Arquivo da categoria: Direito

Diário de Carreira: defensor público federal no STF

Diário de Carreira: defensor público federal no STF*

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Inicio me apresentando. Sou Gustavo de Almeida Ribeiro, defensor público federal, cargo que anteriormente era chamado de defensor público da União[1]. Tomei posse em dezembro de 2001, na primeira turma do primeiro concurso realizado[2] para membro da Defensoria Pública da União (DPU).

A Defensoria Pública da União, assim como as Defensorias Estaduais, atua em prol dos hipossuficientes. Normalmente, o conceito de hipossuficiência está atrelado ao de carência econômica, o que, de fato, ocorre na maior parte das vezes. Há, todavia, outros tipos de necessidades que podem levar à atuação da Defensoria Pública, como ocorre em muitas das ações coletivas, por exemplo.

A DPU atua perante a Justiça da União em todos os seus níveis e em todos os seus ramos, ou seja: Justiça Federal, do Trabalho, Militar da União e Eleitoral. Infelizmente, em razão do diminuto número de defensores, se considerados a variedade dos órgãos de atuação e a extensão do Brasil, não existem ainda profissionais em todas as subseções judiciárias, nem atuando em todos os ramos da Justiça da União na totalidade das localidades – muito embora esse seja o objetivo da Instituição.

A carreira se divide em 3 níveis, o de ingresso, ocupado pelo defensor público federal de 2ª categoria, o intermediário, integrado pelo defensor público federal de 1ª categoria e o final, ocupado pelo defensor público federal de categoria especial.

A categoria inicial atua perante os órgãos de primeiro grau da Justiça da União. Por sua vez, os Defensores Públicos Federais da 1ª Categoria atuam perante as Turmas Recursais e os Tribunais Regionais. Já os Defensores de Categoria Especial atuam perante os Tribunais Superiores e a Turma Nacional de Uniformização.

O defensor público-geral federal é escolhido dentro os membros da carreira com mais de 35 anos, indicado por meio de lista tríplice, da qual o Presidente da República escolhe um nome que será sabatinado pelo Senado Federal, para mandato de 2 anos, permitida uma recondução. Cabe ao defensor público-geral federal a atuação perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do disposto no artigo 23 da Lei Complementar 80/94.

Como se pode imaginar, o defensor geral não conseguiria, sozinho, atuar amplamente perante o STF, além de desenvolver todas as demais atividades que estão sob sua responsabilidade como gestor. O DPGF atual, na linha do que tinham feito os anteriores, escolheu colegas para auxiliá-lo na condução dos processos perante a Corte. Eu sou um deles, sendo o responsável pela coordenação dos trabalhos. Além de mim, há mais 4 colegas no grupo de atuação[3], todos nós membros da categoria especial.

Por fim, uma informação que reputo relevante para os eventuais interessados e que todos nós sentimos, independentemente do local de atuação: é uma carreira que permite grande satisfação ao se conseguir a implementação de um direito em favor de alguém necessitado.

Faço agora um resumo da minha semana, colocando as atividades mais relevantes.

Segunda-feira (16/10)

Como acontece praticamente todos os dias, uma das primeiras atividades é a verificação dos prazos mais urgentes e da necessidade ou não da interposição de recursos. Como a atuação se dá no STF, em que a maioria dos processos que nele aportam já não permitem rediscussão fática aprofundada e não há instância superior para se recorrer, a análise de cada caso e da pertinência recursal é um pouco distinta das demais. Em suma, o principal a ser analisado em cada processo, em regra, é a tese jurídica.

A análise tem como objetivo evitar a interposição de uma profusão de recursos sem chance de êxito que acabariam por tornar repetitivos e cansativos nossos argumentos, além de tomar tempo desnecessário do STF. Há uma relação de lealdade com a Corte na qual se espera reciprocidade.

Feitas essas análises, peço aos estagiários para me ajudarem nas pesquisas de jurisprudência para eventual recurso, bem como para verificarem qual a situação da pessoa que é parte no processo. Às vezes, entre a chegada de um habeas corpus e seu julgamento, o objeto foi há muito perdido.

Em seguida, analisei os processos da DPU pautados para serem julgados nas sessões das Turmas do STF no dia seguinte. Pela minha divisão com meus colegas, sou o responsável, fora substituições, pelos HCs, RHCs, ações penais originárias e inquéritos que correm perante a 2ª Turma do STF, atuando em outros processos por substituição, quando alguém está em férias. Na 2ª Turma não havia nada para ser julgado, enquanto na 1ª Turma havia alguns processos que seriam levados em mesa. Sempre que há processos de meu interesse, me preparo para a realização de sustentação oral.

O STF tem optado, cada vez mais, pelos julgamentos monocráticos, em que os ministros decidem sozinhos, permitindo a interposição de agravo.

Terça-feira (17/10)

Terça foi um dia sem prazos vencendo. Utilizo esses dias — quando não estou em sessão, claro — para adiantar prazos ou fazer petições mais complexas, que demandam mais trabalho, pesquisa.

Foi o que fiz. Há um tema importante sob meus cuidados, que tem sido tratado por mim todos os dias. Trata-se do habeas corpus coletivo impetrado em favor dos presos do sistema federal, tema amplamente divulgado na imprensa recentemente (HC 148459/STF).

Gosto de pensar essas peças. Refletir, raciocinar as vantagens e desvantagens de cada alegação. Mais que tamanho, preocupo-me com o conteúdo.

Quando tenho processos na Turma que acompanho, procuro sempre estar presente para acompanhar os julgamentos. Audiências são raras (ocorrem em extradições e ações penais originárias), mas as sessões são frequentes.

Além disso, cuidei do ordinário, prazos e despachos.

Quarta-feira (18/10)

Durante o dia, cuidei dos prazos de sempre.

No final da tarde, fui a uma reunião com defensores públicos estaduais que atuam em Brasília. As Defensorias Estaduais podem manter representações na capital do país para atuarem perante o STJ e o STF. Aquelas que não possuem tal representação têm seus processos acompanhados pela DPU quando estes aportam em Brasília.

O objetivo da reunião era trocar informações, discutir temas de interesse de todos as Defensorias em favor de seus assistidos. Foi também uma oportunidade de conhecer alguns colegas dos estados que acabaram de chegar.

Lutamos pelos mais frágeis, pelo que a soma de esforços é essencial.

Quinta-feira (19/10)

Sempre que possível assisto às sessões plenárias do STF. Quando não estou no Tribunal, vejo pelo YouTube, enquanto trabalho. Assistir aos debates ensina direito e também o comportamento, os modos da Corte. Acreditem, isso faz diferença.

Nesse dia tinha razão especial para acompanhar, pois meu colega proferiu sustentação oral como amicus curiae, em nome da DPU, na ADI 5543, que questiona a vedação da doação de sangue por homossexuais.

Essa semana eu não fiz sustentação oral, cada vez mais raras, aliás, em razão dos julgados monocráticos. Para os que estudam ou se iniciam na advocacia digo, dá um certo nervosismo, principalmente no começo, mas a sensação é gratificante ao se produzir uma boa defesa oral.

Havia muitos prazos vencendo no dia, que começou cedo e acabou tarde, com o envio do último agravo interno já à noite. O peticionamento eletrônico é uma benção e um fardo. Benção por estender o prazo até o final do dia, independentemente de horário forense; fardo por que isso sempre me faz ler e reler as coisas até tarde. Enquanto há prazo há vida e reflexão.

Sexta-feira (20/10)

Na manhã de sexta-feira tive uma reunião com o defensor público-geral federal para tratar da atuação em processos relevantes e de maior destaque, dentre eles, a questão da transferência dos presos dos estabelecimentos federais.

A elaboração de estratégias de atuação, além de peças e manifestações processuais é importante e pode até mesmo alterar o resultado dos processos.

À tarde, dei continuidade à verificação de prazos, processos, andamentos.

