Arquivo da tag: Execução penal

Retroatividade da lei benéfica e execução penal

Retroatividade da lei benéfica e execução penal

Aplicar leis distintas (ou redações distintas) na execução penal de uma pessoa referentes a crimes distintos (fatos distintos) constitui combinação de leis? É essa a questão trazida abaixo.

A situação discutida no RHC 212197/STF, provido pelo Ministro Dias Toffoli, pode ser resumida assim:

Quando uma pessoa estiver sofrendo execução de sua pena por diversos crimes, eles podem ser disciplinados por diferentes redações da Lei de Execução Penal, sem que isso signifique a criação de uma terceira lei que combine dispositivos de textos normativos diferentes.

No caso mencionado, o assistido da Defensoria Pública tinha executadas contra si duas penas: uma por tráfico, crime hediondo, outra por crime comum. Ele era reincidente, mas não reincidente em crime hediondo.

Assim, decidiu o STF que, para o tráfico, a fração correta é a de 40%, nos termos da nova Lei 13.964/19, mais benéfica que a anterior (que estabelecia 3/5 ou60%); para o crime comum, a fração correta é a de 1/6, já que a Lei 13.964/19 foi mais severa no caso (passou a fração do reincidente em crime comum sem violência para 20%).

Em suma, aplicar leis distintas na execução penal da mesma pessoa, quando voltadas a penas decorrentes de crimes diferentes (ou seja, fatos diferentes), não significa a criação da chamada Lex Tertia, uma vez que cada fato terá sua pena executada de acordo com a lei mais benéfica, sem todavia, haver combinação entre elas.

Brasília, 16 de março de 2022

Falta grave, regressão de regime e oitiva do apenado

Falta grave, regressão de regime e oitiva do apenado

 

Caso bem interessante sobre execução penal e sobre um agravo interno com final positivo.

No RHC 169094, julgado pelo STF, discutia-se a necessidade de oitiva do apenado em audiência de justificação para a regressão de regime, em caso de falta grave, mesmo tendo havido processo administrativo disciplinar.

O Ministro Gilmar Mendes negou provimento ao recurso, sob o fundamento de que:

“Conforme os autos, o recorrente “teve sua regressão definitiva ao regime fechado – fixando-se nova data-base e declarando-se a perda de1/3 dos dias remidos – determinada após constatação de suposta falta grave, sem que, no entanto, fosse realizada audiência de justificação, conforme prevê o artigo 118, § 2º, da Lei de Execução Penal, que postula a necessidade de oitiva prévia do apenado em caso de falta grave.” (eDOC 2, p. 57)

O STJ, ao apreciar o habeas corpus, asseverou que, no caso dos autos, houve a instauração e homologação do devido procedimento administrativo disciplinar, com a oitiva do recorrente, que foi devidamente acompanhado de defensor constituído, o qual apresentou defesa técnica. (eDOC 2, p. 48)”

Em seguida, invocou, na mesma decisão, o RHC 116.190, julgado pela 2ª Turma do STF, sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia.

Todavia, tanto o julgado invocado pelo Ministro Gilmar Mendes, quanto aqueles utilizados pelo STJ para denegar o pedido da Defensoria, em verdade, davam suporte ao pedido da defesa, ao afirmarem que para regredir o regime é essencial a oitiva do apenado em juízo. Apresento abaixo trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia no RHC 116.190:

“Nos termos do parecer da Procuradoria-Geral da República, “ao limitar-se a homologar os termos do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), ou seja, ao decidir acerca da falta grave sem antes promover a oitiva do apenado (art. 118, §2º, LEP) e oportunizar a manifestação do Ministério Público (art. 67, LEP), o Juízo da Vara de Execuções Criminais não só desrespeitou a função fiscalizatória do órgão ministerial, como também obstou o amplo conhecimento do incidente”. (grifo nosso)

  1. Pelo exposto, encaminho a votação no sentido de negar provimento ao recurso, mas conceder a ordem de ofício para cassar a decisão do juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente/SP que reconheceu a falta grave e “determinar que outra seja proferida após a oitiva do apenado em juízo e a manifestação das partes – Defesa e Ministério Público”” (negritado no original)

Em meu agravo, que transcreverei ao final, apontei a contradição entre os precedentes invocados e as conclusões do STJ e do Ministro relator no STF, já que a regressão de regime pela falta grave exige, segundo o entendimento consolidado do STJ e adotado também pelo STF, a oitiva do preso.

