Boletim nº 1 – atuação cível da DPU no STJ

Boletim nº 1 – atuação cível da DPU no STJ

 

Segue, em anexo, o Boletim nº 1 – cível STJ, elaborado por colegas que atuam na área cível da DPU no STJ, sob a coordenação de Antonio Maia e Pádua.

O Boletim foi elaborado pelos Defensores Antonio Maia e Pádua e Bruno Arruda.

Para acessar o conteúdo, bastar clicar no link abaixo:

Informativo 1 – Categoria Especial DPU – Cível

Brasília, 23 de outubro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Reincidência e aplicação retroativa

Reincidência e aplicação retroativa

 

Como nunca consigo escrever artigos como gostaria, colocarei abaixo trecho de um agravo que redigi em que a discussão é: a reincidência pode ser aplicada em conduta praticada quando ainda não existia reincidência? Ou seja, a reincidência retroage para interferir em lapsos temporais na execução penal de crime praticado quando a pessoa ainda era primária ou deve valer apenas para o futuro, após reconhecida?

Entendo que a reincidência deve ter efeitos apenas futuros. Esse tema será em breve apreciado no agravo interno no HC 157210, Relator Ministro Gilmar Mendes, pela 2ª Turma do STF.

Aguardemos o resultado (mais um tema em que eu gostaria muito de sustentar oralmente as razões do recurso).

Brasília, 15 de outubro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

1. BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

O agravante foi condenado por diversos crimes, conforme consta dos autos. Em alguns deles, já ostentava a condição de reincidente.

O Juízo da Execução Penal determinou que a fração de cumprimento equivalente à metade do tempo (1/2) para a obtenção de livramento condicional deveria incidir sobre a soma das penas impostas ao condenado, pouco importando sua condição de primário ou reincidente no momento de sua condenação.

A defesa interpôs agravo em execução destinado ao Tribunal de Justiça de Rondônia, ao qual foi negado provimento.

Em seguida, foi manejado recurso especial à Corte Superior, que restou desprovido em decisão singular, mantida em sede de agravo interno pela Colenda Quinta Turma do STJ.

Em seguida, a defesa impetrou habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal. Todavia, o Eminente Ministro Relator denegou a ordem em decisão monocrática.

Tal entendimento, no entanto, não merece prosperar, pelas razões que serão expostas a seguir.

3. DAS RAZÕES RECURSAIS

O que se discute no presente habeas corpus é a correta fração a ser aplicada ao agravante para a concessão de livramento condicional quando ele, condenado por mais de uma vez, era primário em alguma ou algumas oportunidades, mas reincidente em outras.

A r. decisão agravada adotou o entendimento no sentido de que, sendo reincidente o condenado, a fração de 1/2 (metade) do tempo de pena cumprida para a concessão do livramento deverá ser aplicada às penas de todos os crimes somados, mesmo àqueles praticados quando o apenado ostentava primariedade, sendo afastada a fração de 1/3 (um terço).

Na verdade, o entendimento esposado faz retroagir a reincidência para momento anterior à sua configuração, estendendo seus efeitos ao passado.

O Supremo Tribunal Federal, ao tempo em que declarou a constitucionalidade da reincidência, deixou claro que ela deveria ter efeitos futuros e não retroativos, conforme se extrai do voto condutor do Eminente Ministro Marco Aurélio, proferido no julgamento do RE 453000, DJe 03/10/2013:

“Se assim o é quanto às diversas previsões, de forma diferente não acontece no tocante ao agravamento da pena. Afastem a possibilidade de cogitar de duplicidade. Logicamente, quando da condenação anterior, o instituto não foi considerado. Deve sê-lo na que se segue, em razão do fato de haver ocorrido, sem o interregno referido no artigo 64 do Código Penal – cinco anos –, uma outra prática delituosa. Então, não se aumenta a pena constante do título pretérito, mas, presentes o piso e o teto versados relativamente ao novo crime, majora-se, na segunda fase da dosimetria da pena, no campo da agravante, a básica fixada. Afinal, o julgador há de ter em vista parâmetros para estabelecer a pena adequada ao caso concreto, individualizando-a, e, nesse contexto, surge a reincidência, o fato de o acusado haver cometido, em que pese a glosa anterior, novo desvio de conduta na vida em sociedade.” Grifo nosso

Esse entendimento foi firmado justamente para se afastar a alegação de que a reincidência causaria bis in idem ao fazer incidir sobre o mesmo fato dupla punição. Por isso, a verificação da reincidência dá-se para o futuro e não para majorar pena pretérita.