Brasília, 23 de outubro de 2017

 

[1] A LC 132/09 alterou a LC 80/94, mudando o nome do cargo de Defensor Público da União para Defensor Público Federal.

[2] Os Defensores Públicos da União mais antigos que eu vieram da carreira de Advogado de Ofício, tendo optado pela carreira da Defensoria.

[3] AASTF: Assessoria de Atuação no Supremo Tribunal Federal.

*publicado no site jota.info em 23/10/2017

Um longo caminho

Um longo caminho

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Atualização:

Escrevi as informações abaixo à noite, tendo sido, talvez, traído pelo cansaço, pelo que fui bastante sucinto.

Cabe explicar que todas as medidas abaixo buscavam a apreciação e a concessão do HC 185944, impetrado junto ao STJ em 20/10/2010.

 

Número Data Medida
HC 185944/STJ 20/10/2010 A DPE/MG ajuizou HC no STJ buscando a desinternação do paciente de estabelecimento psiquiátrico, dada a cessação de periculosidade
HC 113244/STF 20/04/2012 A DPU ajuizou HC no STF pedindo o julgamento célere do HC 185944 impetrado no STJ
HC 113244/STF 28/08/2012 Ordem concedida pelo STF para: “determinar que a autoridade coatora julgue o HC nº 185.944/MG até a 10ª Sessão da Turma em que oficia, subsequentemente à comunicação desta decisão, nos termos do voto do Relator.”
Rcl 27997/STF 19/08/2017 Ao notar que o HC 185944 ainda não tinha sido julgado pelo STJ, passados 5 anos da ordem emanada do STF, a DPU ajuizou reclamação para que fosse cumprido o julgado do STF
HC 185944/STJ 19/09/2017 Recebido o ofício do STF com pedido de informações, o STJ finalmente julgou e concedeu a ordem em favor do paciente.

Transcrevo apenas um parágrafo da ementa do acórdão do HC 185944/STJ:

“2. Passados mais de 17 anos desde a internação do paciente, bem como tendo o laudo pericial atestado, em 18/9/2009, que sua periculosidade cessou, deve ser concedida a sua desinternação do estabelecimento psiquiátrico em que se encontra, condicionada ao cumprimento das condições previstas nos arts. 132 e 133 da Lei de Execução Penal.” (grifo nosso)

Espero que, na medida do possível, tudo fique bem para o paciente.

Brasília, 11 de outubro de 2017

 

 

 

 

 

Um resumo das minhas reclamações

Um resumo das minhas reclamações

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Considero o RHC 147044, desprovido monocraticamente pelo Ministro Dias Toffoli, uma ótima síntese de várias dos questionamentos que tenho feito quanto à postura do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos habeas corpus e dos recursos ordinários em habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União.

O recorrente foi condenado pela suposta prática do chamado tráfico privilegiado a 2 (dois) anos de reclusão no regime inicial semiaberto, vedada a substituição da pena privativa de liberdade.

O mencionado recurso buscava obter a concessão do regime aberto para o início do desconto da pena e a substituição da pena imposta pela restritiva de direitos.

O assistido da Defensoria, atendido pela Defensoria Estadual de Santa Catarina e pela DPU, foi acusado de possuir, para venda, 10 gramas de cocaína (segundo informação do Desembargador relator, pois, pelo laudo pericial, entendi que seria até menos). Foi reconhecido como primário e possuidor de bons antecedentes, tanto que a pena-base foi fixada no mínimo legal, sendo aplicada, na 3ª fase, a redutora do §4º do artigo 33 da Lei 11.343.06 na fração de 3/5.

A vedação do regime mais brando, bem como da substituição, deu-se, exclusivamente, com base na natureza da droga apreendida, reitera-se: cocaína.

O pedido da Defensoria encontra esteio em dois julgados emanados do Plenário do STF:

HC 97256, rel. Min. Ayres Britto. Foi reconhecida a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos no crime de tráfico de drogas.

HC 111840, rel. Min. Dias Toffoli. Foi reconhecida a possibilidade de se iniciar o cumprimento de condenação por crime hediondo ou equiparado em regime mais brando que o fechado.

Ao ler os julgados acima, bem como outros diversos que seguiram os precedentes, não notei qualquer vedação à sua aplicação quando a acusação é de tráfico de cocaína.

Por isso, com a devida licença, a posse de 10g de cocaína não me parece ser justificativa suficiente para obstaculizar a substituição da pena e o regime inicial mais brando.

Por fim, surge aqui minha última insatisfação: o julgamento monocrático. Claro que agravei da decisão singular, mas não terei como sustentar oralmente o recurso. Não me parece ser o entendimento esposado pelo relator tema consolidado, ao contrário, parece ir de encontro aos precedentes do Plenário do STF. Repiso: paciente primário, sem antecedentes, quantidade ínfima de droga, tanto que reduzida a pena para 2 (dois) anos. Gostaria de ser ouvido, o que não será possível.

Essas situações, em meu sentir, servem para aumentar a insegurança jurídica e o volume de processos. Fosse o recurso ordinário julgado na Turma, eu me conformaria com o resultado, ainda que dele discordasse, da decisão monocrática só me restou agravar.

Brasília, 10 de outubro de 2017

 

 

Eu queria voltar a ser ouvido

Eu queria voltar a ser ouvido

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

São cada vez mais comuns os julgamentos monocráticos dos habeas corpus e dos recursos ordinários em habeas corpus, por parte dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, em detrimento dos julgamentos colegiados[1].

Em caso de inconformidade da parte, resta a possibilidade do agravo interno, julgado em meio virtual ou em lista.

Sei que essa medida decorre da profusão de habeas corpus impetrados diariamente no STF, todavia, cabe tecer algumas considerações que vão além dos números.

Em primeiro lugar, muitas ações constitucionais que chegam ao Supremo não têm qualquer chance de prosperar: não estão instruídas, voltam-se contra autoridades coatoras cujo julgamento não cabe ao Tribunal ou, ainda, são incompreensíveis. Tais processos fazem volume, mas são resolvidos rapidamente.

Além disso, compreendo que temas estritamente de direito, com pouca influência da situação fática em questão, possam ser apreciados de forma monocrática, desde que a matéria neles veiculada já esteja consolidada.

Todavia, o que tenho notado recentemente é a opção pelo julgamento monocrático em temas ainda não pacificados e, pior, por vezes, para se chegar à resultados distintos do precedente firmado por um colegiado.

Se o julgamento em lista que advém da interposição do agravo já não é o ideal, aquele que ocorre em ambiente virtual torna-se ainda mais questionável.

A situação fica pior ao se indeferir pedido de retirada do julgamento do sistema virtual, passando-o para a forma presencial, sob o fundamento de que o tema está consolidado sem, para tanto, se indicar um precedente sequer.

Patrocino uma série de HCs e RHCs perante o Supremo Tribunal Federal já há bastante tempo, pelo que vivenciei de perto as mudanças ocorridas na Corte. Como falei, sou capaz de compreender algumas, mas, penso que outras são exageradas e, pior ainda, por vezes, geram sensação de tratamento diferenciado.

A cada semana que passa existem cada vez menos processos julgados de forma presencial e colegiada no que respeita à Defensoria Pública da União. Cheguei a ver quase vinte serem julgados em uma só sessão da Segunda Turma, enquanto hoje, muitas sessões não têm sequer um, apesar do grande número de impetrações com temas diversos.

Com mais de dez anos de militância perante a Corte, posso dizer com tranquilidade da enorme diferença entre o julgamento original, em que a defesa, se entender necessário, pode usar da palavra, do mero julgamento de agravo. Nunca virei um agravo interno contra o voto do Ministro relator; em julgamentos diretos, já ganhei vários após a sustentação oral contra o voto do relator original.

Não pretendo e, em verdade, nunca agi assim, sustentar em todos ou em uma profusão de feitos, mas gostaria de poder falar em algumas situações recorrentes ou cuja interpretação do STF precisa ser repensada. Muitas vezes, quando sustento um habeas corpus, estou falando por milhares de pessoas, vide as questões envolvendo execução penal, relevantes para um sem número de casos.

