Tráfico privilegiado e crime hediondo

Tráfico privilegiado e crime hediondo

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Ontem, 1º/06/2016, teve prosseguimento, no Plenário do STF, um julgamento muito importante para nossa atuação criminal, que terá, a depender do resultado, efeitos imediatos para os assistidos da Defensoria Pública.

Refiro-me ao HC 118533, em que se questiona a hediondez do chamado tráfico privilegiado.

Até a sessão de ontem estava 4 votos a 2 pela denegação da ordem, tendo sido o julgamento interrompido por pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes.

O Ministro Gilmar Mendes apresentou voto-vista concedendo a ordem. O julgamento prosseguiu e chegou a ficar 6 votos a 3 pela denegação.

Nisso, o Ministro Edson Fachin resolveu repensar seu voto pela denegação, pedindo vista. Outros Ministros, após ele se manifestar, endossaram que também pretendem refletir sobre a questão, pelo que ficamos com a impressão que temos boas chances de virar o resultado.

Foi fantástico. O afastamento da hediondez no tráfico privilegiado interfere na possibilidade de indulto, nos lapsos para progressão e livramento condicional e, destacadamente, no crescente encarceramento feminino.

Tomara tenhamos êxito, será mais uma vitória marcante para a DPU.

Segue, abaixo, a notícia extraída do site do STF.

 

 

“Quarta-feira, 01 de junho de 2016

Suspenso julgamento sobre natureza hedionda do crime de tráfico privilegiado

Pedido de vista do ministro Edson Fachin suspendeu o julgamento de Habeas Corpus (HC 118533) por meio do qual o Supremo Tribunal Federal (STF) discute se o chamado tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, deve ser considerado crime de natureza hedionda. Na sessão desta quarta-feira (1º), votaram os ministros Gilmar Mendes, que se manifestou por afastar o caráter de hediondez dos delitos em questão, e os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, que reconheceram como hediondo o crime de tráfico privilegiado.

O tráfico privilegiado prevê que as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

No caso concreto, Ricardo Evangelista Vieira de Souza e Robinson Roberto Ortega foram condenados a 7 anos e 1 mês de reclusão pelo juízo da Comarca de Nova Andradina (MS). Por meio de recurso, o Ministério Público conseguiu ver reconhecida, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a natureza hedionda dos delitos praticados pelos réus. Contra essa decisão foi ajuizado, no STF, o HC em julgamento.

O caso começou a ser julgado pelo Plenáruo em 24 de junho do ano passado, quando a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de conceder o HC. Para ela, o tráfico privilegiado de entorpecentes não se harmoniza com a qualificação de hediondez do tráfico de entorpecentes, definido no caput e parágrafo 1º do artigo 33 da norma. Ela foi acompanhada pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Naquela ocasião, o ministro Fachin chegou a se pronunciar pelo indeferimento do pedido, ao argumento de que a causa de diminuição de pena, prevista na Lei 11.343/2006, “não parece incompatível com a manutenção do caráter hediondo do crime”. Acompanharam esse entendimento os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux. O julgamento foi interrompido, então, por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Ao se manifestar na sessão desta quarta, o ministro Gilmar Mendes considerou que a Constituição Federal deu ao legislador espaço para retirar do âmbito dos crimes chamados hediondos algumas condutas de transação ilícita com drogas. Para ele, há casos em que não se pode fugir à hediondez, principalmente quando há habitualidade no delito. O caráter isolado do delito, a inexistência de crimes para além de uma oportunidade, por sua vez, salientou o ministro, autorizaria o afastamento da natureza hedionda do crime.

Já o ministro Dias Toffoli decidiu acompanhar a divergência aberta pelo ministro Fachin. O ministro citou, inicialmente, que no caso concreto os réus foram pegos com 772 kg de droga, em um caminhão escoltado por batedores, um indicativo de que estariam atuando para organização criminosa.

Ao votar pelo indeferimento do HC, o ministro lembrou que, apesar de ser a primeira vez que o Plenário do STF analisa o tema, as Turmas do STF têm assentado caráter da hediondez do tráfico privilegiado.

O ministro Marco Aurélio concordou com o ministro Toffoli. Para ele, o reconhecimento da hediondez foi uma opção normativa, pelo legislador, que partiu da premissa de que tráfico é um crime causador de muitos delitos, para chegar a um rigor maior quanto ao tráfico de entorpecentes.

Crimes hediondos

Além de serem inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça ou indulto, os crimes hediondos, previstos na Lei 8.072/1990, devem ter penas cumpridas inicialmente em regime fechado, e a progressão de regime só pode acontecer após o cumprimento de dois quintos da pena, se o réu for primário, e de três quintos, se for reincidente.

