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Deserção é crime permanente?

Deserção é crime permanente?

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Mais cedo comentei no Twitter que postaria aqui uma preparação que fiz há alguns anos para sustentação oral realizada em habeas corpus impetrado perante o STF pela DPU, em que se discutia se o crime de deserção do militar seria ou não permanente.

A ordem foi denegada e posso dizer que o STF tem entendimento consolidado no sentido de que o crime em questão é permanente. A DPU entende ser a deserção delito instantâneo de efeitos permanentes.

Em fase de múltipla escolha, ou em concursos do MPM ou para Juiz-Auditor, não exitaria em marcar como resposta ser a deserção permanente.

Todavia, se questionado o tema em prova da Defensoria, com  margem para discussão, vale a pena ter em mente alguns pontos que apresento abaixo.

Brasília, 8 de outubro de 2016

 

Preparação para sustentação

1 – Cumprimentar Ministros e MPF

2 – Trata-se de habeas corpus impetrado pela DPU em favor do paciente, condenado pela Justiça Militar pela suposta prática de deserção.

3 – A discussão trazida nos autos diz respeito à prescrição da pretensão punitiva e, para que seja constatada sua ocorrência, importa analisar a natureza da deserção, se crime instantâneo ou permanente.

4 – A diferença no entendimento refletirá no reconhecimento da prescrição, visto que o paciente apresentou-se em sua unidade militar já com 21 anos, o que impediria a redução pela metade do prazo prescricional.

Entretanto, o 9º dia de seu afastamento, quando se configura a deserção, ocorreu quando ele ainda tinha 20 anos.

5 – A deserção tem sido reconhecida pela Corte como delito permanente, entretanto, importa trazer alguns aspectos que têm como objetivo alterar o entendimento até hoje adotado.

6 – O crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo. Exemplo disso é o seqüestro. O tempo todo em que uma pessoa mantém outra seqüestrada, o seqüestro está ocorrendo, a pessoa está em flagrante. Enquanto durar o seqüestro, portanto, não há que se falar em prescrição, em prazo prescricional, visto que o crime ainda está acontecendo.

7 – Em suma, durante a permanência do crime, não há prescrição.

8 – Entretanto, o artigo 132 do CPM que trata da prescrição diferenciada da deserção, estabelecendo que mesmo que decorrido o prazo prescricional, só será extinta a punibilidade quando o desertor atingir 45 anos se praça e 60, se oficial.

A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que o referido artigo só é aplicável ao trânsfuga (HC 79432, Min. Nelson Jobim), ou seja, AQUELE QUE PERMANECE “NO ESTADO DE DESERÇÃO”.

ORA, EMINENTES MINISTROS, SE O CRIME FOSSE PERMANENTE, ENQUANTO NÃO FOSSE PRESO OU SE APRESENTASSE VOLUNTARIAMENTE O DESERTOR, O CRIME ESTARIA EM ANDAMENTO, PELO QUE NÃO HAVERIA PRAZO PRESCRICIONAL EM CURSO.

9 – Mais ainda, configurada a deserção, o desertor, PRAÇA ESPECIAL OU SEM ESTABILIDADE, perde sua condição de militar. ASSIM, NÃO PODE ALGUÉM QUE NÃO É MAIS MILITAR ESTAR PERMANENTEMENTE COMETENDO CRIME MILITAR PRÓPRIO.

10 – Além disso, o artigo 451 do CPPM diz expressamente “consumado o crime de deserção, nos casos previstos na lei penal militar, o comandante da unidade” – caso se tratasse de delito permanente, o dispositivo legal não trataria o crime como algo acabado e consumado, mas sim como algo que ainda se prolonga no tempo.

11 – Também o artigo 243 do CPPM indica claramente que a deserção não é crime permanente, ao usar a partícula indicativa de alternativa “ou”.

LER O ARTIGO

SE A DESERÇÃO FOSSE PERMANENTE, DURANTE TODO O TEMPO DE PERMANÊNCIA O DESERTOR ESTARIA EM FLAGRANTE, BASTANDO QUE A LEI DISSESSE QUE QUEM ESTÁ EM FLAGRANTE PODE SER PRESO SEM MENÇÃO AO DESERTOR.

A PRISÃO DO DESERTOR DECORRE DE EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PREVISTA NO ARTIGO 5º, INCISO LXI QUE RESSALVA A PRISÃO NO CASO DE CRIME MILITAR PRÓPRIO.

12 – Além disso, o crime de deserção é crime de mera conduta, sendo difícil se aceitar a permanência de um crime que sequer possui resultado naturalístico.

Assim, pugna a Defensoria Pública seja concedida a ordem em favor do paciente, reconhecendo-se a deserção como crime instantâneo e assim, a configuração da prescrição, visto que

ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM 16/4/07 E A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM 28/4/08 DECORREU MAIS DE UM ANO E O PACIENTE ERA MENOR DE 21 QUANDO DA CONSUMAÇÃO DA DESERÇÃO, PELO QUE O PRAZO PRESCRICIONAL DE 2 ANOS FICA REDUZIDO A 1.