Mula do tráfico e organização criminosa
Gustavo de Almeida Ribeiro
Tenho observado que há uma divergência frontal entre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e aquele adotado pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne à situação da chamada “mula” no tráfico de drogas.
Em dois habeas corpus recentes, o STF concedeu a ordem para afastar entendimento esposado pela Corte Superior que tem afirmado que a condição de mula basta para que a pessoa seja considerada integrante de organização criminosa e, portanto, não merecedora da redutora prevista no §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06.
Ontem, 28 de junho de 2016, a 2ª Turma da Suprema Corte reafirmou a posição mais favorável aos assistidos da DPU. Transcrevo o andamento do HC 134597, extraído do site do STF:
“Decisão: A Turma, por votação unânime, concedeu a ordem de habeas corpus para o fim de cassar o acórdão recorrido e restabelecer o julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que redimensionou a pena imposta ao paciente para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Paciente, o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público Federal. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Teori Zavascki. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 28.6.2016.”
O citado HC 134597 voltava-se contra a decisão tomada no REsp 1501704 do STJ, cujo trecho da ementa dispõe:
“4. É pacífica a orientação da Terceira Seção desta Corte no sentido de que, regra geral, o agente que transporta drogas, na qualidade de ‘mula’ do tráfico, integra organização criminosa, não fazendo jus ao benefício previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.” (AgRg no REsp 1501704/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 02/05/2016)
Na mesma linha favorável está o HC 131795, também julgado pela 2ª Turma do STF. Segue a ementa:
“Ementa: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO. TRANSPORTE DE DROGA. EXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA CONDUTA. ATUAÇÃO DA AGENTE SEM INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 1. A não aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 pressupõe a demonstração pelo juízo sentenciante da existência de conjunto probatório apto a afastar ao menos um dos critérios – porquanto autônomos –, descritos no preceito legal: (a) primariedade; (b) bons antecedentes; (c) não dedicação a atividades criminosas; e (d) não integração à organização criminosa. Nesse juízo, não se pode ignorar que a norma em questão tem a clara finalidade de apenar com menor grau de intensidade quem pratica de modo eventual as condutas descritas no art. 33, caput e § 1º, daquele mesmo diploma legal em contraponto ao agente que faz do crime o seu modo de vida, razão pela qual, evidentemente, não estaria apto a usufruir do referido benefício. 2. A atuação da agente no transporte de droga, em atividade denominada “mula”, por si só, não constitui pressuposto de sua dedicação à prática delitiva ou de seu envolvimento com organização criminosa. Impõe-se, para assim concluir, o exame das circunstâncias da conduta, em observância ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF). 3. Assim, padece de ilegalidade a decisão do Superior Tribunal de Justiça fundada em premissa de causa e efeito automático, sobretudo se consideradas as premissas fáticas lançadas pela instância ordinária, competente para realizar cognição ampla dos fatos da causa, que revelaram não ser a paciente integrante de organização criminosa ou se dedicar à prática delitiva. 4. Ordem concedida.” (HC 131795, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 03/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016)
Brasília, 29 de junho de 2016