Aliás, o Tribunal tem adotado a postura de pedir a dispensa da sustentação oral quando vai conceder a ordem. Claro que consinto, sem, contudo, deixar de lamentar em certas oportunidades, uma vez que sustento a tese.

Ainda não vislumbrei solução, sendo o presente apenas um lamento, de qualquer modo, não desisti de pensar, nem de incomodar. Muitos dependem disso.

Brasília, 22 de setembro de 2017

 

[1] Exceção feita ao Ministro Marco Aurélio que não adota a prática dos julgamentos monocráticos.

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pelos Ministros que integram a 2ª Turma do STF no 1º Semestre de 2017

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pelos Ministros que integram a 2ª Turma do STF no 1º Semestre de 2017

 

Segue, abaixo, tabela com os HCs e RHCs impetrados/interpostos pela Defensoria Pública da União e deferidos total, parcialmente ou de ofício pelos Ministros que compõem a 2ª Turma do STF durante o 1º semestre de 2017.

Brasília, 15 de setembro de 2017

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pelos Ministros que integram a 2ª Turma do STF no 1º semestre de 2017
Número do processo Ministro Relator Resultado Data da Intimação Tema
HC 139135 Gilmar Mendes Concedido em parte 12/01/2017 Tráfico Internacional de Drogas. Aplicação da causa de diminuição do §4° do art. 33 da Lei de Drogas.
HC 132071 Celso de Mello Concedido em parte 12/01/2017 Redução da pena. Aplicação da causa de diminuição do §4° do art. 33 da Lei de Drogas. Tráfico Internacional de entorpecentes.
HC 139086 Gilmar Mendes Concedido 18/01/2017 Condenação pretérita. Maus antecedentes e período depurador.
HC 138988 Gilmar Mendes Concedido 18/01/2017 Não existência de prejuízo em razão de sentença superveniente.
HC 139648 Edson Fachin Concedido 17/02/2017 Descaminho. Aplicação do Princípio da Insignificância. Limite R$ 20.000,00.
HC 138318 Celso de Mello Concedido de ofício 22/02/2017 Deserção. Direito de responder em liberdade.
HC 139810 Gilmar Mendes Concedido 16/02/2017 Descaminho. Princípio da Insignificância. Limite R$ 20.000,00.
HC 140324 Celso de Mello Concedido 17/02/2017 Não existência de prejuízo em razão de sentença superveniente.
HC 139725 Edson Fachin Concedido 17/02/2017 Pedido de redução da pena para agente que atuou como “mula” com base no art. 33, § 4°, da Lei 11.343/2006.
HC 140448 Dias Toffoli Concedido 22/02/2017 Não existência de prejuízo em razão de sentença superveniente.
RHC 139544 Gilmar Mendes Provido em parte 07/03/2017 Tráfico de drogas. Dosimetria da Pena e abrandamento do regime inicial. Substituição da Pena privativa de liberdade por Restritiva de direitos. Vedação do bis in idem.
HC 139103 Celso de Mello Concedido 31/03/2017 Corrupção de menores. Absolvição por falta de comprovação da
menoridade por meio de documento hábil.
HC 143324 Dias Toffoli Concedido 10/05/2017 Cálculo da Remição da pena do assistido com base nas horas trabalhadas diárias inferiores às 6hs. Princípio da segurança jurídica, tendo em vista que o tempo de trabalho foi determinado pela administração da unidade prisional.
HC 142691 Gilmar Mendes Concedido em parte 10/05/2017 Tráfico Internacional de drogas. Redução de pena em razão do paciente ter atuado apenas como “mula” (art. 33, § 4°, da Lei de Drogas).
HC 143425 Gilmar Mendes Concedido em parte 12/05/2017 Tráfico de drogas. Dosimetria da Pena e abrandamento do regime inicial. Substituição da Pena privativa de liberdade por Restritiva de direitos. Vedação do bis in idem.
HC 139582 Celso de Mello Concedido 22/05/2017 Tráfico Transnacional de entorpecentes. Diminuição de pena em razão de o agente ter atuado apenas como “mula”. Ocorrência de bis in idem.
HC 143474 Celso de Mello Concedido 29/05/2017 Cálculo da Remição da pena do assistido com base nas horas trabalhadas diárias inferiores às 6hs. Princípio da segurança jurídica, tendo em vista que o tempo de trabalho foi determinado pela administração da unidade prisional.
RHC 136628 Edson Fachin Provido em parte 29/05/2017 Tráfico de drogas. Dosimetria da Pena e abrandamento do regime inicial. Substituição da Pena privativa de liberdade por Restritiva de direitos. Vedação do bis in idem.
HC 143638 Celso de Mello Concedido 29/05/2017 Cálculo da Remição da pena do assistido com base nas horas trabalhadas diárias inferiores às 6hs. Princípio da segurança jurídica, tendo em vista que o tempo de trabalho foi determinado pela administração da unidade prisional.
HC 144441 Dias Toffoli Concedido 01/06/2017 Corrupção de menores. Absolvição por falta de comprovação da
menoridade por meio de documento hábil.
HC 144469 Edson Fachin Concedido 02/06/2017 Descaminho. Princípio da Insignificância. Limite R$ 20.000,00.
HC 140688 Ricardo Lewandowski Concedido 06/06/2017 Descaminho. Princípio da Insignificância. Limite R$ 20.000,00.
HC 144526 Edson Fachin Concedido 06/06/2017 Aplicação da pena. Regime inicial mais gravoso que o previsto no art. 33 do CP. Sem fundamentação.
HC 136124 Ricardo Lewandowski Concedido 13/06/2017 Falsificação de documento. Conflito de competência. (Justiça Federal x Justiça Militar).
HC 140743 Ricardo Lewandowski Concedido 13/06/2017 Furto. Aplicação do princípio da insignificância.
HC 144186 Ricardo Lewandowski Concedido

 

13/06/2017 Furto. Concessão de habeas corpus quanto ao regime inicial de cumprimento de pena (aberto).
HC 144474 Ricardo Lewandowski Concedido

 

13/06/2017 Tráfico internacional de drogas. Diminuição da pena pelo reconhecimento do tráfico privilegiado. (“mula”) (art. 33, §4°, da Lei 11.343/2006).
HC 144378 Gilmar Mendes Concedido em parte 16/06/2017 Condenação pretérita. Maus antecedentes e período depurador.
HC 144763 Celso de Mello Concedido 19/06/2017 Corrupção de menores. Absolvição por falta de comprovação da
menoridade por meio de documento hábil.
HC 139581 Gilmar Mendes Concedido em parte 19/06/2017 Tráfico de drogas. Diminuição da pena nos termos do art. 33, § 4°, da Lei 11.343/2006 (“mula”).
HC 140941 Gilmar Mendes Concedido 22/06/2017 Tráfico de drogas. Substituição do regime semiaberto pelo aberto, bem como a substituição de pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.
HC 144645 Gilmar Mendes Concedido 26/06/2017 Cálculo da Remição da pena do assistido com base nas horas trabalhadas diárias inferiores às 6hs. Princípio da segurança jurídica, tendo em vista que o tempo de trabalho foi determinado pela administração da unidade prisional.
HC 134556 Ricardo Lewandowski Concedido de ofício 27/06/2017 Furto. Concessão de habeas corpus quanto ao regime inicial de cumprimento de pena (aberto).

 

Total de HCs/RHCs da DPU deferidos monocraticamente total, parcialmente ou de ofício pelos Ministros que compõem a 2ª Turma do STF durante o 1º semestre de 2017: 33

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

Insignificante é o fato

Insignificante é o fato 

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Aproveito os minutos finais aqui na DPU nesse final de sexta imprensada no feriado para iniciar um texto sobre assunto já repetido à exaustão: o princípio da insignificância deve observar o fato e não seu autor, sob pena de se cair em situações que beiram o ridículo, como as duas que exporei abaixo.

