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Apropriação indébita previdenciária e insignificância – STJ x STF

Apropriação indébita previdenciária e insignificância – STJ x STF

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Posso dizer que, como regra, o STF tem interpretação mais favorável que o STJ em questões penais e processuais penais envolvendo os assistidos da Defensoria Pública. Todavia, no que concerne ao tema apropriação indébita previdenciária e princípio da insignificância, o usual não prevalece.

O STF tem adotado entendimento bem restritivo quanto à possibilidade de aplicação da insignificância ao crime em questão (artigo 168-A, CP), conforme pode ser verificado em dois julgados cujas ementas transcrevo a seguir:

“Habeas corpus. 2. Apropriação indébita previdenciária. Princípio da insignificância. Não aplicabilidade. Valor superior ao fixado no art. 1º, I, da Lei 9.441/97. Alto grau de reprovabilidade da conduta. 3. Constrangimento ilegal não caracterizado. 4. Ordem denegada.” (HC 107331, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-110 DIVULG 11-06-2013 PUBLIC 12-06-2013)

O valor limite para a aplicação da bagatela, invocado na decisão mencionada acima (artigo 1º, I, da Lei 9.441/97), foi de R$ 1.000,00. Além disso, o julgado deixou claro o entendimento da Suprema Corte no sentido da inviabilidade da insignificância em se tratando de apropriação indébita previdenciária. Nesse sentido, colaciono julgado emanado da Primeira Turma do STF:

“Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS (ART. 95, “D”, DA LEI N 8.212/91, ATUALMENTE PREVISTO NO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REQUISITOS AUSENTES. REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. DELITO QUE TUTELA A SUBSISTÊNCIA FINANCEIRA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, BEM JURÍDICO DE CARÁTER SUPRAINDIVIDUAL. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; HC 97036/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJ de 22/5/2009; HC 93021/PE, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJ de 22/5/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009. 2. In casu, os pacientes foram denunciados pela prática do crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias no valor de R$ 3.110,71 (três mil, cento e dez reais e setenta e um centavos). 3. Deveras, o bem jurídico tutelado pelo delito de apropriação indébita previdenciária é a “subsistência financeira à Previdência Social”, conforme assentado por esta Corte no julgamento do HC 76.978/RS, rel. Min. Maurício Corrêa ou, como leciona Luiz Regis Prado, “o patrimônio da seguridade social e, reflexamente, as prestações públicas no âmbito social” (Comentários ao Código Penal, 4. ed. – São Paulo: RT, 2007, p. 606). 4. Consectariamente, não há como afirmar-se que a reprovabilidade da conduta atribuída ao paciente é de grau reduzido, porquanto narra a denúncia que este teria descontado contribuições dos empregados e não repassado os valores aos cofres do INSS, em prejuízo à arrecadação já deficitária da Previdência Social, configurando nítida lesão a bem jurídico supraindividual. O reconhecimento da atipicidade material in casu implicaria ignorar esse preocupante quadro. Precedente: HC 98021/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 13/8/2010. 5. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 6. Ordem denegada.” (HC 102550, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/09/2011, DJe-212 DIVULG 07-11-2011 PUBLIC 08-11-2011 EMENT VOL-02621-01 PP-00041)

Por sua vez, a Corte Superior tem reconhecido a possibilidade de incidência da insignificância, aplicando o limite fixado pelo Tribunal nos casos de descaminho, ou seja, R$ 10.000,00. Seguem, abaixo, duas ementas de julgados do STJ:

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona em reconhecer a aplicação do princípio da insignificância ao delito de apropriação indébita previdenciária, quando, na ocasião do delito, o valor do débito com a Previdência Social não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00, descontados os juros e as multas. Precedentes. Ressalva do Relator. 2. Recurso especial não provido.” (REsp 1419836/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017)

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DO DÉBITO. JUROS E MULTAS. EXCLUSÃO. IMPROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte pacificou-se no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos delitos de apropriação indébita previdenciária, nos casos em que o valor do débito com a Previdência Social não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00, descontados os juros e as multas. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 627.904/CE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 23/10/2017)

Como se observa, o STJ, em julgados muito recentes, aplicou à apropriação indébita previdenciária o limite usado pela própria Corte para a configuração da bagatela no descaminho, no valor de até R$ 10.000,00.

Lembro que o Superior Tribunal de Justiça marcou novo encontro com o tema, em recursos especiais repetitivos, para apreciar se mantém o limite atual ou se adota o valor de R$ 20.000,00, para o reconhecimento da insignificância no crime do artigo 334, do Código Penal.

Aliás, essa divergência entre os Tribunais gerou decisão interessante por parte do Ministro Edson Fachin, do STF, em discussão sobre apropriação indébita previdenciária. No HC 139446, de forma monocrática, o Ministro relator concedeu a ordem entendendo que (publicado no DJe de 06/11/2017):

“De tal modo, o ato coator, inclusive considerando os precedentes nele mencionados, não afasta a incidência da referida causa de atipia aos delitos de apropriação previdenciária. Mas, no caso concreto, não a aplica em razão de considerar critério que contraria a jurisprudência desta Corte.

Em outras palavras, o tema central da impetração reside na possibilidade de que a Portaria MF 75/2012 repercuta na tipicidade material da conduta lesiva à ordem tributária.

Sob essa ótica, o ato coator não se amolda à jurisprudência da Corte, que estabelece, para tal finalidade, o valor de 20 mil reais. Nesse sentido: HC 126191, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/03/2015; HC 123861, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 07/10/2014 e HC 118067, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/03/2014.”

Ou seja, segundo a decisão proferida no HC 139446/STF, se o STJ reconhece ser possível a aplicação da insignificância na apropriação indébita previdenciária, utilizando o limite do descaminho, que o faça com base na Portaria MF 75/2012 (R$ 20.000,00), tal como o STF e não no valor de R$ 10.000,00, adotado pelo STJ (até agora, ao menos).

Peculiaridades da jurisprudência.

Brasília, 9 de janeiro de 2018