As consequências da hediondez
Gustavo de Almeida Ribeiro
Muitas vezes anoto inúmeros temas sobre os quais gostaria de escrever de forma mais detalhada, completa, no entanto, a falta de tempo e o excesso de trabalho fazem com que eu acabe não tendo como tratar do assunto no momento adequado.
Falarei brevemente sobre o julgamento que deve ser terminado no Plenário do STF, quarta-feira próxima, dia 1º de junho de 2016, em que se discute a suposta hediondez do tráfico privilegiado. O tema será analisado no HC 118533, impetrado pela Defensoria Pública da União, cuja apreciação foi iniciada em 24 de junho de 2015. Até agora foram proferidos 6 votos, 4 pela denegação e 2 pela concessão da ordem, sendo a votação interrompida por pedido de vista formulado pelo Ministro Gilmar Mendes.
O que se convencionou chamar de tráfico privilegiado é aquele que preenche os 4 requisitos fixados na Lei 11.343/06, cumulativamente: ser praticado por acusado primário, com bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa. A coexistência desses requisitos permite a redução da pena de 1/6 a 2/3.
Em suma, uma pessoa condenada à pena mínima estabelecida para o tráfico (5 anos) e que, preenchendo as exigências acima, fixadas no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, receba a redução em seu grau máximo, sofrerá condenação de 1 ano e 8 meses de reclusão.
A partir dos julgados do STF que permitiram a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos e a fixação do regime inicial mais brando do que o fechado no tráfico de drogas, chega-se à conclusão que uma pessoa condenada a uma pena inferior a 2 anos, em regime aberto, com a pena convolada em restritiva de direitos, não pode ter praticado uma conduta considerada hedionda.
Hediondo, sem grande aprofundamento, deve ser algo que cause repulsa, horror, que apresente gravidade elevada. Parece difícil acreditar que pessoa que venda ínfima quantidade de droga para sustentar seu próprio vício se enquadre em tal definição. A análise dos outros crimes considerados hediondos reforça o ora afirmado: homicídio qualificado, latrocínio, estupro de vulnerável, etc.
São graves as consequências de se considerar um crime como hediondo (ou equiparado): fica vedado o indulto, a progressão de regime e o livramento condicional exigem prazos mais alargados.
O encarceramento é cada vez maior, notadamente o feminino, sendo o tráfico a principal causa de prisão entre as mulheres. São famílias desfeitas por pouco, consequências gravosas para vários que dependem dessas pessoas e também para a sociedade.
Até quando será feita essa interpretação que talvez seja literal, mas está longe de ser sistemática e a que melhor atende à dignidade humana e à proporcionalidade? A resposta que o Estado tem dado até agora não me parece ser a correta. Precisamos punir menos e recuperar mais.
Brasília, 31 de maio de 2016