Friso que são apenas exemplos e que poderia invocar casos semelhantes aos borbotões. Quem quiser fazer o teste, basta colocar na pesquisa de jurisprudência do STF: furto, insignificância e Defensoria (incluindo as decisões monocráticas).

No HC 122.052, o paciente, por ter registro criminal, chegou a ser preso preventivamente por um furto simples de uma faca no valor de R$ 1,99, devidamente restituída. A ordem só foi concedida pelo Ministro Teori Zavascki após passar por todas as instâncias e chegar ao STF. A decisão está disponível no site do Tribunal.

Já no HC 132.203, a 1ª Turma do STF concedeu a ordem em caso envolvendo militar por entender que, considerando-se que o paciente possuía 0,02g de maconha para uso próprio, tal quantidade seria apenas um resquício. Calha transcrever o voto do Ministro Roberto Barroso:

“O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – Presidente, portanto, era um jovem que prestava serviço militar obrigatório e, no momento em que foi surpreendido, não estava de serviço, não portava arma, não desempenhava função sensível à organização militar e a quantidade era ínfima: 0,02 g de maconha. Não dá nem para acender (a informação é de que não dá nem para acender). Portanto, o crime é impossível. Consequentemente, não há como a condenação. Portanto, eu estou acompanhando o Relator.”

O mero registro criminal ou o fato de o rapaz prestar serviço militar obrigatório (o que o coloca sob rigor do Código Penal Militar, ainda não atualizado quanto a várias questões, inclusive a das drogas) impede a aplicação do princípio da bagatela?

Em caso de resposta positiva ao questionamento acima, algumas situações surgem:

Para quem tem contra si condenação criminal, devo concluir que a subtração de um pãozinho francês é relevante, ainda que seja para saciar a fome. Isso chega todos os dias às minhas mãos, mas quando cai na grande imprensa vira escândalo (lembram-se da moça da limpeza que pegou o bombom?).

O princípio da insignificância é aplicado em crimes sem violência ou ameaça e com pequena ofensividade. É justificável, em um país como o nosso, o enorme gasto de tempo e dinheiro com furtos de comida, roupas, produtos de higiene, abarrotando os Tribunais e atrasando o julgamento de assuntos mais importantes? Claro que à defesa cabe recorrer, sobrevindo condenação, ainda mais em se tratando desse tipo de acusação, o que significa aumento considerável do número de processos.

As condições dos presídios são de todos conhecidas. Vamos abarrotá-los ainda mais com prisões cautelares e definitivas de pessoas acusadas de pequenos furtos, gerando as consequências nefastas de sempre?

É preciso aceitar que o fato praticado é que deve ser considerado insignificante, independentemente da vida pregressa de seu autor.

Claro que a insignificância não está apenas no valor da coisa, mas deve ser olhada de forma detalhada, considerando-se todas as circunstâncias do caso e não fórmulas pré-concebidas. Tal medida pode impedir condenações exageradas que ofendam a proporcionalidade.

Não ignoro a opinião daqueles que dizem que crime é crime e que nada deve ser desconsiderado. Pessoalmente, sou contra excessos libertários e, mais ainda, punitivos, mas ainda que concordasse com a afirmativa acima, deixaria a pergunta: certo, todo crime deve ser punido, mas por que até hoje o Brasil é muito mais rigoroso com alguns que com outros? Aceitar que as coisas são assim mesmo é admitir que o direito penal tem destinatário certo, os pobres, por outro lado, dizer que as coisas já mudaram é ingenuidade. Em suma, enquanto empresários e políticos acumularem inúmeros processos sem conhecerem, por um dia sequer, o lado de dentro da cela, a afirmativa inicial do parágrafo será refutável pela mera análise da realidade.

Seja como for, em furto, descaminho, pesca famélica, rádio comunitária, o que importa é o caso concreto e não o que já tenha feito o acusado anteriormente ou sua condição pessoal. Nosso sistema penal já é desigual o bastante, não precisamos piorá-lo.

Brasília, 9 de setembro de 2017

Despacho do Ministro Ricardo Lewandowski no HC coletivo 143641

Despacho do Ministro Ricardo Lewandowski no HC coletivo 143641

Segue, abaixo, transcrição do despacho do Ministro Ricardo Lewandowski proferido no HC 143641 (gestantes e mães e colocação em prisão domiciliar).

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 21 de agosto de 2017

 

 HC 143641

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S):TODAS AS MULHERES SUBMETIDAS À PRISÃO CAUTELAR NO SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL, QUE OSTENTEM A CONDIÇÃO DE GESTANTES, DE PUÉRPERAS OU DE MÃES COM CRIANÇAS COM ATÉ 12 ANOS DE IDADE SOB SUA RESPONSABILIDADE, E DAS PRÓPRIAS CRIANÇAS

IMPTE.(S): ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTRO(A/S)

ASSIST.(S): DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO CEARA

ADV.(A/S): DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ

ASSIST.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DO PARANÁ

ADV.(A/S: DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ

COATOR(A/S)(ES): JUÍZES E JUÍZAS DAS VARAS CRIMINAIS ESTADUAIS

COATOR(A/S)(ES): TRIBUNAIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

COATOR(A/S)(ES): JUÍZES E JUÍZAS FEDERAIS COM COMPETÊNCIA CRIMINAL

COATOR(A/S)(ES): TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

Trata-se de habeas corpus coletivo proposto em favor de todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade, bem como em nome das próprias crianças.

A Defensoria Pública Estadual do Ceará requereu sua intimação regular para prosseguimento do feito (documento eletrônico 26).

A Defensoria Pública da União ingressou no feito (documento eletrônico 29), aduzindo ser essencial sua participação, seja pelos reflexos da decisão nos direitos de um grupo vulnerável, seja por sua expertise nos temas objeto do presente habeas corpus.

Quanto às questões de fundo, sustentou, primeiramente, a possibilidade de impetração de habeas corpus coletivo, invocando para tanto o histórico da “doutrina brasileira do habeas corpus”, a existência do mandado de segurança e do mandado de injunção coletivos e a legitimação da Defensoria Pública para a propositura deste último, tudo a demonstrar: (i) “a caminhada das ações constitucionais em direção às soluções coletivas”; (ii) “o reconhecimento da representatividade da Defensoria Pública”.

Acrescentou que, embora seja indiscutível que em várias situações tuteláveis por habeas corpus dependam de análises individuais pormenorizadas, outras há em que os conflitos podem ser resolvidos coletivamente. Citou como exemplo o caso do HC 118.536, em cujo bojo a Procuradoria-Geral da República ofertou parecer pelo conhecimento e pela concessão da ordem.

Em segundo lugar, defendeu ser devido o reconhecimento do direito que assiste às mães de crianças sob sua responsabilidade ou gestantes de não serem recolhidas à prisão cautelarmente, ressaltando ser comum a situação da mulher presa cautelarmente que é, ao final, condenada à pena restritiva de direito, o que não reverte os danos sofridos pela mãe e pela criança.

Enfatizou serem vários os precedentes do Supremo Tribunal Federal em prol da tese constante da inicial.

Requereu seja admitida para atuar no feito e, no mérito, pleiteou o conhecimento do habeas corpus coletivo e da concessão da ordem.

O Departamento Penitenciário do Estado do Paraná apresentou os dados de mulheres presas na Penitenciária Feminina daquele Estado, cumprindo a decisão anterior de minha lavra (documento eletrônico 31).

É o relatório. Decido.

Diante da manifestação da Defensoria Pública da União para atuar no feito, passo a apreciar a questão do cabimento do habeas corpus coletivo, cuja resposta entendo ser positiva.

Com efeito, como já afirmei no Recurso Extraordinário (RE) 612043-PR, as relações sociais tem progressivamente contraposto grupos sociais a organizações burocráticas. Esse é um traço cada vez mais marcante da configuração atual da sociedade. A solução que se afigura possível para garantir acesso à Justiça aos grupos sociais vulneráveis nesse contexto burocratizado é a ação coletiva.