Dados estatísticos

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, trouxe ao debate dados estatísticos relativos aos resultados já alcançados a partir da implantação das audiências de custódia, mas que, nas palavras do presidente, ainda se mostram insuficientes para resolver o problema do sistema carcerário brasileiro. Mantida a proporção e o ritmo do encarceramento que temos hoje no país, disse o presidente, dentro de poucos anos alcançaremos o número de um milhão de presos. Para Lewandowski, é preciso se chegar a uma solução de natureza de política criminal. Nesse sentido, o ministro salientou que uma decisão voltada a conceder o HC no caso em julgamento, reconhecendo a não hediondez do tráfico privilegiado, levaria à soltura de 45% das mulheres presas.

Vista

Diante da complexidade do tema e dos argumentos levantados no debates, o ministro Edson Fachin, que havia se manifestado pelo indeferimento do HC abrindo a divergência, pediu vista dos autos para uma melhor análise do caso.”

As consequências da hediondez

As consequências da hediondez

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Muitas vezes anoto inúmeros temas sobre os quais gostaria de escrever de forma mais detalhada, completa, no entanto, a falta de tempo e o excesso de trabalho fazem com que eu acabe não tendo como tratar do assunto no momento adequado.

Falarei brevemente sobre o julgamento que deve ser terminado no Plenário do STF, quarta-feira próxima, dia 1º de junho de 2016, em que se discute a suposta hediondez do tráfico privilegiado. O tema será analisado no HC 118533, impetrado pela Defensoria Pública da União, cuja apreciação foi iniciada em 24 de junho de 2015. Até agora foram proferidos 6 votos, 4 pela denegação e 2 pela concessão da ordem, sendo a votação interrompida por pedido de vista formulado pelo Ministro Gilmar Mendes.

O que se convencionou chamar de tráfico privilegiado é aquele que preenche os 4 requisitos fixados na Lei 11.343/06, cumulativamente: ser praticado por acusado primário, com bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa. A coexistência desses requisitos permite a redução da pena de 1/6 a 2/3.

Em suma, uma pessoa condenada à pena mínima estabelecida para o tráfico (5 anos) e que, preenchendo as exigências acima, fixadas no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, receba a redução em seu grau máximo, sofrerá condenação de 1 ano e 8 meses de reclusão.

A partir dos julgados do STF que permitiram a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos e a fixação do regime inicial mais brando do que o fechado no tráfico de drogas, chega-se à conclusão que uma pessoa condenada a uma pena inferior a 2 anos, em regime aberto, com a pena convolada em restritiva de direitos, não pode ter praticado uma conduta considerada hedionda.

Hediondo, sem grande aprofundamento, deve ser algo que cause repulsa, horror, que apresente gravidade elevada. Parece difícil acreditar que pessoa que venda ínfima quantidade de droga para sustentar seu próprio vício se enquadre em tal definição. A análise dos outros crimes considerados hediondos reforça o ora afirmado: homicídio qualificado, latrocínio, estupro de vulnerável, etc.

São graves as consequências de se considerar um crime como hediondo (ou equiparado): fica vedado o indulto, a progressão de regime e o livramento condicional exigem prazos mais alargados.

O encarceramento é cada vez maior, notadamente o feminino, sendo o tráfico a principal causa de prisão entre as mulheres. São famílias desfeitas por pouco, consequências gravosas para vários que dependem dessas pessoas e também para a sociedade.

Até quando será feita essa interpretação que talvez seja literal, mas está longe de ser sistemática e a que melhor atende à dignidade humana e à proporcionalidade? A resposta que o Estado tem dado até agora não me parece ser a correta. Precisamos punir menos e recuperar mais.

Brasília, 31 de maio de 2016

 

Recurso Criminal – sim, existe

Recurso Criminal – sim, existe

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Foi julgado hoje, pelo Plenário do STF, o RC 1472 (recurso criminal).

O tema é pouco usual, pelo que brinquei com colegas que, até esse processo aparecer, achava que a hipótese do art. 102, II, “b”, da Constituição de 88, só existia para pegar candidatos em provas de concurso (crime político: processo que é julgado pela Justiça Federal de primeiro grau e cujo recurso ordinário é apreciado diretamente pelo STF). Para se ter uma ideia de como o tema é raro, o RC 1470, apenas dois números abaixo do recurso apreciado hoje, foi julgado em 12 de março de 2002.

