Invisíveis

Invisíveis

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Defensoria Pública, de certo modo, sofre da mesma invisibilidade de seus assistidos.

Definitivamente, em regra, não somos pauta da imprensa e nem motivo de reflexão por boa parte da sociedade. Qualquer questão envolvendo o Ministério Público ou o Poder Judiciário vira manchete. Enquanto isso, estamos, na Defensoria Pública da União, há mais de três meses sem Subdefensor-Geral e Corregedor e há mais de um mês sem Defensor-Geral e não vejo nem mesmo notas de rodapé tratando do assunto, salvo raras exceções. A vacância concomitante desses cargos fez com que assumisse a função um colega Conselheiro, seguindo uma resolução do Conselho Superior da Instituição, uma vez que a Lei Complementar 80/94, que organiza a DPU, talvez por otimismo, já que os cargos não são escolhidos em processo simultâneo, não acreditou em tamanha inércia governamental e silenciou quanto ao tema da vacância coletiva.

Atendemos milhares de pessoas por ano. Levamos aos Tribunais os pleitos de inúmeros cidadãos, elaboramos incontáveis teses destinadas a atender, principalmente, à camada mais carente da população. São diversas as causas patrocinadas pela DPU que geraram grande debate jurídico, chegando até o STF, além das que pendem de julgamento pela Suprema Corte e por outros Tribunais. Fazemos atendimentos a moradores de rua, a estrangeiros em situação de fragilidade, dentre eles os mais expostos, os refugiados. Mesmo assim, podemos passar tempos no improviso e isso parece importar muito pouco (isso sem contar, é claro, o improviso contínuo de uma Instituição que não conta com quadro de apoio próprio, por exemplo).

O combate à corrupção é uma bandeira importante, mas não deve ser a única (ou quase a única) agitada pela imprensa e pela sociedade, contudo. Além de honestos, precisamos de agentes políticos que olhem para os mais frágeis e para as instituições destinadas a defendê-los.

Prisões por bombons furtados, falta de leitos hospitalares, benefícios previdenciários negados, de certo modo, são as demandas mais prementes, ou, ao menos, imediatas, para boa camada da população – justamente aquela que mais precisa da Defensoria Pública.

Lembrem-se da Defensoria Pública da União e de quantos ela representa. Combater a corrupção é um capítulo belo, garantir os direitos dos mais fracos é outro igualmente bonito, talvez até mesmo decorrência do primeiro.

Brasília, 16 de fevereiro de 2016

Os preferidos

Os preferidos

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Como regra, utilizo este espaço para tratar de assuntos ligados ao Direito, aos processos em que atuo em geral, à Defensoria Pública. No entanto, gosto de diversificar, às vezes colocando fotos de lugares bonitos ou postando textos sobre temas diversos.

Resolvi fazer uma pequena lista com os três livros de que mais gostei, explicando as razões.

A lista é de hoje, podendo ser alterada com a leitura de novas obras ou, quem sabe, por uma mudança de gosto mesmo.

Os três livros têm algo em comum, uma coisa que sempre me chamou a atenção em literatura e talvez também no cinema: a persistência, a contínua busca de algo melhor. Não chamarei de esperança, pois os personagens das obras não esperavam nada, faziam, buscavam e, o que mais me agrada, passavam por agruras sem, com isso, tornarem-se frios e insensíveis.

3º “A menina que roubava livros”, de Markus Zuzak. Li a obra há alguns anos atrás. Para mim, é um daqueles livros difíceis de se interromper a leitura.

Embora passado na Alemanha nazista, ele foi capaz de fugir do estereótipo de que todos os alemães são (eram) maus, terríveis, criminosos. Mostrou que havia quem não concordava com nazismo e suas práticas, ainda que não tivesse meios ou forças para combatê-lo; que havia ternura e gentileza em meio ao desespero.

Além disso, o tema de fundo, a Segunda Guerra Mundial, é um de meus favoritos em termos de filmes, documentários e literatura.

2º “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago. Também lido há vários anos. Sem querer contar a história, o livro fala de uma cidade em que as pessoas vão ficando cegas paulatinamente e como isso muda completamente a vida e as relações pessoais tais como as conhecemos.

A cegueira generalizada não faz com que as pessoas desistam. Há sofrimento, claro, mas existe ajuda e generosidade. A maldade de alguns contrasta com a coragem e abnegação de outros.

1º “Servidão humana”, de Somerset Maugham. Uma obra prima. Fantástico. O livro que li há mais tempo dentre os três. A história de Philip Carey, um menino que nasceu com um pé defeituoso, mas que não se entregou ao rancor, apesar de todas as dificuldades enfrentadas.