O Ministro Gilmar Mendes reconsiderou a decisão, nos termos apontados a seguir:

“No presente, o agravante sustenta que, ouvido em processo administrativo disciplinar, o apenado deve ser ouvido também em Juízo, se houver regressão de regime, o que não teria ocorrido.

Traz, ainda, precedente da Segunda Turma desta Corte, que dá conta de que a oitiva em Juízo, no caso de regressão de regime pela ocorrência de falta grave, é indispensável: RHC 116.190, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 10.6.2013.

No caso do agravante, conquanto o Juízo das Execuções não tenha realizado a mera homologação do resultado do processo administrativo disciplinar, pois, antes, ouviu a Defensoria e o Ministério Público, conforme se observa das petições constantes do eDOC 1, p. 27-34, tenho que interrogatório é indispensável.

A mera manifestação da defesa, no caso de regressão de regime, não supre a outiva pessoal do apenado, motivo por que deve a decisão ser cassada.”

Segue, abaixo, o agravo interno.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 23 de agosto de 2019

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

 

O Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Blumenau homologou o procedimento administrativo disciplinar instaurado em face do paciente, determinando a sua regressão ao regime fechado, fixando nova data-base e declarando a perda de 1/3 dos dias remidos, pela prática de falta grave consistente em fuga (artigo 50, II, da LEP), por ter deixado de retornar de saída temporária.

Inconformada, a Defensoria Pública impetrou ordem de habeas corpus em favor do paciente, arguindo a inexistência de audiência de justificação para o reconhecimento da falta grave.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por sua Primeira Câmara Criminal, não conheceu da ordem sob o fundamento de que a discussão deveria ser desafiada por meio de agravo em execução.

Irresignada com o acórdão, a Defensoria Pública se insurgiu devolvendo a discussão da matéria ao Superior Tribunal de Justiça através de habeas corpus, que restou não conhecido monocraticamente. Em sede de agravo interno, a decisão singular foi mantida, negando-se provimento ao recurso.

Em seguida, a defesa interpôs recurso ordinário em habeas corpus, desprovido monocraticamente. No entanto, tal decisão não merece prosperar, como será demonstrado a seguir.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

 

O presente agravo volta-se contra r. decisão monocrática que negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus em que se pede a concessão da ordem a fim de que seja reconhecida a ilegalidade e determinada a realização de audiência de justificação, uma vez que fora aplicada a pena de regressão de regime em caráter definitivo ao final de procedimento administrativo voltado à apuração de falta grave, sem que antes houvesse a audiência de justificação, sendo esta imprescindível.

No caso em tela, está-se diante flagrante ilegalidade: o Juízo de origem homologou a falta grave, aplicando ao paciente as sanções de regressão de regime, fixação de nova data-base e perda de 1/3 dos dias remidos, sem que antes houvesse audiência de justificação, nos termos do disposto no artigo 118, §2º, da LEP.

E isso porque, sendo aplicada pena de regressão de regime ao final de procedimento administrativo voltado à apuração de falta grave, a audiência de justificação é imprescindível, ainda que a ampla defesa e o contraditório tenham sido minimamente respeitados no curso do processo administrativo.

Ao contrário do que se afirmou, tanto no acórdão que negou provimento ao agravo regimental no STJ, quanto na decisão monocrática que desproveu o recurso em habeas corpus, há entendimento pacífico do STJ, que se amolda ao caso em tela, no sentido de que a audiência de justificação prevista no § 2º do artigo 118 da LEP é indispensável quando ocorrer a regressão de regime em caráter definitivo.

A homologação de falta grave apurada em procedimento administrativo disciplinar que resultar em regressão de regime, conforme jurisprudência citada, inclusive para fundamentar o não provimento do agravo regimental na Corte Superior, exige audiência prévia de justificação.

Embora já esteja acostada aos autos eletrônicos, o agravante anexa, ao presente, a decisão de primeiro grau, para que fique fácil sua análise e a constatação de que a jurisprudência invocada vai ao encontro do quanto pleiteado pela defesa.

Transcrevem-se dois dos julgados extraídos do voto do Ministro Relator Joel Ilan Paciornik, condutor do agravo regimental no HC 457600:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. FALTA GRAVE.

CONSECTÁRIOS LEGAIS. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE AO ACUSADO QUE SE ENCONTRA EM REGIME FECHADO. PRECEDENTES.

I – Imprescindível a oitiva prévia do apenado em juízo para a decretação da perda dos dias remidos na hipótese em que, ao final de procedimento apuratório disciplinar, constata-se que houve a prática de falta grave, e o condenado foi previamente ouvido e esteve acompanhado de advogado no âmbito do processo administrativo.