De forma coerente com essa realidade ora narrada, o Supremo Tribunal Federal vem alargando o uso dos institutos para lidar com situações em que os direitos de coletividades estão sob risco de grave lesão. Tem-se admitido ampla utilização da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), assim como do mandado de injunção coletivo.

Com maior razão, deve-se autorizar o uso do habeas corpus na forma coletiva. Honra-se, desta forma, a tradição brasileira de dar a maior amplitude possível ao remédio heroico, conhecida como “doutrina brasileira do habeas corpus”, que encontrou em Ruy Barbosa um grande defensor. Segundo essa doutrina preconizava, se há um direito sendo violado, deve haver um remédio à altura da lesão.

Numa sociedade burocratizada, a lesão pode assumir caráter coletivo e, neste caso, o justo consiste em disponibilizar um remédio efetivo e funcional para a proteção da coletividade – mormente de coletividades vulneráveis socioeconomicamente.

Foi com semelhante quadro que se deparou a Suprema Corte Argentina no famoso caso Verbitsky. Na Argentina, assim como no Brasil, não existe previsão constitucional expressa de existência de habeas corpus coletivo, mas essa omissão legislativa não impediu o conhecimento do writ pela Corte. Nesse julgamento, o habeas corpus coletivo foi visto pela maioria dos membros da Suprema Corte como compatível com a natureza dos direitos a serem tutelados que, tal como neste caso concreto, diziam respeito a direitos fundamentais de pessoas presas em condições insalubres.

É importante destacar que a Suprema Corte de Justiça recorreu ao direito convencional – sobretudo às Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos – como fundamentação central da decisão tomada, na qual determinou tanto a tribunais que lhe são hierarquicamente inferiores quanto aos Poderes Executivo e Legislativo a tomada de medidas para sanar a situação de inconvencionalidade a que estavam sujeitos os presos.

Assim, para além de tradições jurídicas similares, temos com a República Argentina também um direito convencional comum que deve levar esta Suprema Corte à reflexão dos instrumentos jurídicos que devem estar disponíveis para superar situações de ofensa ao direito convencional relativo aos direitos humanos.

No Brasil, além da já citada “doutrina brasileira do habeas corpus”, que integra a história do instituto em questão e mostra o quanto ele pode ser maleável diante das lesões aos direitos fundamentais, temos ainda dispositivos legais que encorajam à superação de posicionamento no sentido do não cabimento do writ na forma coletiva.

Nesse sentido, destaco o art. 654, § 2º do Código de Processo Penal, que preconiza a competência de juízes e os tribunais “para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal” (grifei). A faculdade de concessão, ainda que de ofício, de habeas corpus, revela o quanto o remédio heroico é flexível e estruturado de forma a combater, de forma célere e eficaz, às ameaças e lesões a direitos relacionados ao status libertatis do paciente. Indispensável destacar, ainda, que a ordem pode ser estendida a todos que se encontram na mesma situação, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal.

Não é por acaso que, episodicamente, o habeas corpus coletivo vem sendo conhecido e provido em outras instâncias do Poder Judiciário, tal como ocorreu no HC 1080118354-9, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos HCs 207.720/SP e 142.513/ES, ambos do Superior Tribunal de Justiça. Neste último, o exercício da faculdade de extensão da ordem todos os que estivavam na mesma situação transformou o referido habeas corpus individual em legítimo habeas corpus coletivo, “substituindo-se a prisão em contêiner por prisão domiciliar, com extensão a tantos quantos – homens e mulheres – estejam presos nas mesmas condições”.

Note-se que, feita a extensão, não se exige a nome de cada paciente, nos termos do art. 654, § 1º, a, do Código de Processo Penal e, por igual razão, não se deve exigir tal requisito no habeas corpus coletivo, lembrando-se que a interpretação do Código de Processo Penal deve ser orientada pelo prisma constitucional.

A existência de outras ferramentas disponíveis para suscitar a defesa coletiva de direitos – notadamente, em casos como o presente, a ADPF, não deve ser óbice ao conhecimento deste habeas corpus. O rol de legitimados dos instrumentos não é o mesmo, sendo consideravelmente mais restrito na ADPF, e o acesso à Justiça em nosso País, sobretudo das mulheres presas e pobres (talvez um dos grupos mais oprimidos do Brasil), por ser notoriamente insuficiente, não pode prescindir da atuação da sociedade civil na defesa de direitos. Deve-se extrair do habeas corpus, instrumento flexível e relevante, sua mais ampla potencialidade, nos termos dos princípios ligados ao acesso à Justiça da Constituição e ao art. 25 do Pacto de São José da Costa Rica.

Considero fundamental que o Supremo Tribunal Federal assuma a responsabilidade que tem referente aos mais de 100 milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário, e passe a fortalecer remédios de natureza coletiva quando os direitos em perigo disserem respeito a uma coletividade, contribuindo, assim, não apenas para maior isonomia e celeridade na cessação de lesões a direitos, mas, sobretudo, para a maior legitimação do sistema político brasileiro.

No caso concreto, essa ratio decidendi fica fortalecida pelo reconhecimento do ‘Estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional brasileiro, tal como levado a efeito por esta Suprema Corte quando do julgamento da ADPF 347 MC/DF. Naquele julgamento, a qual a narrativa do presente habeas corpus – de insuficiência estrutural específica em relação à situação da mulher presa – foi expressamente abordada.

A despeito do cabimento do habeas corpus coletivo, penso, com a devida venia, que são necessários certos parâmetros em termos de legitimidade ativa, como, aliás, é a regra em se tratando de ações de natureza coletiva. Parece, nesse sentido, que por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo (art. 12, IV, da Lei 13.300/2016), o ideal é reconhecer a legitimidade ativa à Defensoria Pública da União, por se tratar de ação de caráter nacional, e admitir as impetrantes como assistentes, em condição análoga à atribuída às demais Defensorias Públicas atuantes no feito.

Em relação a estas últimas, ficam cientes do procedimento para habilitação no sistema de intimação eletrônica, previsto no edital publicado na edição extra do DJe (245/2016), divulgado em 17/11/2016 e publicado em 18/11/2016.

Sendo assim, corrija-se a autuação. No mais, dê-se ciência às interessadas e à Procuradoria-Geral da República do teor desta decisão e dos documentos juntados aos autos pelo Depen do Paraná.

Publique-se.

Brasília, 15 de agosto de 2017.

 

Ministro Ricardo Lewandowski

Relator

 

HC coletivo e prisão domiciliar para mães e gestantes – IV

HC coletivo e prisão domiciliar para mães e gestantes – IV

 

Segue, abaixo, o primeiro tópico da manifestação apresentada no HC 143641/STF pela DPU

Brasília, 18 de agosto de 2017

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

DA REVOGAÇÃO DA PREVENTIVA OU DA CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR PARA MÃES, GESTANTES E SUAS CRIANÇAS

 

Quanto ao mérito, a impetração busca a revogação da prisão ou a concessão de prisão domiciliar para gestantes e mulheres com filhos pequenos, nos termos do disposto no artigo 318, IV e V do CPP.

O ponto de partida para a apreciação do pleito veiculado na inicial deve ser a compreensão do fim desejado pela norma em questão. A análise do artigo 318 do CPP em seu conjunto não deixa margem para dúvidas no sentido de que o objetivo da norma é proteger a criança, já nascida ou ainda no ventre da mãe. O inciso VI do mencionado artigo reforça o entendimento ao estabelecer a prisão domiciliar ao homem que for o único responsável pelo filho de até 12 (doze) anos.

No que concerne à gestante, são desnecessárias longas discussões. O ambiente completamente insalubre do cárcere brasileiro, em sua grande maioria, é danoso ao ser humano mais saudável e sem exigência de qualquer cuidado especial. Já as gestantes estão em um momento especial de suas vidas que demanda acompanhamento próximo. Tal cuidado já fica a desejar em se tratando da população carente, que sofre para conseguir atendimento médico tempestivo, sendo ainda mais desastroso em se tratando de mulheres presas.

