços normais, o que pode acabar prejudicando sua independência.

Em meu sentir, a solução adequada seria o afastamento da competência da Justiça Militar da União para julgar civis, como ocorre, aliás, com a Justiça Militar dos Estados. Entretanto, parece ganhar força uma solução intermediária, que eu considero paliativa e que está longe de resolver boa parte dos problemas advindos do julgamento de cidadãos comuns pela Justiça Castrense.

Segundo os defensores de tal posição, os civis continuariam a ser julgados na Justiça Militar, mas apenas pelos Juízes-Auditores e não pelo colegiado. Nesse sentido, aliás, parece estar o PL 7683/2014, remetido à Câmara dos Deputados pelo Superior Tribunal Militar. Tal medida amenizaria os problemas, mas não seria capaz de atingir a maior parte das perplexidades advindas da competência da Justiça Militar para o julgamento de civis.

Calha destacar, para reflexão, aspectos em que a citada mudança não traria qualquer solução para os problemas apontados por quem atua perante a Justiça especializada.

Inicialmente, o recurso continuaria a ser remetido para o Superior Tribunal Militar, STM, composto por quinze Ministros, sendo dez deles Militares, com sua visão ligada à vida na caserna, distante, portanto, de quem dela nunca fez parte.

Prosseguindo, são aplicáveis aos feitos julgados pela Justiça Castrense o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar, anacrônicos, por não sofrerem as alterações que ocorrem na legislação penal e processual comum com frequência e, assim, manterem institutos já superados há muito e não receberem atualizações para torná-los consentâneos com os princípios constitucionais veiculados na Carta da República de 1988. Vale, como exemplo, enunciar que o CPM não prevê pena restritiva de direitos e que o CPPM ainda não foi alterado, transpondo-se o interrogatório do acusado para o final da instrução processual, tal como ocorreu com o Código de Processo Penal. Várias dessas situações são suscitadas diariamente por quem atua na área, notadamente a Defensoria Pública da União.

Claro que se reconhece que essa legislação que há muito carece de atualização é também nociva ao militar que será julgado na Justiça especializada, entretanto, pior ainda é aplicá-la aos civis que não optaram por ingressar na vida da caserna com todas as consequências a ela inerentes.

Exemplo clássico das consequências desse anacronismo ocorre nas ações de policiamento realizadas pelas Forças Armadas nas chamadas áreas de pacificação localizadas no Rio de Janeiro.

O cidadão carente morador de uma dessas chamadas “favelas pacificadas” que eventualmente seja acusado de crime de pequeno potencial ofensivo contra soldado do Exército Brasileiro, por exemplo, lesão corporal leve, será julgado perante a Justiça Castrense e não fará jus à aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Por outro lado, se uma pessoa praticar a mesma conduta em face de um policial militar, será julgada pela Justiça comum, com recurso para Juízes civis, podendo optar pelos institutos previstos na Lei dos Juizados Especiais. Tratar duas pessoas em situação igual de forma distinta indica ofensa ao princípio da igualdade. Nem se diga que uma delas seria moradora de área conflagrada, pois tal afirmação só reforçaria que para os pobres o rigor pode ser mais elevado, mesmo quando a conduta é a mesma, a não ser que carência econômica seja motivo para punição mais severa, em uma espécie de coculpabilidade às avessas. Essa opção leva à conclusão de que todos os moradores da favela, de início, são criminosos, o que nem de longe é verdade. O fato deve ser punido de acordo com sua gravidade, na favela ou no bairro nobre. Em tempo, a discussão dessa competência pende de apreciação pelo Plenário do STF, sendo interessante a leitura do acórdão do HC 112936, relatado pelo Ministro Celso de Mello, julgado e concedido pela Segunda Turma do STF em 5 de fevereiro de 2013.

Pior ainda, é extremamente comum, nos julgamentos de processos pela Justiça especializada e até mesmo pelo STF, quando desta provêm, a invocação da “hierarquia e disciplina” para justificar o maior rigor e a legislação mais restritiva.

Parece descabida a invocação da hierarquia e disciplina contra civil que nunca tenha integrado as Forças Armadas e, portanto, não aceitou ingressar no mundo mais rigoroso da vida na caserna, bem como a legislação a ele aplicável.

A última afirmação só demonstra o quanto exigências comuns à vida militar, mas dissociadas da vida civil, são utilizadas, ainda que inconscientemente, nos julgamentos dos feitos oriundos da Justiça especializada. É um divórcio impossível.

Em sua, o julgamento do civil pelo Juiz-Auditor parecer atingir pequena parte do problema, sendo que as questões envolvendo a desatualização legislativa, o rigor, o julgamento por uma Corte com formação majoritariamente Militar e a invocação aspectos disciplinares intrínsecos aos julgamentos da Justiça Militar, não sofrerão qualquer mudança com a pretendida alteração. A solução está em se retirar da Justiça Castrense a competência para o julgamento do civil, que não tem qualquer justificativa, ainda mais em se tratando de tempos de paz.

Brasília, 3 de dezembro de 2015

 

 

 

 

Regime prisional adequado

Regime prisional adequado

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Defensoria Pública da União entende ser inadmissível que uma pessoa condenada seja obrigada a cumprir pena em regime mais gravoso que o imposto na condenação, ou não possa progredir, mesmo fazendo jus a tal, em decorrência da falta de vagas.

Essa discussão será travada no STF no RE 641.320 e na PSV 57.

Entende a DPU que não havendo vaga no regime adequado, a pessoa deve ser colocada em outro mais brando.

Quando do início do julgamento da PSV 57, o Ministro Roberto Barroso fez algumas ponderações importantes sobre como seria executada a sistemática da progressão per saltum.

Para ajudar em tal debate, a DPU elaborou algumas sugestões que foram acostadas aos autos eletrônicos dos dois feitos mencionados acima. Foram consideradas questões como evitar que alguém saia do regime fechado para o aberto, preterindo-se outrem já em regime semiaberto, o que poderia causar insatisfação, sendo também observada a vantagem da progressão gradual.

As sugestões da DPU exigem controle mais próximo dos responsáveis pela execução penal, o que pode ser positivo para se evitar prisões por prazo excessivo e em regimes equivocados.

Importa para a Defensoria que ninguém seja deixado em regime mais severo que o adequado, mas também ajudar para que a sistemática seja a mais eficiente possível.

Brasília, 2 de dezembro de 2015

 

Seguem abaixo os links:

PSV 57 (Petição 61035/2015, de 23/11/2015) :

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4035425

 

RE 641320 (Petição 61033/2015, de 23/11/2015):

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4076171