HC 134474/STF – forma e conteúdo
Gustavo de Almeida Ribeiro
Comentei em um texto postado no início de agosto a uma situação lamentável em que uma formalidade estava impedindo a apreciação do mérito de um habeas corpus com jurisprudência favorável no STF. Transcrevo minhas observações à época:
“O HC 134474 pedia a aplicação do princípio da insignificância em favor dos pacientes, acusados da suposta prática de descaminho, deixando de recolher tributos no valor de R$ 10.729,44.
Quanto ao tema, há divergência clara entre o STJ e o STF. Este reconhece para a aplicação da insignificância no descaminho o limite de R$ 20.000,00, enquanto aquele aplica o teto de R$ 10.000,00 (vide ementa colacionada abaixo). A ordem foi indeferida na Corte Superior em razão do valor discutido, pelo que sobreveio a impetração na Corte Suprema.
O relator no STF, Ministro Celso de Mello, não conheceu da impetração, por voltar-se ela contra decisão monocrática. Cabe transcrever:
“Embora respeitosamente dissentindo dessa diretriz jurisprudencial, por entender possível a impetração de “habeas corpus” contra decisão monocrática de Ministro de Tribunal Superior da União, devo aplicar, em respeito ao princípio da colegialidade, essa orientação restritiva que se consolidou em torno da utilização do remédio constitucional em questão, motivo pelo qual, em atenção à posição dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não conheço da presente ação de “habeas corpus”, restando prejudicado, em consequência, o exame do pedido de medida liminar.”
Foi interposto agravo interno por um colega, reforçando que a decisão do STJ contrariava frontalmente o que tem sido adotado pelo STF como limite para a insignificância, devendo prevalecer o mérito, até mesmo com a possibilidade de concessão da ordem de ofício. Importa dizer que não havia notícia de reiteração delitiva por parte dos pacientes, sendo a discussão dos autos totalmente ligada à questão dos valores supostamente sonegados.
A Segunda Turma do STF negou provimento ao agravo, em acórdão ainda não publicado. A não ser que tenha ocorrido inovação na decisão colegiada, foi privilegiada a jurisprudência restritiva que se preocupa mais com a forma do que com o conteúdo (inadmissibilidade de HC contra decisão monocrática).
Por isso, sempre digo ser a insegurança jurídica um grande mal e que irresignações abruptas não me impressionam. Lembram-se da decisão do Ministro Dias Toffoli em famosa reclamação, concedendo HC de ofício? E das decisões do Ministro Celso de Mello e do Ministro Ricardo Lewandowski concedendo liberdade a quem já fora condenado pela segunda instância? Elas contrariavam o que decidido pela maioria do STF, quanto à supressão de instância e no que respeita à execução provisória, respectivamente. Se o Ministro Celso, a quem muito admiro, é contrário à jurisprudência que limita o conhecimento de HC, por que não se insurgiu também, ainda mais em situação em que a matéria de fundo é tão tranquila na Segunda Turma do STF? Exemplifico:
“Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda, que, por se tratarem de normas mais benéficas ao réu, devem ser imediatamente aplicadas, consoante o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna. II – Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau, que reconheceu a incidência do princípio da insignificância e absolveu sumariamente o ora paciente com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal.” (HC 121408, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-186 DIVULG 24-09-2014 PUBLIC 25-09-2014)
Notícias sobre o mencionado acima:
“Prisão de Paulo Bernardo foi ilegal, diz Toffoli, ao conceder HC a ex-ministro” (Conjur, 29/06/2016)
“Prisão após decisão de 2º grau ofende presunção de inocência, diz Celso de Mello” (Conjur, 04/07/2016)
“Jurisprudência do STF proíbe prisão antes do trânsito em julgado, diz Lewandowski” (Conjur, 27/07/2016)
Só eu acho essas coisas bem contraditórias?
Posso (poderia) embargar, sem dúvidas. Chances de êxito ínfimas, todavia.
HC 134474”
Resolvi embargar. Ciente de que embargos declaratórios são apreciados em lista, despachei com o gabinete do Ministro Celso de Mello, que, embora tenha sido atencioso e gentil, deu a entender que o Ministro não irá voltar atrás em sua decisão.
Informo o capítulo final depois.
Brasília, 14 de setembro de 2016