Mas não só. Até mesmo o parco espaço físico que confina as pessoas no presidio é incompatível com o estado gravídico.

Infelizmente, apesar da situação excepcional experimentada pelas grávidas, muitas delas não só são mantidas em condições precárias, como notícias há de partos com as gestantes algemadas.

Reitera-se, a preocupação maior é com o bem-estar da criança, com o ser que virá ao mundo, com a geração futura do Brasil, com o ser humano em seu estágio mais frágil.

O mesmo cuidado repete-se em se tratando da mãe de criança pequena que demande acompanhamento e atenção. Lamentavelmente, a prisão cautelar é, no Brasil, a preferida das medidas processuais penais. Deveria ser exceção, mas está longe disso, mesmo em se tratando de crimes praticados sem violência ou grave ameaça, sendo o exemplo mais corriqueiro o das chamadas “mulas” do tráfico.

A prisão processual, muitas vezes imposta sem existir nem mesmo condenação recorrível, deveria ser utilizada com mais parcimônia e por tempo mais curto, o que, lamentavelmente não se constata na análise da prática judiciária. A situação agrava-se quando recai sobre uma mãe, deixando à mingua seus filhos, ou o que é pior, encarcerando um bebê.

Não se trata de ilação ou situação esporádica. As prisões estão repletas de mulheres acusadas de tráfico que, ao final, acabam condenadas a penas restritivas de direito, tendo cumprido longas segregações cautelares.

O dano gerado nessa criança é irreversível. A mácula, a ausência, o abandono de quem muitas vezes já não tem o pai presente são indeléveis.

São inúmeros os males causados a uma criança que experimenta o nascimento e a vivência no cárcere. Mostra-se fundamental, para a reflexão, enumerar alguns deles:

1 – adoção de crianças de mães presas à revelia destas;

2 – permanência da criança no cárcere;

3 – atraso na realização do registro civil da criança;

4 – falta de atendimento médico adequado à gestante e à criança;

5 – falta de atividades psicopedagógicas para as crianças;

6 – formação nas crianças de atitudes relacionadas ao aprisionamento, como posição de revista.

Engana-se quem pensa ser esse um problema apenas dos envolvidos. A maior vítima é a criança e a norma veio em seu socorro. Todavia, mesmo quem não se importa com a situação deve refletir sobre a consequência óbvia de qual sociedade, qual cidadão está se formando.

É ilusório acreditar que a pessoa criada no abandono e na violência não passará a vivenciar tais situações como normais.

Impende proteger a juventude, reduzir o encarceramento feminino em benefício das crianças e da própria sociedade, principalmente em sede cautelar, seja com a revogação das prisões preventivas ou com sua conversão em domiciliar.

 

Precedentes – domiciliar para gestantes e mães

São vários os julgamentos colegiados do Supremo Tribunal Federal concedendo prisão domiciliar para gestantes e mães, além de decisões monocráticas, definitivas e liminares. Cabe ler as ementas abaixo transcritas:

“Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Paciente em estágio avançado de gravidez. Pedido de substituição da prisão preventiva por domiciliar. 3. Ausência de prévia manifestação das instâncias precedentes. Dupla supressão de instância. Superação. 4. Preenchimento dos requisitos do art. 318 do CPP. 5. Concessão da ordem, confirmando a liminar deferida.” (HC 133177, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016)

“Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Prisão preventiva. 3. Paciente lactante. Revogação da prisão cautelar e, subsidiariamente, concessão de prisão domiciliar. Possibilidade. 4. Garantia do princípio da proteção à maternidade e à infância e do melhor interesse do menor. 5. Súmula 691. Manifesto constrangimento ilegal. Superação. 6. Preenchimento dos requisitos do art. 318 do CPP. 7. Ordem concedida, de ofício, confirmando a liminar previamente deferida, para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar.” (HC 134069, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 21/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016)

“Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Prisão preventiva. 3. Paciente lactante. Pleito de revogação da prisão cautelar e, subsidiariamente, de concessão da prisão domiciliar. Possibilidade. 4. Garantia do princípio da proteção à maternidade e à infância e do melhor interesse do menor. 5. Segregação cautelar mantida com base na gravidade abstrata do crime. Ausência de fundamentação idônea. Decisão contrária à jurisprudência dominante desta Corte. Constrangimento ilegal verificado. 6. Decisão monocrática do STJ. Ausência de interposição de agravo regimental. Não exaurimento da jurisdição e inobservância do princípio da colegialidade. 7. Ordem concedida de ofício, confirmando a liminar previamente deferida, para determinar a substituição da prisão preventiva domiciliar.” (HC 130152, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 29/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)

“Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas. Paciente em estágio avançado de gravidez. Pedido de substituição da prisão preventiva por domiciliar. 3. Ausência de prévia manifestação das instâncias precedentes. Dupla supressão de instância. Superação. 4. Preenchimento dos requisitos do art. 318 do CPP. 5. Concessão da ordem, confirmando a liminar deferida.” (HC 131760, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-097 DIVULG 12-05-2016 PUBLIC 13-05-2016) 

“Habeas corpus. 2. Tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção de menores. Prisão preventiva. 3. Paciente gestante. Pleito de concessão da prisão domiciliar. Possibilidade. 4. Garantia do princípio da proteção à maternidade e à infância e do melhor interesse do menor. 5. Preenchimento dos requisitos do art. 318 do CPP 6. Segregação cautelar mantida com base apenas na gravidade abstrata do crime. 7. Ausência de fundamentação idônea. Decisão contrária à jurisprudência dominante desta Corte. Constrangimento ilegal configurado. 8. Súmula 691 do STF. Manifesto constrangimento ilegal. Superação. 9. Ordem concedida de ofício para substituir a prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar.’ (HC 134104, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 18-08-2016 PUBLIC 19-08-2016)

“Habeas corpus. 2. Tráfico ilícito de entorpecentes. Paciente em estágio avançado de gravidez. Pedido de substituição da prisão preventiva por domiciliar. 3. Ausência de prévia manifestação das instâncias precedentes. Dupla supressão de instância. Superação. 4. Preenchimento dos requisitos do art. 318 do CPP. 5. Concessão da ordem, confirmando a liminar deferida.” (HC 128381, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 09/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 30-06-2015 PUBLIC 01-07-2015) 

Até mesmo nas extradições, em que, até a presente data, prevalece o entendimento no sentido de que a prisão é condição de procedibilidade, o STF tem abrandado o rigor de tal posicionamento para conceder prisão domiciliar como proteção à criança. Vale invocar, como exemplo do ora afirmado, a decisão prolatada na Prisão Preventiva para Extradição (PPE) 717, pela Ministra Rosa Weber:

  1. Na espécie, a Extraditanda é genitora de uma criança brasileira nata, de 2 (dois) anos de idade, nascida prematuramente, com atraso no desenvolvimento psicológico e motor e em regime de aleitamento materno, nos termos da defesa e segundo comprovado nos documentos acostados aos autos. Alega-se, ainda, que a Extraditanda, residente há mais de 5 (cinco) anos no Brasil, exerce ocupação lícita e que imensa a dificuldade de se cuidar do filho no local em que se encontra recolhida, em especial quanto ao aleitamento materno. Acresce que, após a prisão preventiva para fins de extradição, a criança perdeu peso e possui alterações comportamentais, conforme parecer médico. Nesse contexto, em juízo preliminar, entendo caracterizada, presentes os valores em jogo, em extradição instrutória, situação excepcional a afastar a razoabilidade e proporcionalidade da segregação preventiva, consideradas as sérias consequências psicológicas e físicas dela advindas a criança de dois anos.

Em suma, a matéria de fundo tem sido agitada perante o STF com frequência cada vez maior, encontrando resposta positiva da Corte, para se preservar a dignidade e a saúde das mães e, sobretudo, das crianças.

