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A honestidade salva?

A honestidade salva?

Gustavo de Almeida Ribeiro

A história abaixo me foi contada pela minha mãe há muitos anos e ficou em minha memória. Recentemente, relembrei o caso com ela.

Minha mãe estava em seu trabalho, em Belo Horizonte, quando chegou uma colega dela.

Essa colega, a quem chamarei de Lourdes, reuniu umas três amigas para contar o que tinha acabado de acontecer.

“Vocês não imaginam. Acabei de passar por um coitado inocente na rua que estava com um bilhete premiado de loteria e não sabia o que fazer com ele. Ele queria me vender o bilhete…”

Imediatamente, minha mãe e as outras que ouviam interromperam:

“Lourdes, isso é um golpe velho na praça. Todo mundo já conhece isso.”

“De modo algum, era um rapaz simples, do interior, absurdo vocês falarem isso.”

“Lourdes, você deu dinheiro a ele?”

“Deixem-me terminar a história, por favor. Ele me falou: moça, eu não sei como funciona esse negócio de loteria, mas esse bilhete aqui é premiado e o prêmio é de Cr$ 500.000,00 (não faço ideia do valor real). Só que eu moro no interior e nem é na cidade, é na roça mesmo. Até para ir ao centro da cidadezinha é difícil para mim. Preciso pegar o ônibus agora na rodoviária para voltar, não tenho nem pouso aqui. Se a senhora me der uns Cr$ 20.000,00 eu passo o bilhete para a senhora e diminuo meu prejuízo.”

“Não é possível que você deu o dinheiro a ele, Lourdes.”

“Calma. Eu falei com ele que perto de onde estávamos tinha uma agência da Caixa Econômica e que eu o levaria até lá para os funcionários orientarem-no sobre o que fazer.”

“E ele aceitou?”

“Não, falou que estava com pressa, pois iria perder o ônibus e não tinha mais como demorar a ir para a rodoviária.”

“Claro, né, Lourdes, era golpe.”

“Não era. Era um moço tão simples, tão humilde que ele falou: Dona, se a senhora não tem R$ 20.000,00, aceito R$ 10.000,00 pelo bilhete. A senhora ganha um bom dinheiro e ao mesmo tempo levo um pouco também. Falei que não, que o melhor era ir rapidamente ao banco. Nisso, chegou um outro rapaz que estava perto ouvindo a conversa e falou: senhora, ajude o rapaz, ele vai perder o dinheiro todo.

“Lourdes, era o comparsa! Meu Deus!”

“Vocês são muito desconfiadas. Falei com o outro que não me aproveitaria de um rapaz humilde e pouco informado dando a ele valor muito menor que o do bilhete, que se quisesse, ele que agisse assim. Ele respondeu que não ia fazer isso por não ter Cr$ 10.000,00 para passar para o rapaz. Mas que eu deveria pensar na situação dele e ajudar.”

“Aí você deu o dinheiro e ficou com o bilhete?”

“Não. De modo algum. Eu me ofereci de novo para ir com ele ao banco resolver a situação. Ele disse que não queria, falei que então não poderia fazer nada para ajudar. Nunca iria abusar de uma pessoa simples para tomar dinheiro dela na base da esperteza.”

“Lourdes, que bom que você não deu dinheiro a ele, era um golpe tradicional em que eles adulteram um bilhete de loteria.”

“Não era, era um sujeito simplório e desinformado. Só não fiquei com bilhete porque nunca me valeria disso para levar vantagem.”

Lourdes, de certo modo, caiu no golpe. Ela acreditou plenamente, e nunca mudou de ideia, na conversa do golpista. Foi salva por sua honestidade. Embora ingênua, a honestidade de Lourdes falou mais alto e ela escapou do prejuízo.

Brasília, 6 de abril de 2025