O assistido da Defensoria Pública da União teria sido flagrado com razoável quantidade de armas pesadas, com o suposto objetivo de assaltar banco. O fato deu-se quando ainda não havia lei específica de porte de arma, em 21 de junho de 1997, data em que a Lei 9437/97 estava no período de vacatio no que concerne aos crimes por ela disciplinados.

O assistido foi condenado como supostamente incurso na conduta tipificada no artigo 12 da Lei 7170/83, Lei de Segurança Nacional, mesmo não tendo sua conduta qualquer motivação política. O STF proveu o recurso patrocinado pela DPU para anular a condenação, nos termos do andamento processual extraído do sitio eletrônico do Tribunal de colacionado abaixo:

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, deu provimento ao recurso ordinário criminal para o fim de, afastada a tipificação do art. 12, parágrafo único, da Lei nº 7.170/83: i) desclassificar a imputação para a contravenção penal do art. 18 do Decreto-lei nº 3.688/41; ii) reconhecer a nulidade ab initio do processo, diante da incompetência constitucional da Justiça Federal (art. 109, IV, CF); e iii) declarar extinta a punibilidade do recorrente, pela prescrição da pretensão punitiva, com fundamento nos arts. 107, IV, e 109, V, ambos do Código Penal. Ausentes, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia e, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes. Compareceu ao julgamento o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público da União. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 25.05.2016.”

Transcrevo, abaixo, a notícia publicada no site do STF.

Brasília, 26 de maio de 2016

 

“Quarta-feira, 25 de maio de 2016

Plenário afasta Lei de Segurança Nacional a posse de granadas destinadas a assalto a banco

O Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento a Recurso Crime (RC 1472) para anular a condenação, com base na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), de F.M.S., preso com duas granadas de uso exclusivo do Exército. Por unanimidade, os ministros seguiram o voto do relator, ministro Dias Toffoli, no sentido de que a posse das granadas não tinha motivação política: a intenção do réu, conforme os autos, era roubar um banco.

Os fatos ocorreram em 1997. F.M.S. foi condenado pelo juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia (MG) à pena de quatro anos e oito meses de reclusão pela prática do crime previsto no artigo 12 da Lei de Segurança Nacional (LSN), que trata da posse de armamento ou material militar privativo das Forças Armadas.

No recurso ao STF, a Defensoria Pública da União alegava a ausência de motivação política da conduta, necessária à configuração dos crimes contra a segurança nacional. Pedia, assim, a absolvição de F.M.S.

Seguindo o voto do relator, o ministro revisor, Luiz Fux, assinalou que os fatos ocorreram antes da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), e a posse das granadas estaria sujeita ao Decreto-Lei 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), que prevê pena máxima para a conduta descrita na denúncia de um ano de prisão.

Provido o recurso, por unanimidade, o Plenário desclassificou e extinguiu a punibilidade pela ocorrência de prescrição.” <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317378&gt;

 

A solidão da tribuna

O texto abaixo foi publicado no site jota.uol.com.br em 17/05/2016

 

A solidão da tribuna

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A avaliação de uma sustentação oral como de qualidade é sempre associada com a capacidade de se falar bem, impressionar, prender a atenção dos Julgadores em primeiro lugar. Em seguida, valoriza-se o conhecimento do assunto abordado.

Os dois aspectos acima são realmente importantes e talvez os mais perceptíveis em uma manifestação oral de qualidade, mas estão longe de ser os únicos capazes de influenciar no efeito que ela causará.

A tribuna é um momento, um instante de 15 minutos, via de regra, em um processo que se arrastou por anos. Não permite consultas longas, dúvidas, hesitações.

Eleger antecipadamente o que falar ou não falar talvez seja das tarefas mais difíceis. Inicialmente, porque o que é dito tem peso diferente do que está escrito, para o bem e para o mal. Em segundo lugar, porque a sustentação não permite uma explicação demorada sobre um mesmo assunto sem que se perca o sentido.

Mas o pior de tudo são as decisões que precisam ser tomadas a poucos instantes da fala ou até mesmo na hora, na solidão, na ilha chamada tribuna, em que reflexões e conclusões têm segundos para ocorrer.

Embora não facilmente compreensível para todos, o não dito é quase tão relevante quanto o proferido. O silenciado e suas razões não serão explicados posteriormente aos que assistiram a sustentação, como em um filme em que as dúvidas são esclarecidas ao final. Ficarão apenas no conhecimento de quem optou por aquela via, com o fardo ou a glória do resultado obtido.