O Informativo 700 do STF deixou bastante claros, de forma resumida, os efeitos da reincidência, segundo os Eminentes Ministros da Corte:

“É constitucional a aplicação da reincidência como agravante da pena em processos criminais (CP, art. 61, I). Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário em que alegado que o instituto configuraria bis in idem, bem como ofenderia os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.

(…)

Considerou-se que a reincidência comporia consagrado sistema de política criminal de combate à delinquência e que eventual inconstitucionalidade do instituto alcançaria todas as normas acima declinadas. Asseverou-se que sua aplicação não significaria duplicidade, porquanto não alcançaria delito pretérito, mas novo ilícito, que ocorrera sem que ultrapassado o interregno do art. 64 do CP. Asseverou-se que o julgador deveria ter parâmetros para estabelecer a pena adequada ao caso concreto. Nesse contexto, a reincidência significaria o cometimento de novo fato antijurídico, além do anterior. Reputou-se razoável o fator de discriminação, considerado o perfil do réu, merecedor de maior repreensão porque voltara a delinquir a despeito da condenação havida, que deveria ter sido tomada como advertência no que tange à necessidade de adoção de postura própria ao homem médio.” (…)

Com a devida vênia, o entendimento adotado na decisão singular destoa do quanto firmado pelo STF, ao fazer retroagir um dos efeitos da reincidência – o aumento da fração necessária para o livramento condicional – para atingir fato anterior à sua existência.

O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido em distintos julgamentos (vide ADPF 347, RE 641320, RE 580252, HC 143641) o estado absolutamente precário dos presídios brasileiros, devendo essa situação ser considerada para a concessão do livramento.

Cabe ainda destacar que a calculadora eletrônica ofertada pelo CNJ para a verificação das penas faz as contas em separado, a partir de cada guia de execução (cada condenação) do apenado e não sendo somada a pena como um todo.

http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/calculadora-de-execucao-penal

Deve, portanto, ser provido o agravo e concedida a ordem de habeas corpus para se considerar para a concessão do livramento condicional a fração de 1/3 nas condenações em que o agravante era primário e 1/2 apenas naquelas em que já havia reincidência.

Recurso Extraordinário com repercussão geral e objetivação

Recurso Extraordinário com repercussão geral e objetivação

 

Seguem, abaixo, as razões recursais do agravo interno no RE 657718, extinto sem resolução de mérito pelo Relator, Ministro Marco Aurélio, pelo falecimento da autora.

A sistemática da repercussão geral faz com que a análise de um tema, além de ter efeitos ampliados, demore muito mais.

Isso precisa ser considerado pela Corte, tanto que não são raros os casos de perda de objeto durante o trâmite recursal.

O recomeço de um julgamento com a escolha de um novo paradigma a ninguém aproveita, gerando atraso considerável em feitos que, muitas vezes, aguardam solução por anos.

Vamos ver o que dirá o STF no caso em concreto.

Brasília, 2 de outubro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

 

A sistemática da repercussão geral promove a discussão, não só do caso em concreto, mas da tese, que servirá de paradigma a ser seguida pelos demais Tribunais pátrios.

Assim, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que a perda parcial de objeto em recurso com a mencionada sistemática não significa seu prejuízo, conforme pode ser constatado da ementa abaixo transcrita, que decidiu questão de ordem em situação assemelhada:

“Ementa: Direito Eleitoral. Agravo em Recurso Extraordinário. Candidatura avulsa. Questão de ordem. Perda do objeto do caso concreto. Viabilidade da repercussão geral. 1. A discussão acerca da admissibilidade ou não de candidaturas avulsas em eleições majoritárias, por sua inequívoca relevância política, reveste-se de repercussão geral. Invocação plausível do Pacto de São José da Costa Rica e do padrão democrático predominante no mundo. 2. Eventual prejuízo parcial do caso concreto subjacente ao recurso extraordinário não é impeditivo do reconhecimento de repercussão geral. 3. Repercussão geral reconhecida. “ (ARE-QO 1054490, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 05/10/2017, publicado em 09/03/2018, Tribunal Pleno) grifo nosso