II – O artigo 118 da LEP exige a oitiva prévia apenas nos casos de regressão definitiva de regime prisional, o que não é a hipótese dos autos.

III – Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AgRg no REsp 1704696/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 21/02/2018) grifo nosso

“EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

FALTA GRAVE. APURAÇÃO EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

OBSERVÂNCIA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE REGRESSÃO DE REGIME. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 282/STF E 356/STF.

  1. Apurada a falta grave em procedimento administrativo disciplinar no qual foram assegurados a ampla defesa e o contraditório, e cuja homologação não resultou em regressão de regime, como na espécie, desnecessária a realização de audiência de justificação judicial para nova oitiva do apenado. Precedentes.
  2. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é defeso, em âmbito de agravo regimental, ampliar a quaestio veiculada nas razões do recurso especial.
  3. Ademais, a questão da nulidade do procedimento administrativo disciplinar não foi objeto de debate pelo Tribunal de origem, sendo que nem sequer foram opostos embargos de declaração para esse fim.

Incidência, portanto, das Súmulas n. 356 e 282/STF. 4. Agravo regimental desprovido.”

(AgRg no AREsp 843.327/RO, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 28/11/2017) grifo nosso

Tais precedentes poderiam, e deveriam ser usados para prover o recurso e não para desprovê-lo. Os julgados acima deixam claro que a audiência é desnecessária não ocorrendo a regressão de regime.

Logo, havendo regressão de regime resultante de PAD, há ilegalidade caso a audiência de justificação não seja realizada. Afinal, o artigo 118 da LEP exige a oitiva prévia do condenado nos casos de regressão definitiva de regime prisional, que é a hipótese dos autos (decisão em anexo).

Confira-se ementa publicada pela mesma Quinta Turma do STJ, apenas um mês após a publicação do acórdão do caso em tela:

“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.

INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. FALTA GRAVE. APURAÇÃO MEDIANTE REGULAR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE OITIVA JUDICIAL DO SENTENCIADO. REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. VIOLAÇÃO AO ART. 118, § 2º DA LEP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

  1. O Superior Tribunal de Justiça, secundando orientação do Supremo Tribunal Federal, não mais admite a utilização do habeas corpus como substituto do recurso próprio. Verificada, entretanto, ilegalidade flagrante, caso em que a ordem pode ser concedida de ofício, como forma de cessar o constrangimento ilegal.
  2. Este Tribunal possui orientação no sentido ser ”desnecessária a realização de audiência de justificação para homologação de falta grave, se ocorreu a apuração da falta disciplinar em regular procedimento administrativo, no qual foi assegurado, ao reeducando, o contraditório e ampla defesa, inclusive com a participação da defesa técnica” (HC 333.233/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 6/11/2015).
  3. No entanto, quando o reconhecimento da falta grave acarreta a regressão definitiva do regime prisional, o § 2º do art. 118 da LEP exige a oitiva prévia do apenado pelo Juízo das execuções, o que não ocorreu na hipótese dos autos, configurando, assim, o apontado constrangimento ilegal. Precedentes.
  4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar afastar o reconhecimento da falta grave, determinando-se a realização de audiência de justificação (art. 118, § 2º da LEP).”

(HC 478.649/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 15/03/2019) grifo nosso

O entendimento pacífico e atual da Corte Superior está ao lado do paciente, pelo que a decisão tomada naquele Tribunal parece ter incorrido em confusão.

A decisão ora agravada repetiu, com a devida vênia, o equívoco cometido pelo STJ quanto à situação experimentada no presente caso. Calha transcrever o precedente invocado, em sede de decisão monocrática, pelo Eminente Ministro Relator:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. 1. OITIVA DO RECORRENTE E ASSISTÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA A APURAÇÃO DA FALTA GRAVE. 2. FALTA GRAVE. REINÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PARA O BENEFÍCIO DA PROGRESSÃO DE REGIME. 3. RECONHECIMENTO DA FALTA GRAVE SEM OITIVA DO RECORRENTE E DA ACUSAÇÃO EM JUÍZO. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Não há falar em nulidade da fase administrativa do procedimento para apuração da falta grave atribuída ao Recorrente; evidência de sua oitiva no momento apropriado e da assistência da defesa técnica. 2. O Supremo Tribunal Federal assentou que o cometimento de falta grave impõe o reinício da contagem do prazo exigido para a obtenção do benefício da progressão de regime de cumprimento da pena. Precedentes. 3. Recurso ao qual se nega provimento. 4. Ordem concedida de ofício para cassar a decisão judicial do juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente/SP que reconheceu a falta grave e “determinar que outra seja proferida após a oitiva do apenado em juízo e a manifestação das partes – Defesa e Ministério Público”. (RHC 116190, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 07/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 07-06-2013 PUBLIC 10-06-2013) grifo nosso