O relator do processo, a composição do colegiado julgador no dia, as manifestações orais eventualmente feitas pelos procuradores das partes adversas, tudo isso deve ser considerado na hora de se escolher o caminho a seguir e os atalhos e desvios tomados no momento.

Antecipar o que será usado por quem discorda da sua tese, seja o ex-adverso, o Ministério Público ou algum julgador, também não é tarefa fácil.

Um dos piores pesadelos de quem faz uma sustentação oral é ver o que foi dito ser usado contra si, sentir que uma tese contrária ao que se defende foi lembrada apenas em razão de ter sido mencionada na própria manifestação. Por outro lado, esse medo precisa ser equilibrado com a antecipação do que a outra parte ou os Juízes falarão. Às vezes, como parece, é quase um exercício de adivinhação e probabilidades incidente sobre uma circunstância que pode mudar em fração de segundos, pelas causas mais inesperadas

Recentemente, experimentei um caso em que fui ao Supremo Tribunal Federal pronto para sustentar a tese principal e fazer diversas sugestões subsidiárias caso superada aquela. Para minha surpresa, nem o recorrente, contrário à minha tese, ou os amici curiae, que o secundavam, apareceram para falar. Os precedentes eram-me favoráveis na jurisprudência do STF, bem como o parecer lançado nos autos pela Procuradoria Geral da República. Confiei que um mínimo estava garantido e que não haveria provimento integral do recurso em decisão desfavorável à tese que eu defendia. Assim, não quis ser eu o arauto de limites e restrições. E se nenhum deles estivesse se lembrando? – pergunta inevitável. Sustentei apenas a tese principal. Curiosamente, o voto do relator trazia exatamente as ponderações secundárias que eu tinha decotado de minha fala. Talvez se eu as tivesse mencionado, um expectador desavisado se impressionasse: tudo foi antecipado pelo orador. Entretanto, foi melhor deixar as restrições para a voz do Juiz, já que eu sentia um mínimo assegurado. Sentia, sem ter certeza, é bem verdade.

No caso específico da Defensoria Pública, pesa também falar em nome da Instituição e de tantos a quem ela representa, principalmente em processos que terão seus efeitos espraiados por incontáveis outros, mesmo em se tratando de um caso concreto. Não temos um, dois, quatro clientes que serão atingidos por aquela decisão. A depender do tema, milhares, talvez milhões de pessoas serão colhidas pela força do precedente formado.

Em suma, são cálculos, sagacidades, antecipações sem garantia e sem direito à explicação posterior. É quase um jogo, sério, valendo muito. Muitas vezes o resultado está traçado, pelo que palavras nada mudarão. Outras tantas, pesam, alteram um desfecho e é preciso saber lidar com as duas formas de cobrança surgidas dessas decisões tão íntimas e secretas, a dos outros e a própria. Não deixa, contudo, de ser um mister diferenciado, um misto de medo e satisfação. É impossível não me lembrar daqueles a quem eu represento nos passos que antecedem o púlpito, da responsabilidade e da exposição que a sustentação oral representa, mas sentir o coração acelerar faz valer o dia.

Brasília, 15 de maio de 2016

 

 

 

 

 

O que não sai no acórdão – início do julgamento

O que não sai no acórdão – início do julgamento

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Ainda sobre a atuação da DPU no RE 560900, com repercussão geral reconhecida pelo STF (possibilidade de participação de candidato que responda a ação penal em concurso público), trago mais algumas informações.

Para realmente entregar um trabalho completo, o colega Gustavo Zortéa entrou em contato com o recorrido, buscando saber qual sua situação funcional na Polícia Militar do Distrito Federal.

Ele nos informou que ainda é policial e forneceu certidão recente da qual consta “excepcional comportamento”, situação apta a reforçar que a mera resposta a processo penal ou inquérito não deve, de pronto, afastar a pessoa do concurso público.

Como o colega entrou em férias, acabei sendo o responsável pela sustentação oral, oportunidade em que, de última hora, abandonei as teses secundárias (para o caso de provimento parcial do recurso do ente público) para centrar forças na tese principal. Confiei que o mínimo teríamos, pelo que seria importante buscar a decisão mais favorável possível.

O julgamento foi iniciado, mas interrompido por pedido de vista do Ministro Teori Zavascki. Transcrevo o andamento extraído do sítio eletrônico do STF:

“Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), que negava provimento ao recurso, no que foi acompanhado, por fundamentos diversos, pelo Ministro Edson Fachin, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki. Impedido o Ministro Marco Aurélio. Falou pelo amicus curiae Defensoria Pública da União o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público da União. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 11.05.2016.”

