Escrevi o texto abaixo há nove anos. Entretanto, ele me parece bastante atual, vez que mesmo em momentos favoráveis da economia, o que vi foi um incentivo ao consumo em detrimento da produção e da melhoria da infraestrutura do país. Também me parece que a educação e a formação de valores foram menos estimuladas do que deveriam pela população em geral e pelos governantes.
Em tempo, costumo sempre repetir que cobro mais de quem teve mais oportunidade, mais chance, maior formação. Minha indignação é sempre maior com quem, querendo enriquecer facilmente, toma o caminho errado, mesmo tendo opções diferentes e sabendo as consequências de seus atos. De qualquer modo, a contribuição final deve ser de todos.
Brasília, 14 de julho de 2015
Gustavo
Do Consumo e da Criminalidade
Gustavo de Almeida Ribeiro
Há poucos dias resolvi comprar um cartão de memória maior para a minha máquina fotográfica digital. Adquiri a referida faz dois anos, época em que era das melhores disponíveis para amadores, de uma marca das mais conceituadas.
Ao entrar na primeira loja, a vendedora, em tom de desprezo, disse que não tinha equipamento para aquela máquina “velha”. Espantado, saí do estabelecimento e entrei no próximo. O vendedor, dessa vez, era mais gentil, mas também disse, na linha do entendimento sobre durabilidade da colega anterior, que ainda tinha acessório para aquela máquina “antiga”. Cada vez mais espantado, retorqui que tinha comprado a câmera fazia dois anos apenas, sendo um equipamento caro, à época. Ele falou que as coisas evoluíam muito rapidamente – coisa por mim já sabida – e que hoje era comum as pessoas trocarem seus celulares e outros eletrônicos em questão de meses.
Aquilo me incomodou profundamente, não pela fala do vendedor. Se fosse essa a causa do mal estar, estaria tudo bem, mas pela veracidade de suas palavras.
Adianto, para que se evitem conclusões precipitadas, que não sou comunista, socialista, ou coisa que o valha. Também não reluto contra as inovações da tecnologia, ao contrário, adoro computadores, laptops, fotos digitais e toda essa parafernália tecnológica, procurando ter equipamentos novos e atualizados. Mas não pude deixar de ficar espantado com a excessiva fungibilidade das coisas e sua, ao menos ao meu sentir, inevitável conseqüência.
Sei que os avanços, atualmente, mesmo no Brasil, são muito velozes. Um computador ou um celular de ponta em um dia passam a ser intermediários três meses depois da aquisição. A minha conclusão, no entanto, foi o que me deixou preocupado. A situação econômica do brasileiro está pronta para todo esse consumismo? É evidente que não.
Somos um país com péssima distribuição de renda, isso é conhecido por qualquer pessoa que ligue a televisão e seja capaz de compreender minimamente o mais promíscuo jornal televisivo. Mas, além disso, temos uma classe média depauperada, achatada pelos planos econômicos, pelo abismo cada vez maior entre os estamentos superior e inferior da pirâmide sócio-econômica.
A evolução tecnológica voraz, que, em países como o Japão, Estados Unidos e aqueles situados na Europa Ocidental, é perfeitamente acompanhada e garantida pela remuneração adequada de boa camada da população, cria, em um país de renda baixa e de baixa escolaridade como o Brasil, necessidades que não podem ser satisfeitas pelos consumidores ávidos de novidades.
Tenho trinta e um anos. Digo minha idade com o fito de esclarecer que saí da adolescência há treze anos, não faz tanto assim. Hoje, um jovem tem inúmeras necessidades a mais que no meu tempo, um sem-número de sorvedouros de dinheiro inexistentes uma década atrás. Sejamos mais francos, um bebê dos anos dois mil já começa sua vida assim. Quem nunca foi a uma festa de criança digna de cinema? Os pais ensinam aos filhos os caminhos do consumo e das exigências, para depois reclamarem quando eles os trilham sozinhos, mas com as mãos estendidas pedindo dinheiro.
Isso tudo seria retórica e mera questão pessoal e familiar de cada um, se ficasse nisso.
Vemos o crescimento da criminalidade no país. Não só entre as camadas mais baixas, mas entre membros da classe média, sejam jovens violentos, servidores públicos corruptos ou profissionais liberais e empresários desonestos. Claro está que nenhum tipo de crime tem origem única, conclusão que seria simplista e falsa, mas o desespero consumista, a meu ver, ajuda a aumentar a avidez por dinheiro.
É preciso ter, comprar, exibir cada vez mais. Produtos com dois anos de fabricação são velhos, ultrapassados, não têm mais serventia. A questão é que custear isso foge da condição da maioria da população e quem não tem uma formação e caráter mais rígidos se perde em busca de um padrão de vida com o qual não pode arcar. É preciso um carro novo, um celular que fotografa, um computador ultra-moderno para serem exibidos aos amigos. Nessas novas urgências, muitos se perdem, em condutas criminosas catalisadas, é claro, pela expectativa de impunidade.
Não me pronuncio aqui contra a modernidade, repito, mas o consumo excessivo em um país de renda baixa e tênues padrões morais e éticos como o nosso é mais nefasto que em qualquer outro. Há alguns anos atrás, uma propaganda, que pecou por ser direta demais e dizer o que só pode ser mostrado de forma subentendida, foi retirada do ar por colocar crianças dizendo “eu tenho, você não tem”. A mensagem era incisiva e foi corretamente suspensa, até em decorrência da proteção constitucional ao destinatário, mas todas as propagandas nos dizem isso hoje, e o que é pior, quantas necessidades são criadas dia a dia, sem a correspondente condição financeira para o acompanhamento?
Certamente esse é um processo irreversível, agravado pela redução das distâncias entre os países; é uma conseqüência imediata da globalização, que, como quase tudo no mundo, tem aspectos positivos e outros negativos, não me oponho a ela. Deixo apenas registrada minha dúvida de como lidar com a modernidade e as inovações consumistas, sabendo que isso não fará nossa realidade sócio-econômica mudar e que o desespero dos compulsivos e fracos de caráter se voltará, cada vez mais, contra nós.
Vitória, 22 de julho de 2006