Súmula 691 do STF – liminar e decisão monocrática definitiva, uma explicação
Gustavo de Almeida Ribeiro
A aplicação do enunciado da Súmula 691 do STF tem sido bastante discutida, em razão do Ministro Edson Fachin ter decidido levar o habeas corpus impetrado em favor do ex-presidente Lula ao Plenário do STF (152752/STF), apesar de o STJ não ter exaurido sua jurisdição.
Cabe, inicialmente, transcrever a mencionada súmula:
Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
Como se vê, ela diz não ser cabível a impetração habeas corpus no STF contra decisão de Ministro de Tribunal Superior que meramente indeferiu o pedido liminar em habeas corpus de sua relatoria.
Todavia, a partir principalmente de 2013, o STF, notadamente sua Segunda Turma, há anos mais flexível em sede de habeas corpus, passou a não mais permitir a impetração em face de decisão singular de Ministro de Tribunal Superior, mesmo que tal decisão fosse definitiva e não apenas liminar.
Ou seja, foi-se além da própria Súmula 691, pois, enquanto esta impedia a impetração contra mera liminar, o novo entendimento passou a não mais conhecer HC contra decisão monocrática, ainda que definitiva. Transcrevo:
“Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE INDEFERE LIMINARMENTE WRIT MANEJADO NO STJ. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. I – No caso sob exame, verifica-se que a decisão impugnada foi proferida monocraticamente. Desse modo, o pleito não pode ser conhecido, sob pena de indevida supressão de instância e de extravasamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal, que pressupõem seja a coação praticada por Tribunal Superior. II – A não interposição de agravo regimental no STJ e, portanto, a ausência da análise da decisão monocrática pelo colegiado, impede o conhecimento do habeas corpus por esta Corte. III – Writ não conhecido.” (HC 119115, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 06/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014)
Já com anos de militância perante o STF, sempre comentei com meus colegas para evitarem, salvo alguma teratologia escancarada, o pedido de superação da Súmula 691; com o novo entendimento, passei a sugerir que se buscasse sempre tornar a decisão do STJ colegiada, antes de se provocar a Suprema Corte.
Algumas vezes, enxergando teratologia, os colegas, sabendo da pouca chance de êxito do agravo regimental (interno), ingressam com habeas corpus contra decisões monocráticas definitivas de Ministros relatores no STJ. O HC 145485, impetrado no STF contra o HC 396125 do STJ, é um bom exemplo. No caso em questão, a paciente do habeas corpus, grávida, estava em vias de dar à luz, como de fato se deu, em um presídio. Assim, o colega ajuizou o HC contra decisão singular. O Ministro Dias Toffoli negou seguimento ao writ, conforme se denota do trecho abaixo transcrito:
“De outra parte, este habeas corpus volta-se contra decisão singular proferida no HC nº 396.125/PR. Portanto, incide, na espécie, o entendimento de que
“é inadmissível o habeas corpus que se volta contra decisão monocrática do Relator da causa no Superior Tribunal de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente” (HC nº 101.407/PR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 19/3/14).
No mesmo sentido: HC nº 118.189/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 24/4/14; e RHC nº 111.395/DF, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/9/13, entre outros.
Ante o exposto, nos termos do art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, nego seguimento ao presente habeas corpus, ficando, por consequência, prejudicado o pedido de liminar.”
Agravei e de nada adiantou. O que pode ser mais urgente que uma mulher prestes a dar à luz, principalmente quando se compara a situação com outras domiciliares que vêm sendo concedidas alhures?
Em suma, nem mesmo contra decisões monocráticas definitivas têm sido admitidos habeas corpus no STF, o que se dirá de mera liminar? Citei em minha conta no Twitter o caso da mãe por ser um bastante destacado, mas há outros assim. Só não há mais por evitarmos arriscar, pois é melhor demorar um pouco e ter mais chance do que perdê-la por questões processuais.
Encerro transcrevendo trechos de uma decisão recentíssima do Ministro Edson Fachin, em HC impetrado pela DPU (HC 148854, DJe 01/02/2018):
- Cabimento do habeas corpus:
Não se inaugura a competência deste Supremo nas hipóteses em que não esgotada a jurisdição antecedente, visto que tal proceder acarretaria indevida supressão de instância, dado o cabimento de agravo regimental. Precedentes:
“Há óbice ao conhecimento de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisdição, à falta de manejo de agravo regimental ao Colegiado, não se esgotou.”(HC 123.926, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 14.04.2015, grifei)
“Inexistindo deliberação colegiada do Superior Tribunal de Justiça a respeito da questão de fundo suscitada pelo impetrante, não compete ao Supremo Tribunal Federal analisá-la originariamente, sob pena de indevida supressão de instância.” (HC 124.561-AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10.02.2015, grifei)
No caso concreto, por contrariar frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o habeas corpus não merece conhecimento, na medida em que funciona como substitutivo de agravo regimental, cabível no âmbito do STJ.
São essas contradições que me incomodam.
Brasília, 10 de fevereiro de 2018