Brasília, 18 de maio de 2016

 

 

 

Discussões/decisões interessantes do STF em matéria penal

Discussões/decisões interessantes do STF em matéria penal

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Apresento, abaixo, algumas discussões interessantes em matéria penal ocorridas no STF em feitos patrocinados pela Defensoria Pública da União:

 

HC 128.299 – tema furto de codornas e insignificância – ordem concedida pela 2ª Turma do STF, por maioria – quando a Corte Italiana reconheceu o furto famélico isso foi notícia internacional – transcrevo, a seguir, a ementa:

“Habeas corpus. 2. Furto simples de codornas avaliadas em R$ 62,50. Condenação à pena de 1 ano de reclusão. 3. Réu, à época da condenação, primário. 4. Aplicação do princípio da bagatela. Possibilidade. Precedentes. Peculiaridades do caso. 5. Reconhecida a atipicidade da conduta. 6. Ordem concedida para restabelecer o acórdão do TJ/MS que aplicava o princípio da insignificância. (HC 128299, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 19-04-2016 PUBLIC 20-04-2016)”

 

HC 131.918 – a já conhecida, porém repetida situação em que a quantidade e a natureza da droga são utilizadas duas vezes para se majorar a pena, na primeira e na terceira fases da dosimetria:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA: FIXAÇÃO DA PENA-BASE E DEFINIÇÃO DO PERCENTUAL DE DIMINUIÇÃO. BIS IN IDEM. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS E DO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE REEXAME. ORDEM CONCEDIDA. 1. A natureza e a quantidade do entorpecente foram utilizadas na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, para a definição do patamar da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em um sexto. Bis in idem. Patamar de dois terços a ser observado. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou serem inconstitucionais a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena, em caso de tráfico de entorpecente. Precedentes. 3. Ordem concedida para determinar a redução da pena imposta ao Paciente, com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no patamar máximo de dois terços, e, de ofício, considerada a nova pena a ser imposta, o reexame dos requisitos para a a) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e b) fixação do regime prisional. (HC 131918, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 01-03-2016 PUBLIC 02-03-2016)”

Quanto ao tema, é interessante observar que há repercussão geral reconhecida no sentido acima adotado, firmado, aliás, pelo Plenário do STF no HC 112776, impetrado pela DPU. Refiro-me ao RE 666.334:

“Recurso extraordinário com agravo. Repercussão Geral. 2. Tráfico de Drogas. 3. Valoração da natureza e da quantidade da droga apreendida em apenas uma das fases do cálculo da pena. Vedação ao bis in idem. Precedentes. 4. Agravo conhecido e recurso extraordinário provido para determinar ao Juízo da 3ª VECUTE da Comarca de Manaus/AM que proceda a nova dosimetria da pena. 5. Reafirmação de jurisprudência. (ARE 666334 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014 )”

 

HC 130.952 – discussão muito interessante: pode o furto qualificado ter sua pena aumentada pelo repouso noturno? – o julgamento foi iniciado dia 03/05/2016, pela 2ª Turma do STF – claro, a tese da DPU é que a majorante do repouso noturno só incide sobre o furto simples, enquanto no feito em tela o aumento deu-se na conduta qualificada :

“Decisão: Após o voto do Ministro Relator, que denegava a ordem, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Teori Zavascki. Falou, pelo paciente, o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público Federal. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 3.5.2016.”

 

Brasília, 8 de maio de 2016

O que não sai no acórdão – parte 2

O que não sai no acórdão – parte 2

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Atualizando o último texto, informo que o Ministro Roberto Barroso, Relator do RE 560900, admitiu a participação da DPU como amicus curiae no citado recurso, nos termos do que extraído do andamento do sítio eletrônico do STF:

“1. Por meio da petição nº 19.774, de 23.04.2016, a Defensoria Pública da União requereu sua admissão no feito como amicus curiae . Segundo a jurisprudência da Corte, pedidos da espécie devem ser formulados antes da inclusão do processo em pauta (ADI 2.435 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, entre outros). No caso, a determinação de inclusão em pauta consta de decisão proferida em 11.02.2016. Porém, também há precedentes de abrandamento do rigor dessa regra em casos excepcionais (RE 635.659, Rel. Min. Gilmar Mendes; RE 841.256, Rel. Min. Luiz Fux). 2. Considerando que: (a) houve a admissão de dois amici curiae que defendem a tese da parte recorrente; (b) a informação de que o procurador do recorrido não deverá produzir sustentação oral; (c) a representatividade da Defensoria Pública para a defesa da tese da parte recorrida, comum a seus assistidos; e (d) a necessidade de garantia da paridade de armas (CPC, art. 7º), defiro, excepcionalmente, o pedido.”