Não sei se merece mais destaque a fragilidade ou a força do personagem principal, mas seu carisma é indiscutível.

As três obras acima têm algo em comum, como falei: a busca, a luta, a persistência. Há autores que descrevem personagens frios, que parecem estar sempre prontos para fugir. Gosto da coragem, da audácia e os protagonistas dos livros citados são repletos dessas características. Servem de inspiração.

Recomendo a leitura.

Brasília, 14 de fevereiro de 2016

Acórdãos relevantes publicados pelo STF em processos com atuação da DPU

Foram publicados, no início de fevereiro de 2016, 3 acórdãos importantes em que houve atuação da DPU perante o STF.

ADI 5240 – ADI que impugnava a resolução do TJSP sobre as audiências de custódia (ou audiências de apresentação) – interviemos como amicus curiae

HC 123108 e HC 123734 – habeas corpus em que se discutia a aplicação do princípio da insignificância no furto em situações em que configurada reincidência por parte do acusado ou em que o fato tiver ocorrido na forma qualificada. Embora as portas estejam cada vez mais fechadas para nossos assistidos, os itens 2, destacados abaixo, podem significar uma fresta.

 

“Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente.”(HC 123108, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)

“Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO TENTADO. RÉU PRIMÁRIO. QUALIFICAÇÃO POR ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E ESCALADA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. Caso em que a maioria formada no Plenário entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, nem abrandar a pena, já fixada em regime inicial aberto e substituída por restritiva de direitos. 4. Ordem denegada.” (HC 123734, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 01-02-2016 PUBLIC 02-02-2016)

Gustavo de Almeida Ribeiro

8 de fevereiro de 2016

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pelos Ministros que integram a 2ª Turma do STF no 2º semestre de 2015

Segue, abaixo, tabela com os HCs e RHCs impetrados/interpostos pela Defensoria Pública da União e deferidos total, parcialmente ou de ofício pelos Ministros que compõem a 2ª Turma do STF durante o 2º semestre de 2015.

Brasília, 5 de fevereiro de 2016

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pelos Ministros que integram a 2ª Turma do STF no 2º semestre de 2015
Número do processo Ministro Relator Resultado Data da Intimação Tema
HC 128257  Celso de Mello Concedido 07/08/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais
HC 128836 Dias Toffoli Concedido 17/08/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais
HC 129418

 

Dias Toffoli Concedido  17/08/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais
RHC 116270 Teori Zavascki Provido em parte  17/08/2015 Tráfico de drogas e aplicação da redutora
HC 121884 Gilmar Mendes Concedido  17/08/2015 Determinação de que o STJ aprecie o HC no mérito
HC 126596 Gilmar Mendes Concedido 17/08/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais
HC 126936 Gilmar Mendes Concedido 17/08/2015 Condição de militar e requisito para deserção
HC 129619 Teori Zavascki Concedido 02/09/2015 Justiça Militar e cabimento dos embargos infringentes
HC 127266 Gilmar Mendes Concedido 14/09/2015 Furto tentado, insignificância e reiteração
HC 130043 Dias Toffoli Concedido 18/09/2015 Justiça Militar e cabimento dos embargos infringentes
HC 130210 Gilmar Mendes Concedido 25/09/2015 Falsidade ideológica e incompetência da Justiça Militar
HC 130429 Dias Toffoli Concedido 05/10/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais
HC 126621 Gilmar Mendes Concedido 08/10/2015 Crime sexual e dosimetria da pena
HC 130595 Gilmar Mendes Concedido 21/10/2015 Condição de militar e requisito para deserção
HC 130726 Dias Toffoli Concedido 21/10/2015 Justiça Militar e cabimento dos embargos infringentes
HC 129545 Gilmar Mendes Concedido em parte 23/10/2015 Tráfico de drogas e afastamento da majorante transporte público
HC 130956 Gilmar Mendes Concedido 04/11/2015 Furto qualificado, insignificância e trancamento da ação penal
HC 122052 Teori Zavascki Concedido 10/11/2015 Furto, insignificância, reiteração delitiva e trancamento da ação penal
HC 131035 Teori Zavascki Concedido 10/11/2015 Fixação do regime semiaberto em tráfico de drogas
HC 120682 Gilmar Mendes Concedido 10/11/2015 Maus antecedentes, período depurador e aplicação da redutora
HC 130003 Celso de Mello Concedido 10/11/2015 Descaminho, princípio da insignificância, limite de 20 mil reais
HC 129715 Celso de Mello Concedido 23/11/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais
HC 131474 Gilmar Mendes Concedido 04/12/2015 Descaminho, princípio da insignificância, limite de 20 mil reais
RHC 131001 Gilmar Mendes Provido 09/12/2015 Condição de militar e requisito para deserção
HC 128888 Dias Toffoli Concedido 11/12/2015 Prescrição da pretensão punitiva
HC 131097 Dias Toffoli Concedido 11/12/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais
HC 132001 Celso de Mello Concedido 18/12/2015 Descaminho, insignificância, limite de 20 mil reais