 

CONCLUSÃO

Ante o exposto, pugna a Defensoria Pública da União por sua oitiva no presente feito, endossando, pelas razões acima, os pedidos formulados na exordial no sentido da admissão do habeas corpus coletivo e da concessão da ordem quanto a seu mérito.

Requer, desde já, após admitida sua participação no writ em tela, sua intimação para todos os atos do processo, em especial para a sessão de julgamento do processo, oportunidade em que poderá ofertar memoriais e proferir sustentação oral.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Brasília, 14 de agosto de 2017.

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

 

HC coletivo e prisão domiciliar para mães e gestantes – III

HC coletivo e prisão domiciliar para mães e gestantes – III

 

Segue, abaixo, o primeiro tópico da manifestação apresentada no HC 143641/STF pela DPU

Brasília, 18 de agosto de 2017

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COLETIVO

Não se pretende, na presente, fazer longa digressão a respeito do histórico do instituto do habeas corpus no direito brasileiro. Todavia, impende trazer ao debate a chamada “doutrina brasileira do habeas corpus”, desenvolvida no final do século XIX e início do século XX, sob a liderança de Ruy Barbosa.

Como se sabe, o entendimento esposado pelo célebre jurista baiano era no sentido de que o habeas corpus poderia ser utilizado de forma ampla, não se limitando a garantir a liberdade de locomoção, mas também sendo empregado para a discussão de outros tipos de ilegalidade ou abuso de poder.

Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal acolheu esse entendimento extensivo em uma série de habeas corpus impetrados por Ruy Barbosa, seguindo posição adotada pelo Ministro Enéas Galvão.

Todavia, passados anos de celeumas e embates entre os defensores da ampliação do espectro do instituto e aqueles que entendiam pela sua restrição a situações em que questionada a liberdade de ir e vir, posicionamento este liderado pelo Ministro do STF, Pedro Lessa, publicou-se, em setembro de 1926, emenda à Constituição de 1891, restringindo o cabimento do mencionado writ às questões atinentes à liberdade de locomoção.

A mencionada emenda constitucional de 1926, limitou o cabimento do habeas corpus, entretanto, já estava consolidado no Supremo Tribunal Federal o entendimento de ser possível a correção de ato de autoridade, desde que ilegal e ofensivo a direito líquido e certo.

Assim surge, em 1934, a figura do mandado de segurança, instituto brasileiro, certamente inspirado nas ideias de Ruy Barbosa, para tutelar outras liberdades individuais.

A gênese do mandado de segurança como um consectário da doutrina brasileira do habeas corpus, inequivocamente, aproxima os dois institutos, no que respeita à tutela de direitos que possam ser verificados de plano, sendo despicienda a dilação probatória, presente ainda situação que demande solução célere.

A narrativa acima presta-se a mostrar que as ações mandamentais, embora tutelando direitos distintos, partem de pressuposto próximo (a existência de direito documentalmente comprovável), possuem escopo semelhante (celeridade na prestação jurisdicional), atacando ilegalidades praticadas pelo poder público.

Com a Constituição da República de 1988, foi criada a figura do mandado de segurança coletivo, posteriormente regulamentado pela Lei 12.016/09, para tutelar direitos coletivos e individuais homogêneos, havendo certa controvérsia quanto aos direitos difusos, embora essa distinção muitas vezes seja feita de forma controvertida a depender do viés a partir do qual se parte (direito ou interesse).

Como já mencionado, a gênese do mandado de segurança advém do habeas corpus, pelo que as evoluções de um instituto devem ser estendidas ao outro, notadamente quando se constata que a diferença entre eles é apenas o tipo de ilegalidade combatido. É claramente possível que direitos envolvendo a liberdade de locomoção sejam também garantidos através de ações coletivas, destacadamente quando as situações impugnadas demandam angusta dilação probatória.

Outra ação constitucional também tem sido admitida como meio de se tutelar direitos coletivos, qual seja, o mandado de injunção. A Lei 13.300/2016 regulamentou o processo individual e o coletivo, estabelecendo ainda, quanto a este último, em seu artigo 12, IV, a Defensoria Pública como legitimada. Duas constatações exsurgem dessa norma recém editada: a primeira, a caminhada das ações constitucionais em direção às soluções coletivas; a segunda, o reconhecimento da representatividade da Defensoria Pública.

Além do próprio mandado de segurança e do mandado de injunção, parece inequívoco o movimento do direito brasileiro no sentido de se resolver as pendências coletivamente, evitando-se uma pletora de feitos ainda maior a abarrotar os Juízos e Tribunais. Diversos institutos criados ou reforçados em tempo recente, como os apresentados acima, confirmam o ora alegado. Além das ações mandamentais coletivas, a ampliação da legitimação para a ajuizamento de ações civis públicas, os institutos da repercussão geral, do recurso repetitivo e do incidente de resolução de demandas repetitivas demonstram nitidamente a busca pela solução multitudinária das demandas, com duas consequências essenciais para o jurisdicionado: maiores celeridade e segurança jurídica.

Se as normas utilizadas primordialmente em ações de natureza cível, recentemente editadas ou alteradas, trazem essa preocupação com a prestação da jurisdição em tempo razoável, ela deverá ser ainda maior na seara penal, em que está em jogo a liberdade do indivíduo, e mais ainda na ação eminentemente libertária, o habeas corpus, ainda mais tendo o mandado de segurança, que pode ser individual ou coletivo, inequívoco parentesco atribuível, como esclarecido acima, à doutrina brasileira do habeas corpus.

 

Preocupação com a identificação de pessoas

Um questionamento levantado por aqueles que se opõem à possibilidade de uma impetração coletiva diz respeito à individualização dos beneficiários (pacientes) da ordem concedida.

Não se discute que várias das situações que podem ser tuteladas pelo habeas corpus dependem de análises individuais incompatíveis com a forma coletiva do remédio.Todavia, tal como ocorre com as ações constitucionais coirmãs, muitos dos casos podem ser resolvidos pela forma coletiva, com amplas vantagens para o Judiciário e o jurisdicionado, como, por exemplo: a diminuição do número de demandas, a celeridade e a segurança jurídica. Tratando-se de impetração que, partindo de igual situação fática, traga apenas questão jurídica, o ajuizamento de dezenas ou centenas de habeas corpus com o mesmo tema servirá apenas para abarrotar o já sobrecarregado Poder Judiciário. Consequência direta disso será sentida no aspecto celeridade, irremediavelmente atingido. Por fim, havendo mais de um prolator de decisões que partam de situação igual, existirá ainda o risco de entendimentos discrepantes, ensejadores de injustiça e insegurança jurídica.

Não é difícil pensar em hipótese em que a solução coletiva traga benefícios mais rápidos e abrangentes. Imagine-se, por exemplo, um diretor de presídio que vede, peremptoriamente e de maneira imotivada, as saídas temporárias. Ora, todas as pessoas ali encarceradas em regime semiaberto são vítimas dessa medida enquanto ela persistir. Se na unidade em questão existirem 200 (duzentos) presos no regime semiaberto serão duas centenas de habeas corpus e, o que é pior, a cada remanejamento, outros terão que ser impetrados em favor daqueles que chegarem.

Em outros casos, a impetração coletiva só será útil para situações com pacientes já identificados, ainda que em grande número.

Em suma, a ação coletiva serve para atacar ilegalidade que pode ter atingidos diversos.

De qualquer modo, impende destacar que no habeas corpus em tela, o Eminente Ministro Relator já determinou ao DEPEN, em decisão datada de 27 de junho de 2017, a prestação de informações precisas sobre o número de mulheres que se encaixem nas condições de ilegalidade atacadas pela impetração. Diante de tais dados fornecidos pela entidade responsável pela gestão da questão penitenciária no Brasil, fica superado o receio de falta de controle e identificação precisa das pessoas beneficiadas pela concessão da ordem.