Extrai-se do voto condutor da Eminente Ministra Cármen Lúcia no RHC 116190:

“Nos termos do parecer da Procuradoria-Geral da República, “ao limitar-se a homologar os termos do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), ou seja, ao decidir acerca da falta grave sem antes promover a oitiva do apenado (art. 118, §2º, LEP) e oportunizar a manifestação do Ministério Público (art. 67, LEP), o Juízo da Vara de Execuções Criminais não só desrespeitou a função fiscalizatória do órgão ministerial, como também obstou o amplo conhecimento do incidente”. (grifo nosso)

  1. Pelo exposto, encaminho a votação no sentido de negar provimento ao recurso, mas conceder a ordem de ofício para cassar a decisão do juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente/SP que reconheceu a falta grave e “determinar que outra seja proferida após a oitiva do apenado em juízo e a manifestação das partes – Defesa e Ministério Público”” (negritado no original)

Em suma, a decisão invocada casa-se com o pleito do agravante: para haver regressão de regime, essencial a oitiva do apenado em Juízo.

Deve, portanto, ser exercido o juízo de reconsideração ou provido o agravo para, ao final, dar-se provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, anulando-se a decisão tomada em desfavor do recorrente, pelo Juízo da Execução Penal, determinando-se a realização da oitiva do agravante em obediência ao disposto no artigo 118, §2º da LEP.

Reclamação 26.111 – STF – a questão penitenciária

Reclamação 26.111 – STF – a questão penitenciária

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal julgou, na sessão de 23 de maio de 2017, o agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento à Reclamação 26.111, ajuizada pela Defensoria Pública da União, em que se discutia a condição do sistema prisional do Amazonas, principalmente após os massacres ocorridos em duas unidades de recolhimentos de presos no Estado no início do ano.

Foi negado provimento ao recurso, todavia, como se extrai do andamento eletrônico: “A Turma, por votação unânime, negou provimento ao agravo regimental. Todavia, por não desconhecer a gravíssima e notória situação reportada nos autos sobre o sistema penitenciário do Estado do Amazonas, determinou a remessa de cópia dos autos ao Conselho Nacional de Justiça para que se adotem as providências que julgar pertinentes, nos termos do voto do Relator.”

As mortes em Manaus ocorreram no COMPAJ (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) e na Cadeia Pública Vidal Pessoa. Como esta foi novamente fechada (o que já tinha ocorrido antes das mortes por determinação do Conselho Nacional de Justiça), indicarei abaixo alguns números referentes ao primeiro estabelecimento, para reflexão.

Não sou daqueles que atribuem todas as causas de um problema sério e grave, como é o caso da execução penal no Brasil, a uma só origem. Penso ser muito fácil dizer que a superlotação é a causadora de todos os males, todavia, é impossível ignorar sua grande participação nas mortes, nas condutas violentas em geral, na incapacidade de o Estado manter condições mínimas de salubridade.

Não pretendo também entrar na discussão, sempre acalorada, referente aos direitos dos presos. Repito o que já disse inúmeras vezes de forma breve: mesmo para quem não tem qualquer preocupação com aqueles que estão lá, dentre os quais não me incluo, lembro que um dia eles sairão.

Por isso, o trabalho da DPU, levando o tema à apreciação do STF, mobilizando a Corte e até mesmo a imprensa, tem a importância de se voltar a atenção para aspecto que precisa ser melhor cuidado pela administração pública brasileira. Além da petição inicial, ocorreram duas reuniões com Ministros do STF, tratando da reclamação, interposição de agravo interno, juntada de documentos e sustentação oral na sessão. É papel da Defensoria Pública destacar assuntos que seriam logo esquecidos, se não fosse nossa presença, ainda mais considerando-se o momento turbulento pelo qual passa o país.

Além disso, como já mencionado acima, a remessa dos autos ao CNJ já indica que o STF, apesar de ter negado a reclamação, reconheceu a gravidade da situação, bem como o trabalho desempenhado pela Instituição.

Para encerrar, alguns dos números apresentados pela DPU ao Tribunal:

COMPAJ 

Regime fechado masculino: 450 vagas, ocupação: 1.147 presos (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, documento de 13/01/2016)
Regime fechado masculino: 454 vagas, ocupação: 1.045 presos

Regime semiaberto masculino: vagas 138, ocupação: 571 presos (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – SEAP, documento de 17/01/2017)

Regime fechado masculino:  454 vagas, ocupação 1.022 presos

Regime semiaberto masculino: vagas 138, ocupação: 645 presos (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – SEAP, documento de 02/02/2017)

 Em suma, mantém-se a média de pouco mais de 2 presos para cada vaga em regime fechado. Ao mesmo tempo, há mais de 4 presos para cada vaga no regime semiaberto.