Na mesma linha, a Suprema Corte já apreciou apelo extremo em matéria penal em que tinha sido extinta a punibilidade pela prescrição:

“Recurso extraordinário. Constitucional. Direito Penal. Contravenção penal. 2. Posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto (artigo 25 do Decreto-Lei n. 3.688/1941). Réu condenado em definitivo por diversos crimes de furto. Alegação de que o tipo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Arguição de ofensa aos princípios da isonomia e da presunção de inocência. 3. Aplicação da sistemática da repercussão geral – tema 113, por maioria de votos em 24.10.2008, rel. Ministro Cezar Peluso. 4. Ocorrência da prescrição intercorrente da pretensão punitiva antes da redistribuição do processo a esta relatoria. Superação da prescrição para exame da recepção do tipo contravencional pela Constituição Federal antes do reconhecimento da extinção da punibilidade, por ser mais benéfico ao recorrente. 5. Possibilidade do exercício de fiscalização da constitucionalidade das leis em matéria penal. Infração penal de perigo abstrato à luz do princípio da proporcionalidade. 6. Reconhecimento de violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos nos artigos artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal. Não recepção do artigo 25 do Decreto-Lei 3.688/41 pela Constituição Federal de 1988. 7. Recurso extraordinário conhecido e provido para absolver o recorrente nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.” (RE 583523, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/10/2013, publicado em 22/10/2014, Tribunal Pleno) grifo nosso

Mais recentemente, ao julgar o RE 601580, o STF voltou a decidir ser possível a apreciação da tese mesmo que o recurso esteja prejudicado, em se tratando de repercussão geral reconhecida. Cabe transcrever trecho do Informativo 916/STF, no que interessa ao presente caso (o acórdão ainda não foi publicado):

“(…)
Inicialmente, o Plenário, também por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio no sentido de converter o julgamento em diligências para se verificar se o militar, do caso concreto, já teria concluído o curso, o que levaria ao prejuízo do recurso. O Tribunal considerou ser possível a apreciação da tese de repercussão geral em recurso extraordinário, ainda que o processo esteja prejudicado, em razão a objetivação dos recursos extraordinários, já reconhecida em decisões anteriores. Frisou a eficácia vinculante das teses firmadas em repercussão geral e o disposto nos artigos 998, parágrafo único (6), e 1.029, §3º (7), do CPC. Vencido o ministro Marco Aurélio que acolhia a questão de ordem, no sentido da necessidade da diligência, haja vista a impossibilidade do prosseguimento da análise da tese debatida no recurso extraordinário, se reconhecido o seu prejuízo, por se tratar de processo subjetivo.

(…)

 (6) CPC: “Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquele objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.”
(7) CPC: “Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: (…) § 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.”

RE 601580/RS, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.9.2018. (RE-601580)” grifo nosso

Ou seja, a importância do julgamento vai além do caso concreto subjacente, sendo relevante a fixação de tese geral.

São duas, portanto, as fortes razões que justificam o provimento do presente agravo, com o prosseguimento da análise do apelo excepcional. Em primeiro lugar, a relevância do tema em discussão, que não atingiria apenas a autora.

Aliás, o medicamento por ela postulado já se encontrava registrado na ANVISA pelo que o objeto da ação, quanto ao pleito autoral, já tinha se esgotado – situação há muito informada nos autos.

A matéria transcende o mero interesse das partes, sendo relevante sua análise. Aliás, saúde é um bem urgente, pelo que qualquer demora poderá causar o mesmo deslinde ocorrido neste caso.

Além disso, como demonstra o longo trâmite processual, o recomeço, com possíveis novas sustentações orais, novos votos, caso seja escolhido novo processo, significará demora ainda maior na apreciação do tema.

Assim, como para a fixação da tese a ser aplicada em casos semelhantes, o processo em análise continua perfeitamente adequado, tal como ocorreu nos precedentes acima colacionados ele deve ser preservado em homenagem à celeridade. Interessa a todos os que necessitam de medicamentos a rápida solução do feito para que possam, em havendo resultado favorável, no que acredita a Defensoria Pública, buscar seus fármacos de forma mais breve possível.

Portanto, deve ser provido o presente agravo, dando-se continuidade à apreciação do recurso extraordinário.