 

Precedentes – HC coletivo

O tema é ainda novo, todavia, vem sendo enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça com frequência cada vez maior.

Um desses habeas corpus, HC 118.536, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, tramita desde 2013 no STF, tendo sido indeferido o pedido liminar, mas determinado o regular prosseguimento do feito. O parecer da Douta Procuradoria Geral da República neste habeas foi pelo conhecimento da impetração e posterior concessão da ordem. Calha transcrever a ementa:

“HABEAS CORPUS. DIREITO COLETIVO. VEDAÇÃO AO BANHO DE SOL. PRESOS DETERMINADOS. INÉRCIA ESTATAL. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO JUDICIAL. CABIMENTO DO MANDAMUS. AFRONTA A NORMAS LEGAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, À INTEGRIDADE FÍSICA E À SAÚDE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. – Parecer pela concessão da ordem.” 

Por sua vez, no Superior Tribunal de Justiça, foi conhecido e concedido habeas corpus coletivo, sob a relatoria do Ministro Herman Benjamin, impetrado em favor de crianças e adolescentes contra os quais foi imposto toque de recolher. Aliás, o Ministro relator do mencionado writ na Corte Superior é um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, norma que é basilar para a compreensão, interpretação e delimitação dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. 

“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. TOQUE DE RECOLHER. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691/STF. NORMA DE CARÁTER GENÉRICO E ABSTRATO. ILEGALIDADE.

ORDEM CONCEDIDA.

  1. Trata-se de Habeas Corpus Coletivo “em favor das crianças e adolescentes domiciliados ou que se encontrem em caráter transitório dentro dos limites da Comarca de Cajuru-SP” contra decisão liminar em idêntico remédio proferida pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
  2. Narra-se que a Juíza da Vara de Infância e Juventude de Cajuru editou a Portaria 01/2011, que criaria um “toque de recolher”, correspondente à determinação de recolhimento, nas ruas, de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis: a) após as 23 horas, b) em locais próximos a prostíbulos e pontos de vendas de drogas e c) na companhia de adultos que estejam consumindo bebidas alcoólicas. A mencionada portaria também determina o recolhimento dos menores que, mesmo acompanhados de seus pais ou responsáveis, sejam flagrados consumindo álcool ou estejam na presença de adultos que estejam usando entorpecentes.
  3. O primeiro HC, impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, teve sua liminar indeferida e, posteriormente, foi rejeitado pelo mérito.
  4. Preliminarmente, “o óbice da Súmula 691 do STF resta superado se comprovada a superveniência de julgamento do mérito do habeas corpus originário e o acórdão proferido contiver fundamentação que, em contraposição ao exposto na impetração, faz suficientemente as vezes de ato coator (…)” (HC 144.104/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 2.8.2010; cfr. Ainda HC 68.706/MS, Sexta Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 17.8.2009 e HC 103.742/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 7.12.2009).
  5. No mérito, o exame dos consideranda da Portaria 01/2011 revela preocupação genérica, expressa a partir do “número de denúncias formais e informais sobre situações de risco de crianças e adolescentes pela cidade, especificamente daqueles que permanecem nas ruas durante a noite e madrugada, expostos, entre outros, ao oferecimento de drogas ilícitas, prostituição, vandalismos e à própria influência deletéria de pessoas voltadas à prática de crimes”.
  6. A despeito das legítimas preocupações da autoridade coatora com as contribuições necessárias do Poder Judiciário para a garantia de dignidade, de proteção integral e de direitos fundamentais da criança e do adolescente, é preciso delimitar o poder normativo da autoridade judiciária estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em cotejo com a competência do Poder Legislativo sobre a matéria.
  7. A portaria em questão ultrapassou os limites dos poderes normativos previstos no art. 149 do ECA. “Ela contém normas de caráter geral e abstrato, a vigorar por prazo indeterminado, a respeito de condutas a serem observadas por pais, pelos menores, acompanhados ou não, e por terceiros, sob cominação de penalidades nela estabelecidas” (REsp 1046350/RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 24.9.2009).
  8. Habeas Corpus concedido para declarar a ilegalidade da Portaria 01/2011 da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Cajuru.” (HC 207.720/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 23/02/2012)

Em suma, embora se trata de tema ainda novo, a ser consolidado pelos Tribunais pátrios, parece não só plausível, mas aconselhável a utilização do habeas corpus coletivo quando a coação impugnada for praticada contra múltiplas pessoas, como uma forma de tutelar direitos individuais homogêneos.

 

HC coletivo e prisão domiciliar para mães e gestantes – II

HC coletivo e prisão domiciliar para mães e gestantes – II

 

Segue, abaixo, o primeiro tópico da manifestação apresentada no HC 143641/STF pela DPU

Brasília, 18 de agosto de 2017

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

DA PARTICIPAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

 

A participação da Defensoria Pública da União no julgamento deste habeas corpus mostra-se essencial na medida em que a decisão nele tomada terá reflexos em considerável parte da população carcerária feminina, sendo muitas dessas mulheres atendidas pela Instituição.

Mas não é esse o único motivo que justifica a admissão da DPU no feito. Além da quantidade, a experiência dos membros da carreira no trato com o tema, a vasta distribuição territorial da Defensoria, presente em todos os Estados da Federação, a atuação maciça para o grupo mais carente da sociedade, normalmente o mais atingido pelas agruras do cárcere e o contato próximo com diversas entidades de defesa dos direitos humanos dão à Instituição conhecimento técnico e prático para intervir no processo.

Aliás, são cada vez mais comuns as participações da Defensoria Pública da União como amicus curiae em ações de controle concentrado e recursos extraordinários em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal em que números, experiências e aspectos jurídicos são levados à Corte para a construção de uma decisão mais consentânea com os ditames da Justiça.

Também no Superior Tribunal de Justiça, a Defensoria Pública da União tem sido chamada a intervir apresentando seus argumentos, situação que motivou, inclusive, a alteração do Regimento Interno do Tribunal, com o acréscimo do artigo 65-B[1], ocorrida em 2015, indicando o reconhecimento da relevância das achegas trazidas pelo órgão.

Por sua vez, o Código de Processo Civil de 2015 reconheceu a importância da Defensoria Pública para dar voz ao hipossuficiente, determinando sua intimação pelo juiz, em havendo pessoas em situação de hipossuficiência econômica nas ações possessórias, nos termos do disposto no artigo 554, §1º da mencionada Lei[2].

Em suma, a Defensoria passa, cada vez mais, a exercer a função de voz dos vulneráveis, não só em casos individuais ou coletivos em que seja procurada pelas partes ou entidades, mas também provocada pelo próprio Judiciário para contribuir com sua expertise em temas a ela afetos. Importa ainda ressaltar que a hipossuficiência não se limita ao aspecto econômico, embora este seja o mais frequente e conhecido. A vulnerabilidade pode advir de questões diversas, como orientação sexual, identidade de gênero, etnia, situação migratória, religião e questões penais em que os acusados, independentemente de condição econômica, se veem em posição desfavorável e sem meios para discutir temas complexos e arraigados.

Essa missão da Defensoria Pública na atuação em favor de grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade tem sido reconhecida pela doutrina em razão das atribuições a ela outorgadas pela Constituição Federal de 1988[3].

Parece suficientemente demonstrada a relevância da participação da Defensoria Pública da União.

 

[1] Art. 65-B. O relator do recurso especial repetitivo poderá autorizar manifestação da Defensoria Pública na condição de amicus curiae.

[2] Art. 554.  A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

1oNo caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

 

[3] Sobre o tema Defensoria como guardiã dos vulneráveis (custos vulnerabilis):

ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios institucionais da Defensoria Pública, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017

FENSTERSEIFER, Tiago. Defensoria Pública na Constituição Federal. São Paulo: GEN/Forense, 2017

FILHO, Edilson Santana Gonçalves. Defensoria Pública e a tutela coletiva de direitos. Salvador: Juspodivm, 2016