Brasília, 28 de maio de 2017

 

Sobre as minhas cobranças

Sobre as minhas cobranças

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Às vezes, eu me manifesto de forma mais incisiva ao comparar as decisões e a rapidez do Supremo Tribunal Federal nos processos envolvendo pessoas famosas ou abastadas com as que encontro em ações patrocinadas pela Defensoria Pública.

Inicialmente, por uma questão de justiça, reconheço que o STF, notadamente sua Segunda Turma, respeita e acata muitas das teses levadas pela Defensoria Pública da União à sua apreciação e, por vezes, é célere em nossas causas.

Todavia, não posso deixar de observar que certos rigores e demoras ainda são distintos, a depender da situação.

Lamento minha dificuldade em trazer números, em decorrência da quantidade de trabalho que tenho com estrutura de gabinete diminuta, entretanto, minha vivência de anos atuando perante a Corte mostra algumas distinções que me incomodam. Por outro lado, considero minha postura razoável, uma vez que sou conhecedor do assoberbamento do STF, pelo que acho compreensível certa demora, bem como a eleição de prioridades.

Importa dizer que a celeridade buscada pela Defensoria Pública em certos processos, além dos casos concretos neles veiculados, traz a preocupação com o efeito multiplicador que uma decisão pode gerar para inúmeros cidadãos. A Defensoria, incontáveis vezes, ao se dirigir à Tribuna do STF, ao apresentar memoriais, ao despachar com os Ministros pedindo preferência, está preocupada com o feito em exame, claro, mas também com centenas, milhares de outras pessoas em igual condição, submetidas a situações que a Instituição considera injusta, ilegal ou desproporcional.

Essas urgências estão presentes nas mais diversas áreas e temas, como saúde e previdência, por exemplo, mas hoje terei como foco o direito penal, mais especificamente a execução penal.

Há um tema extremamente caro à Defensoria Pública e aos cidadãos por ela atendidos em todo o país, cujo entendimento, até hoje adotado pelo STF e pelo STJ, causa grande prejuízo aos condenados.

É despiciendo narrar as agruras por que passam as pessoas encarceradas no Brasil, pelo que interpretações ainda mais rigorosas que o estrito texto legal só agravam a situação.

Explica-se. Entendem o STF e o STJ que o trânsito em julgado de uma condenação penal interrompe o lapso em curso para a obtenção de benefícios na execução penal, fazendo com que ele seja reiniciado.

Um exemplo ilustra bem a questão:

Fulano responde a duas acusações por tráfico de drogas, I e II. O processo I transita em julgado, sendo ele condenado a 5 anos em regime fechado. Ele começa a cumprir sua pena, com comportamento adequado. Após ele cumprir 1 ano de pena, o processo II transita em julgado, restando fulano condenado a mais 5 anos, também em regime fechado.

Pena total: 10 anos, em regime fechado, 2 crimes equiparados a hediondo, progressão de regime em 2/5.

O que prevalece no STJ/STF: quando o processo II transita em julgado, fica interrompido o marco temporal para a progressão de regime. Assim, no exemplo acima, o condenado teria que cumprir a partir da data do trânsito em julgado, 2/5 de todo o restante da pena, ou seja, 3 anos, 7 meses e 6 dias.

O que deseja a Defensoria: quando o processo II transita em julgado, somam-se as penas sem que ocorra a interrupção do lapso temporal. Assim, ficariam faltando 3 anos para a progressão de regime (2/5 de 10 anos resultantes da soma, total de 4 anos para a progressão, 1 já cumprido desde a prisão, débito: 3 anos).

Ou seja, na interpretação atual do STF/STJ, há um incremento de 7 meses no lapso para a progressão.

Essa interrupção no período aquisitivo, calha dizer, não está prevista em lei, tanto que inúmeros Tribunais de Justiça pelo Brasil adotavam a tese buscada pela Defensoria. A mudança veio justamente em razão da orientação emanada das Cortes Superior e Suprema.

Em suma, Fulano, preso há 1 ano, cumprindo adequadamente sua pena, vê o prazo para progressão aumentar não somente pela soma da nova condenação (unificação – o que seria normal), mas também por uma interrupção não prevista em lei, sendo que não há que se falar em falta grave no período, mas tão somente na demora no trânsito em julgado de um dos processos.