Total de HCs/RHCs da DPU deferidos monocraticamente total, parcialmente ou de ofício pelos Ministros que compõem a 2ª Turma do STF durante o 2º semestre de 2015: 27

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

 

Liellen Santana da Cruz Telhado

Estagiária acadêmica

 

 

Direito de presença e acusado preso

Direito de presença e acusado preso

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Na última terça-feira, 2 de fevereiro de 2016, perdi um HC em que proferi sustentação oral perante a 2ª Turma do STF cujo resultado estou até agora tentando entender.

A discussão é simples e os fatos estão consolidados, dispensando qualquer incursão fática.

Em suma, a paciente do citado writ (HC 130328), de relatoria do Ministro Dias Toffoli, presa, não foi conduzida da prisão em que recolhida em Lages, Santa Catarina, para a comarca de Araranguá, no mesmo Estado, para participar de audiência de oitiva de testemunhas.

Em todas as fases do processo, a defesa manifestou-se contrariamente à ausência da acusada, que teria o direito de estar presente à audiência em que ouvidas testemunhas de acusação.

A matéria já tinha sido julgada e decidida positivamente no HC 111728, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, em sessão da 2º Turma ocorrida em 19/02/2013.

A comparação do precedente com o resultado de ontem é simplesmente espantosa, não há termo melhor. As situações são idênticas. Pior, no HC 130328, de agora, havia manifestação expressa da defesa contra a ausência da acusada, enquanto no precedente discutia-se a relevância da aquiescência do defensor com a falta dos defendentes.

Os votos do Ministros que compunham a 2ª Turma, no julgamento do HC 111728, foram unânimes pela presença dos acusados em audiência de instrução. O Ministro Gilmar Mendes, na oportunidade, chegou a cogitar da edição de súmula vinculante, sendo secundado pelo Ministro Teori Zavascki.

Manteve a posição o Ministro Celso de Mello, que votou pela concessão no precedente invocado e também neste último feito. Aliás, minha satisfação veio não só do voto dele, coerente com o anterior, mas com a atenção que prestou à sustentação oral proferida.

Durante a sustentação, comentei que minha experiência na primeira instância tinha me mostrado que a presença do acusado era importante para ajudar a esclarecer, questionar, negar coisas ditas pelas testemunhas. Ao proferir seu voto pela concessão da ordem, o Ministro Celso de Mello falou a mesma coisa, dizendo que como Promotor de Justiça muitas vezes sentia a reação do acusado quando a testemunha falava algo de ele, réu, discordava. Foi o que salvou da lavoura. A ordem foi denegada por 4 votos a 1.

A leitura do precedente, que contou com os mesmos julgadores do HC 130328, com exceção do Ministro Dias Toffoli, causa completa perplexidade. Não há como ser mais instável, inconstante. O precedente era até pior, pois parecia não haver insurgência ostensiva contra a ausência dos pacientes, como no julgado da última terça-feira.

Quanto ao tema de fundo, a compreensão é simples. Tem a pessoa presa o direito de ser conduzida à audiência em outra comarca para participar da instrução processual? A resposta deve ser positiva, em razão dos direitos de audiência e de presença. A negativa coloca em posição diferente os acusados presos e os soltos, prejudica a ampla defesa. Também torço para que acusados ricos não possam se oferecer para pagar o deslocamento do local em que recolhidos até cidade em que será realizada a audiência, pois isso também criaria uma discriminação ainda mais absurda na Justiça Penal.

Espero sinceramente que a decisão de ontem valha para todos os acusados em processos penais pelo Brasil. Não porque concorde com ela, longe disso, mas por não aceitar que seja apenas para os pobres atendidos pela Defensoria Pública. Eu quero ver se essa postura será repetida em processos envolvendo graúdos. Repito: discordo frontalmente da decisão. Acho inafastável o direito de presença, tal como manifestado pelo Ministro Decano do STF, Celso de Mello. No entanto, se valeu para a moça do interior de Santa Catarina, que se mantenha para todos.

Brasília, 4 de fevereiro de 2016