Mais um capítulo importante para a atuação da Defensoria Pública em feitos que ultrapassam os interesses da parte.

Falta agora o episódio final, o julgamento.

Brasília, 1º de maio de 2016

O que não sai no acórdão

O que não sai no acórdão

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Algumas coisas, se não forem contadas por quem delas participou, passarão em branco.

O trabalho na Defensoria Pública é uma soma de fragilidades, da Instituição e daqueles a quem ela representa, na busca da redução das desigualdades.

Como se sabe, o STF, após pautar um recurso extraordinário, não mais permite, como regra, o pedido de intervenção como amicus curiae. Há exceções, como conseguimos, aliás, no RE 841526, mencionado em texto anterior.

Ocorre que, o Supremo Tribunal Federal não segue qualquer ordem ou lógica para incluir um feito na pauta; pior, muitas vezes insere e fica tempos sem julgá-lo.

O RE 560900, que trata da permissão ou não de candidatos que respondem a processo penal participarem de concurso público, chegou ao Tribunal em agosto de 2007, ou seja, há quase 9 anos. Foi incluído em pauta em fevereiro de 2016 e, até a presente data, não foi julgado.

Dada a profusão de processos e temas de nosso interesse, além dos feitos regulares, só nos demos conta da importância do assunto quando o recurso já estava na lista de processos a serem julgados.

Mais uma vez, teríamos que partir para a tática da manifestação tardia.

No processo anterior já mencionado (RE 841526), o colega que trabalha comigo, Gustavo Zortéa, conseguiu contato telefônico facilmente com o advogado da parte, que logo peticionou informando que não iria proferir sustentação oral. Desta vez, os advogados cadastrados não estavam tão acessíveis.

Após descobrir que um deles tinha falecido, o colega Gustavo foi até a chácara, situada na região de Brasília, em que atualmente reside a outra advogada do recorrido para saber se ela pretendia sustentar o feito oralmente. Ela informou a ele que já não está atuando e que sequer tem acesso aos processos eletrônicos do STF. Foi pedido a ela que escrevesse um e-mail com essa informação e nos enviasse.

Minha parte foi redigir a petição de ingresso. Entre prazos e sustentações orais, a petição foi elaborada durante a semana e concluída na noite de sábado, 23 de abril, dada a urgência.

Na segunda, o Gustavo Zortéa, ao chegar à DPU, fez contato com o gabinete do Ministro Roberto Barroso, Relator. Ao conseguir conversar mais tarde no gabinete, ele foi informado de que o Ministro provavelmente só decidiria na hora da sessão a respeito de nossa participação.

Sem recebermos o e-mail da advogada, mais uma vez fizemos contato, momento em que ela informou estar com dificuldades em acessar a internet.

Redigimos e claro, lemos para ela, um texto, no qual a advogada informava que não pretendia fazer a sustentação oral e novamente o Gustavo Zortéa partiu em direção à chácara na região de Brasília para pegar a assinatura dela.

Os documentos pertinentes já foram acostados.

Nosso principal objetivo, impende dizer, é evitar que sejam ouvidas apenas vozes contrárias à participação daquele que responde a processo penal em concurso público, fazendo o essencial contraponto e proporcionando a paridade de armas.

Não fomos ainda admitidos como amicus curiae e nem sei se o seremos. A discussão é importante, podendo atingir muita gente que presta os mais diversos tipos de concurso. Além do Distrito Federal, a União e o Estado do Rio de Janeiro falarão contra a tese esposada pela DPU.

Fizemos também um rápido brainstorming para pensar em teses e alternativas para, caso sejam impostas restrições aos candidatos que respondem a processo penal, elas sejam as mais razoáveis possíveis, evitando-se a vedação absoluta e/ou que sejam aplicadas em casos em que o processo penal não tenha qualquer relação com a atividade a ser desenvolvida pelo candidato.

Agora nos resta aguardar. Nossa parte foi feita, apesar de todos os tipos de limitações.

Espero que prevaleça o bom senso do Tribunal, seja para nossa admissão, seja na apreciação da tese.

E tem gente que fala que só ricos têm uma defesa articulada…

Brasília, 28 de abril de 2016, às 1.57 h.

