Seletividade
Gustavo de Almeida Ribeiro
Estava preparando um texto um pouco mais longo, que talvez divulgue depois. Todavia, após ler uma notícia publicada no jornal Folha de São Paulo, de 14 de novembro de 2016, informando que em 96,5% das ações penais movidas contra congressistas não houve qualquer punição ao acusado[1], faço questão de comentar três habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União perante o STF com que tive contato, apenas nos últimos dias, tratando da aplicação do princípio da insignificância ao delito de furto.
HC 137.838 – o paciente desta impetração foi acusado de furto simples, na forma tentada, de uma peça de picanha no valor de R$ 40,80. Foi condenado a 9 meses de reclusão em regime semiaberto por ser reincidente. O Ministro Teori Zavascki concedeu a liminar para colocá-lo em regime aberto até o julgamento final do writ, ainda pendente.
RHC 137.411 – o recorrente neste caso foi acusado da suposta prática de furto simples tentado de uma bolsa contendo R$ 30,00. Foi condenado à uma pena de 1 ano, 5 meses e 10 dias, no regime inicial semiaberto. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pelo desprovimento do recurso – Dra. Cláudia Sampaio Marques. O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do recorrente.
HC 136.286 – o paciente no caso foi acusado da suposta prática de furto simples, na forma tentada, de dois pares de chinelo no valor de R$ 30,00 de um supermercado, sendo abordado, na saída pelos seguranças do estabelecimento. Foi condenado a 9 meses e 10 dias de reclusão no regime inicial semiaberto, sendo ele reincidente. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pela denegação da ordem – Dra. Cláudia Sampaio Marques. O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, denegou a ordem de habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do paciente.
Vejam os 3 casos. Furtos tentados nos valores de R$ 40,80, R$ 30,00 e R$ 30,00. Crimes sem violência ou ameaça, bens restituídos.
Agora, leiam as notícias sobre os detentores de foro privilegiado, também chamado de “por prerrogativa de função”.
Sim, são situações diferentes, mas me parece – talvez seja equívoco meu – que o rigor é maior com o mais pobre, que praticou conduta ínfima.
Ah, mas são reincidentes! Só podem ser reincidentes por terem sido julgados algum dia. Se os processos tramitassem por anos, seriam primários.
Você agravou nos dois casos com decisão definitiva? Não. Eles seriam julgados no Plenário virtual sem que eu, ao menos, pudesse sustentar.
Ah, mas quem pratica vários furtos tem mesmo que ser julgado e condenado. Pena que, ao que me parece, essas pessoas são as que mais são julgadas e condenadas… O caso do bombom – lembram-se? – é bem mais comum do que parece.
Não sou abolicionista, mas precisamos repensar nosso sistema. E meros discursos contra o encarceramento não vão resolver.
Devemos aumentar o rigor? Que tal começarmos com os graúdos? De qualquer modo, excessos não me agradam, preciso dizer para concluir.
Brasília, 15 de novembro de 2016
[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1832077-prescricao-atinge-um-terco-de-acoes-contra-politicos-no-supremo.shtml