Some-se a essa sensação de injustiça a condição dos presídios brasileiros. Está posta a relevância da questão.

Pois bem. Há vários habeas corpus da DPU discutindo o tema. Acompanho 2 deles de perto, buscando a mudança na jurisprudência do STF: RHC 133038, relator Ministro Dias Toffoli, e HC 137579, relator Ministro Celso de Mello.

O Ministro Dias Toffoli negou provimento ao RHC 133038 de forma monocrática, DJe de 02/03/2016. Recorri e, ao notar que o feito seria levado em mesa, pedi para que ele fosse retirado e provido o agravo interno para que eu pudesse proferir sustentação oral, explicando a importância do tema junto ao gabinete. Meu pedido de retirada foi atendido em 31/03/2016, não havendo andamento posterior. Já em 2017, apresentei memoriais aos Ministro Relator. Todavia, até a presente data, o processo não teve qualquer movimentação, o que me fez apresentar nova petição em 06/05/2017.

Reitero, o tema é muito importante para milhares de condenados no país, pelo que uma resposta da Corte é essencial.

Os processos da Defensoria, como regra, não têm partes famosas, ricas, poderosas, mas dizem respeito a uma parcela grande da população, notadamente aquela em condição de maior vulnerabilidade, advindo daí a urgência.

Informarei aqui os próximos capítulos.

Brasília, 7 de maio de 2017

 

 

 

Execução provisória da pena – participação da DPU

Execução provisória da pena – participação da DPU

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Já comentei isso aqui algumas vezes, mas cabe a repetição. Não são só os grandes escritórios que podem desempenhar uma atuação concatenada.

Sabendo da importância do resultado das ADCs 43 e 44, que tratam da execução da pena após a condenação em segundo grau e da constitucionalidade do artigo 283 do CPP, a serem julgadas pelo STF, traçamos uma linha de ação para a participação destacada da DPU e para a obtenção de resultados profícuos.

Após feito o pedido de intervenção como amicus curiae nos dois processos, começamos a estudar o que acrescentar que fosse além do já invocado pelos advogados e trouxesse algo de próximo à Defensoria.

O julgamento da cautelar estava marcado para o dia 1º de setembro de 2016, no Plenário do STF.

De um lado, um colega começou a fazer o levantamento de casos em que houve alteração da decisão tomada pela segunda instância em processos patrocinados pela DPU, indicativos da insegurança em se tomar como definitivo o que poderia ainda sofrer impugnação perante as altas Cortes em Brasília.

Em outro caminho, debatemos ideias que podem ser utilizadas como subsidiárias, caso o pleito principal não prevaleça. Fizemos uma reunião, dia 25 de agosto, para trocarmos sugestões sobre o assunto em questão. Além da tese subsidiária apresentada pelo Partido Político autor de uma das ADCs (PEN), para que se esperasse o trânsito em julgado ao menos no STJ; pensamos em duas outras: não se executar a pena após o segundo grau em caso de decisão contrária ao entendimento consolidado do STJ ou do STF; aguardar-se o trânsito em julgado no caso de penas iguais ou inferiores a 4 anos – por causa do regime aberto e da substituição da privativa, mesmo que negados estes por alguma razão.

No dia 26 de agosto, nós nos reunimos com uma Defensora do Rio de Janeiro e um Defensor de São Paulo para mais uma troca de sugestões e, principalmente, dividirmos as falas de cada um para que o escasso tempo fosse o mais proveitoso possível. Naquele momento, não sabíamos se o STF dobraria o tempo de sustentação (o que, de fato, não ocorreu). Os Defensores Estaduais apresentaram como sugestão subsidiária a prisão apenas no caso de crimes contra a administração pública não havendo ressarcimento do dano (com base no artigo 33, §4º do CP), além exibirem números oriundos das Justiças dos respectivos Estados.

Com esses dados e propostas, a peça contendo nossa manifestação no mérito foi elaborada, e também estabelecido contato com os advogados dos demais amici, para a adequada divisão do tempo e da fala que caberia a cada um.

A sustentação oral na sessão foi feita pelo Gustavo Zortéa. Votou apenas o relator, Ministro Marco Aurélio, manifestando-se favoravelmente à constitucionalidade do artigo 283 do CPP e mantendo, portanto, seu entendimento contrário ao firmado no HC 126.292.

Talvez sejam tomadas ainda outras medidas, como contatos com entidades, por exemplo. De qualquer modo, foi um trabalho digno de registro, não por vaidade pessoal, mas para mostrar que a Defensoria pode, sim, fazer um trabalho diferenciado.