Processo penal militar e interrogatório

Processo penal militar e interrogatório

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Embora o acórdão do HC 127900, julgado pelo Plenário do STF, ainda não tenha sido publicado (discussão sobre a realização do interrogatório ao final da instrução em feitos em trâmite perante a Justiça Militar), calha destacar 3 decisões monocráticas prolatadas pelo Ministro Dias Toffoli, também relator do paradigma, tratando do tema.

Refiro-me aos RHCs 127.259, 126.848 e 131.932, todos patrocinados pela DPU, bem como o HC 127900.

Transcrevo trecho da decisão proferida no RHC 131.932, à guisa de exemplificação:

“Decido.

A controvérsia trazida aos autos tem como escopo a eventual aplicação do art. 400 do Código de Processo Penal (com redação dada pela Lei nº 11.719/08) aos processos penais militares em detrimento do art. 302 da Lei Processual Penal Militar.

O Plenário do Supremo Tribunal, em 3/3/16, ao julgar o HC nº 127.900/AM, de minha relatoria, fixou orientação no sentido de que a realização do interrogatório ao final da instrução criminal, prevista no art. 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 11.719/08, também se aplica às ações penais em trâmite na Justiça Militar.

Ainda por ocasião daquele julgamento, a Corte deliberou em atenção ao princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI), que essa orientação somente se aplica, a partir da publicação da ata de julgamento do HC nº 127.900/AM, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo, somente, naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.

Essa é exatamente a situação retratada nos autos, visto que, nos autos da Ação Penal Militar nº 4-39.2015.7.06.0006/BA à qual respondem os recorrentes perante a Auditoria da 6ª CJM, a instrução processual não tinha se encerrado até o momento em que deferi liminar neste recurso ordinário para suspender o andamento daquele feito na origem.

Logo, considerando os termos em que decido o HC nº 127.900/AM pelo Plenário, entendo que os recorrentes devem ser submetidos a um novo interrogatório na forma preconizada pelo art. 400 do Código de Processo Penal.

Diante desse quadro, considerando que o tema em discussão agora é objeto de jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 192, caput, c/c o art. 312, caput, ambos do Regimento Interno da Corte, dou provimento ao recurso para conceder a ordem de habeas corpus, determinando a submissão dos recorrentes a um novo interrogatório ao final da instrução (CPP, art. 400).”

 

Brasília, 25 de abril de 2016

Descaminho e autuações fiscais

Descaminho e autuações fiscais

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Muito tem sido discutido, nos últimos tempos, por leigos e pessoas com formação jurídica, sobre rigor, impunidade, prisões.

Digo, com tranquilidade, que o rigor com os assistidos da Defensoria Pública continua o mesmo, talvez até maior em tempos recentes.

No HC 133.736, impetrado perante o STF, o Ministro Gilmar Mendes, relator, denegou a ordem por existirem contra o paciente autuações fiscais. Calha transcrever trecho da decisão monocrática (o texto integral está disponível no sítio eletrônico da Corte):

 

“In casu, consta dos autos que o paciente possui outros registros de autuações fiscais pela prática de descaminho.

Assim, embora não ocorra reincidência propriamente, há notícia da prática reiterada do crime de descaminho.

No ponto, registro que, na Turma, tenho-me posicionado, juntamente com Sua Excelência o Ministro Celso de Mello, no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da bagatela em casos a envolver reincidentes. Nesse sentido, cito o HC 112.400/RS, de minha relatoria, DJe 8.8.2012 e o HC 116.218/MG, Relator Originário Min. Gilmar Mendes, Redator p/ o acórdão Min. Teori Zawascki. É que, para aplicação do princípio em comento, somente aspectos de ordem objetiva do fato devem ser analisados. E não poderia ser diferente. É que, levando em conta que o princípio da insignificância atua como verdadeira causa de exclusão da própria tipicidade, equivocado é afastar-lhe a incidência tão somente pelo fato de o paciente possuir antecedentes criminais. Partindo-se do raciocínio de que crime é fato típico e antijurídico ou, para outros, fato típico, antijurídico e culpável, é certo que, uma vez excluído o fato típico, não há sequer que se falar em crime.

É por isso que reputo mais coerente a linha de entendimento segundo a qual, para incidência do princípio da bagatela, devem ser analisadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em si, e não os atributos inerentes ao agente, sob pena de, ao proceder-se à análise subjetiva, dar-se prioridade ao contestado e ultrapassado direito penal do autor em detrimento do direito penal do fato.

No entanto, as turmas do STF já se posicionaram no sentido de afastar a aplicação do princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade delitiva comprovada: HC 97.007/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 31.3.2011; HC 101.998/MG Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 22.3.2011; HC 102.088/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 21.5.2010 e HC 112.597/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 10.12.2012.

