Miséria humana
Gustavo de Almeida Ribeiro
Infelizmente, as histórias da Defensoria Pública ainda são menos ouvidas que as do Ministério Público e as do Judiciário.
Antes, preocupava-me exclusivamente em trabalhar. Aprendi, com o tempo, que divulgar as coisas, ainda que em meu ínfimo blog, é importante. Meia dúzia de pessoas que leiam e reflitam já terá valido o trabalho.
A Defensoria Pública da União impetrou o HC 130455 perante o STF, oriundo de Minas Gerais e fruto do trabalho da Defensoria Pública Estadual até o STJ, requerendo a aplicação do princípio da insignificância e o trancamento da ação penal em favor do paciente, acusado da suposta prática do furto de um brinquedo no valor de R$ 105,90, imediatamente recuperado e restituído à proprietária da Loja de onde fora subtraído.
O paciente da impetração possuía contra si outros procedimentos penais, sem ter, entretanto, condenação penal definitiva, conforme indicado na própria decisão monocrática prolatada no STF. Tratavam-se, pelo que constatei, de furtos e ameaças.
A ordem foi denegada monocraticamente pelo Ministro Celso de Mello, baseando-se na jurisprudência firmada nos HCs 123108, 123533 e 123734, julgados pelo Plenário do STF, no sentido de se afastar a aplicação do delito bagatelar em caso de reincidência ou reiteração delitiva do acusado ou, ainda, em se tratando da forma qualificada do furto. Curioso observar que passados mais de 3 meses da conclusão do julgamento, que, em verdade, havia se iniciado em dezembro de 2014, os acórdãos dos citados feitos ainda não foram publicados. Imagino a dificuldade de se colocar no papel a consolidação da tese indicativa de que, sendo o acusado reincidente, o furto de um bombom (lembram-se?) passa a ser relevante.
Interpus agravo regimental e telefonei para o gabinete do Ministro Relator, conversando longamente com seu assessor sobre o caso.
A leitura dos documentos acostados aos autos indica nitidamente tratar-se o paciente de inimputável, cabendo transcrever trecho do laudo pericial: “o periciado, em virtude de transtorno mental orgânico, não tinha capacidade de entendimento e de determinação em relação aos fatos”.
Mas não é só. A testemunha ouvida pela polícia quando da lavratura do flagrante, que ajudou em sua captura, indica a condição do paciente do habeas corpus: “que tão logo a viatura policial parou próximo ao elemento, o mesmo já foi entregando o objeto furtado e quis simular choro”.
O parecer da Procuradoria-Geral da República no agravo regimental interposto contra a decisão denegatória não teceu uma linha sequer quanto à inimputabilidade do paciente.
Na sessão do dia 17 de novembro da 2ª Turma do STF, o agravo regimental teve seu provimento negado.
Sensibilidade, comiseração com a miséria humana são coisas que já não espero encontrar com frequência.
A mera leitura dos autos, a conduta do paciente, o bem subtraído (um brinquedo, sintomático, não?) dão conta de que ele precisa muito mais de tratamento do que de pena. Lamentavelmente, o direito penal é a resposta única do Estado brasileiro para a camada mais carente da população.
Repito, observem o grau de amadorismo da conduta: um brinquedo subtraído e sequer ocultado após o fato. Uma ação infantil que certamente seria contornada fosse o acusado pessoa com melhor condição financeira. Para os pobres, entretanto, o Estado só tem uma resposta: condenação e cadeia.
Será que alguém vê alguma vantagem na acusação e condenação do paciente do citado habeas corpus que parece ter conduta assemelhada à de uma criança?
Enquanto isso, graúdos acusados de crimes milionários continuam suas vidas nababescas, sendo qualquer medida tomada contra eles logo considerada abusiva.
As coisas que acontecem e se repetem no Brasil nem de longe são por acaso.
Brasília, 19 de novembro de 2015