Dia 8 de setembro o julgamento deve ser retomado.

Brasília, 5 de setembro de 2016

 

 

Regime prisional adequado (PSV 57 e RE 641.320)

Regime prisional adequado

(PSV 57 e RE 641.320)

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Importância da decisão quanto ao regime prisional

O Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente dois processos tratando da colocação de pessoas no regime prisional adequado.

Como participei ativamente, pela Defensoria Pública da União, das manifestações produzidas nos dois feitos, acho pertinente tecer alguns comentários, até em decorrência do que li sobre o tema.

Em primeiro lugar, por mais óbvio que possa parecer, o pedido formulado pela Defensoria, tanto na Proposta de Súmula Vinculante (PSV 57), quanto no RE 641.320, com repercussão geral reconhecida, era no sentido de que ninguém deve ser mantido em regime prisional para o cumprimento de pena mais gravoso do que o imposto na condenação, ou ter a progressão de regime obstaculizada pela falta de vagas.

O pleito principal era, portanto, bastante simples e direto, com o objetivo claro de que ninguém suporte condição mais severa em decorrência da inércia estatal em adequar os estabelecimentos prisionais à, infelizmente, crescente demanda.

Não havia pedido, calha esclarecer, de extinção do regime fechado, de progressão automática em qualquer situação, de concessão de prisão domiciliar de forma indistinta. O objetivo é bem mais simples: que a individualização da pena seja verdadeiramente implementada e cumprida, nos exatos termos do que dispõe a Constituição da República, ou seja, que a pessoa condenada desconte sua pena na forma adequada e, não havendo vaga para tanto, que não tenha sua situação piorada pelo descaso do Estado (mais um entre tantos, frise-se).

As explicações óbvias tecidas acima têm como objetivo refutar afirmações de excesso de liberalidade da Corte, ou de “agora ninguém mais fica preso”. O Estado cumprindo sua obrigação de manter estabelecimentos prisionais adequados, as decisões prolatadas no recurso extraordinário e na súmula vinculante tornam-se inaplicáveis.

A individualização da pena só existe na prática quando passa por todas as suas fases: a legislativa, com a fixação de limites diferentes para cada crime e parâmetros distintos dentro de cada conduta, a judicial com a fixação da pena, do regime e a análise da possibilidade de conversão e, por fim, a executória, com o efetivo cumprimento da reprimenda. Se não implementada efetivamente, a individualização torna-se letra morta para ser apenas um idealismo distante da realidade. O regime adequado é parte essencial da fixação da pena, na verdade, é uma de suas facetas mais sensíveis para o cidadão.

Por outro lado, também li alguns comentários no sentido de que as decisões foram menos diretas e assertivas do que deveriam. Sem discordar de tal entendimento, destaco que o avanço obtido, de qualquer maneira, foi muito relevante, um verdadeiro marco na busca pela dignidade das pessoas condenadas. Ainda que não tenha sido formulada a redação ideal na proposta de súmula, firmou-se entendimento pela vedação do regime mais gravoso, o que é bastante significativo.

Assim, penso que o STF acertou e promoveu avanço em favor do respeito aos direitos humanos, notadamente no que concerne à individualização da pena e à não colocação de pessoas em presídios abarrotados, destacadamente quando autoras de condutas menos graves. Critico quando necessário, mas acho que foram dados passos, mesmo que menos largos que o desejado, no sentido de que o encarcerado não deve perder sua dignidade.

Feitas tais considerações, comento agora a atuação da Defensoria Pública da União tanto no RE 641.320, quanto na PSV 57.

 

Atuação da DPU na PSV 57 e no RE 641.320

A Proposta de Súmula Vinculante 57 foi apresentada pela Defensoria Pública da União, em decorrência de provocação levada ao Defensor Público-Geral Federal pela ANADEF – Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais e pela Pastoral Carcerária, em fevereiro de 2011.

Sua apreciação teve início em março de 2015, oportunidade em que o Defensor Geral proferiu sustentação oral no Plenário do STF. O Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente, votou pelo acolhimento da proposta tal como apresentada pela DPU (de minha lavra, aliás). Em seguida, o Ministro Roberto Barroso, após fazer relevantes considerações, pediu vista.

Com base nessas ponderações do Ministro, eu, um colega e o Defensor Geral elaboramos petição em que procuramos ajudar a Corte a estabelecer critérios para a colocação de presos em regime menos gravoso em caso de falta de vaga, acostada tanto à PSV 57, quanto ao RE 641.320. Cabe dar um exemplo de sugestão: havendo apenas uma vaga no semiaberto e duas pessoas para ocupá-la, deve receber o regime aberto ou domiciliar aquele que estiver mais próximo de obter o próximo benefício.