Ademais, após as considerações trazidas pelo Ministro Teori Zavascki em voto-vista no RHC n. 115.226/MG, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, ressalvo a minha posição pessoal, mas, em homenagem ao princípio do colegiado, adoto a orientação no sentido de afastar o princípio da insignificância quando os autos sinalizam a reiteração delitiva.”

 

Como se observa, foi afastada a aplicação do princípio da insignificância porque “os autos sinalizam a reiteração delitiva”. Entretanto, não se indicou a existência de inquéritos ou mesmo ações penais em curso. Foi invocada a existência de meros registros de autuações fiscais, conforme expressamente reconhecido na r. decisão agravada. Autuações fiscais sequer são procedimentos de natureza penal, sendo incabível sua utilização para a vedação da aplicação do delito bagatelar.

Ademais, os eventuais valores referentes às respectivas autuações fiscais não constam dos autos do habeas corpus em questão, de modo a se aferir se, em sua soma, tais quantias atingiriam montante superior ao estipulado como limite mínimo para a execução fiscal pela Fazenda Pública, só assim se justificando a instauração de procedimento penal em desfavor do paciente (irrelevante fiscal, mas relevante penal parece ser contraditório).

Ainda, a suposta reiteração do descaminho em valores diminutos indica a pequena capacidade de comércio que não deve receber o mesmo tratamento dado ao delito de grande vulto.

A ponderação acima não é de difícil constatação. Imagine-se que uma única conduta no valor de R$ 19.999,00 (dezenove mil, novecentos e noventa e nove reais) poderia permitir que o acusado fosse absolvido, ante a aplicação do princípio da insignificância. Já o sacoleiro que por seis vezes tenha trazido ao país mercadoria estrangeira sem recolher tributos, no montante de R$ 500,00 (quinhentos reais) em cada jornada, não contaria com a aplicação do princípio, mesmo tendo cometido supostos delitos cujas somas alcançam R$ 3.000,00 (três mil reais). O prejuízo sofrido pela Fazenda Pública no primeiro caso, a despeito de não ter havido reiteração, poderia ser considerado mais grave que o gerado no segundo. Quanto a tal aspecto, ressalta-se que, embora o descaminho seja considerado um crime formal, o valor alegadamente elidido dos cofres públicos tem servido de base para a aplicação da insignificância, pelo que não pode ser ignorado como se não permitisse a verificação da existência da tipicidade material.

Nesse sentido, penso que a análise referente à aplicação do princípio da insignificância deve ser feita no caso concreto, no intuito de se constatar a verdadeira ofensa incapaz de atingir o bem jurídico protegido. Aliás, foi exatamente esse o entendimento prevalecente no julgamento dos três habeas corpus apreciados em conjunto pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, versando sobre o delito de bagatela. Naquela oportunidade, decidiu-se que nem mesmo a reincidência seria capaz de vedar, de forma apriorística, a aplicação da insignificância, o que se dirá a mera autuação fiscal. Calha transcrever a ementa de um dos julgados:

“Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente.” (HC 123108, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016) grifo nosso

No entanto, o precedente acima tem sido afastado, vedando-se a aplicação do princípio da insignificância pelos mais diversos motivos, como pode ser verificado na decisão comentada.

Por isso, insisto que o maior rigor não advém de famoso Juízo Federal, colorações partidárias deixadas de lado. Ele encontra cada vez mais amparo na Suprema Corte (destaco, aliás, que o Ministro Gilmar Mendes é um dos que tem entendimentos mais favorável às teses da Defensoria Pública em matéria penal, apesar da decisão).

Certo é que, se por um lado, há uma luta contra a impunidade nos crimes cometidos por grupos organizados e nos de colarinho branco, é preciso sejam repensadas algumas condenações e punições impostas em condutas ínfimas praticadas sem violência ou ameaça.

No caso do HC 133.736, o valor dos tributos não recolhidos foi de R$ 2.685,00. “Sacoleiros” que trazem pequenas quantidades de objetos cuja importação é permitida – caso contrário seria contrabando – devem ser vistos com cuidado. O país passa por fase de crise econômica e desemprego, segundo dados fornecidos pelo IBGE. Condenar criminalmente pessoas que se arriscam em nossas estradas violentas e esburacas não parece, nem de longe, ser combate à impunidade, mas tão somente medida contra o elo mais frágil e já tão sofrido, pelas razões de todos conhecidas.

A decisão, como não poderia deixar de ser, foi agravada.

Brasília, 18 de abril de 2016

Direito e assuntos diversos.