Meses depois, em dezembro de 2015, teve início a apreciação do RE 641.320, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. O pedido de ingresso da DPU no feito foi redigido por mim. O tema discutido no citado apelo extremo também cuidava da questão do regime prisional adequado. Novamente, o Defensor Geral Federal manifestou-se no Plenário, em atuação articulada com o Defensor Público do Rio Grande do Sul.

Aliás, a DPU já tinha sido ouvida na audiência pública promovida pelo Ministro Relator em que discutidas as condições prisionais do Brasil.

Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, dando parcial provimento ao recurso ministerial, acompanhado pelo Ministro Edson Fachin, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.

Em maio de 2016, a vista foi devolvida, restando parcialmente provido o recurso, fixando-se, entretanto, as condições para se evitar o cumprimento de pena em condição mais gravosa do que a condenação, nos termos abaixo transcritos:

“Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, observe-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao recorrido após progressão ao regime aberto, vencido o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o recurso. Em seguida, o Tribunal, apreciando o tema 423 da repercussão geral, fixou tese nos seguintes termos: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, alíneas “b” e “c”); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 11.05.2016.” (fonte: sítio eletrônico do STF)

Em junho de 2016, a PSV 57 voltou à pauta, sendo aprovada, não mais com a redação original, mas com as indicações formuladas quando do julgamento do RE 641.320:

“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS” (Súmula Vinculante 56)

Em suma, houve relevante participação da DPU nos dois feitos que podem conduzir a uma situação mais humana para os condenados. Se o resultado não foi perfeito, foi bastante satisfatório para que as pessoas não sejam deixadas indefinidamente em condições ainda piores do que aquelas que decorrem das condenações. Eu diria que foi, sim, uma grande vitória da dignidade e da cidadania. Um dia de cada vez.

Brasília, 4 de julho de 2016

Sucessivas interrupções

Sucessivas interrupções

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Alguns entendimentos do Supremo Tribunal Federal precisam mudar urgentemente.

Em tempos em que tanto se discute o devido processo legal e outras garantias fundamentais, seria bom que a Suprema Corte revisasse entendimento consolidado, mas que, em meu sentir, fere completamente princípios como o da legalidade e da razoabilidade.

Vamos ao caso.

O STF e também o Superior Tribunal de Justiça têm jurisprudência pacificada no sentido de que o trânsito em julgado de sentença penal condenatória por um segundo crime é capaz de interromper (causando seu reinício) o prazo para a obtenção de benefícios na execução penal daquele que já cumpre sua reprimenda.

Tal entendimento, com a devida licença, além de não consentâneo com a disposição expressa do artigo 111 da Lei de Execução Penal, que não prevê tal consequência, mas tão somente a soma das penas, gera situações de extrema injustiça, que serão brevemente enumeradas a seguir:

1 – em primeiro lugar, possibilita a ocorrência de bis in idem quando o segundo crime pelo qual responde o apenado já foi cometido após sua prisão, pois ele será punido com a falta grave na data do fato e depois sofrerá nova interrupção do prazo quando do trânsito da condenação;

2 – prejudica àquele que simplesmente exerceu seu direito de recorrer, uma vez que o trânsito em julgado da condenação demorará mais, causando atraso na interrupção do lapso com seu posterior reinício;

3 – desestimula os condenados que cumprem adequadamente sua reprimenda, uma vez que por fatos há muito ocorridos podem sofrer danos na execução de sua pena, mesmo que ostentem comportamento prisional exemplar (além da soma das condenações, esta prevista em lei) – importa dizer que o fato que gera a segunda condenação pode ser anterior à prisão do apenado;

4 – dificulta a reinserção do condenado, prorrogando, além do devido, sua manutenção no cárcere.

Há ainda outras contradições, como as situações que entram em conflito com o disposto na súmula 716 do STF. Calha transcrever o enunciado: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.” Ou seja, segundo a súmula, a pessoa poderá progredir de regime no curso do processo. Mantida a condenação imposta e transitada a decisão desfavorável, deverá a pessoa regredir de regime e ter zerado o interregno anterior? Tal solução parece ir de encontro ao disposto no citado enunciado sumular, mas é a que tem prevalecido.Diante de tamanhas contradições, interpus ontem agravo interno no RHC 133038, relator Ministro Dias Toffoli. Conheço a jurisprudência e a diminuta chance de êxito, mas não desisto facilmente.

Brasília, 22 de março de 2016