Arquivo da tag: instrução

Processo penal militar e interrogatório

Processo penal militar e interrogatório

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Embora o acórdão do HC 127900, julgado pelo Plenário do STF, ainda não tenha sido publicado (discussão sobre a realização do interrogatório ao final da instrução em feitos em trâmite perante a Justiça Militar), calha destacar 3 decisões monocráticas prolatadas pelo Ministro Dias Toffoli, também relator do paradigma, tratando do tema.

Refiro-me aos RHCs 127.259, 126.848 e 131.932, todos patrocinados pela DPU, bem como o HC 127900.

Transcrevo trecho da decisão proferida no RHC 131.932, à guisa de exemplificação:

“Decido.

A controvérsia trazida aos autos tem como escopo a eventual aplicação do art. 400 do Código de Processo Penal (com redação dada pela Lei nº 11.719/08) aos processos penais militares em detrimento do art. 302 da Lei Processual Penal Militar.

O Plenário do Supremo Tribunal, em 3/3/16, ao julgar o HC nº 127.900/AM, de minha relatoria, fixou orientação no sentido de que a realização do interrogatório ao final da instrução criminal, prevista no art. 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 11.719/08, também se aplica às ações penais em trâmite na Justiça Militar.

Ainda por ocasião daquele julgamento, a Corte deliberou em atenção ao princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI), que essa orientação somente se aplica, a partir da publicação da ata de julgamento do HC nº 127.900/AM, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo, somente, naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.

Essa é exatamente a situação retratada nos autos, visto que, nos autos da Ação Penal Militar nº 4-39.2015.7.06.0006/BA à qual respondem os recorrentes perante a Auditoria da 6ª CJM, a instrução processual não tinha se encerrado até o momento em que deferi liminar neste recurso ordinário para suspender o andamento daquele feito na origem.

Logo, considerando os termos em que decido o HC nº 127.900/AM pelo Plenário, entendo que os recorrentes devem ser submetidos a um novo interrogatório na forma preconizada pelo art. 400 do Código de Processo Penal.

Diante desse quadro, considerando que o tema em discussão agora é objeto de jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 192, caput, c/c o art. 312, caput, ambos do Regimento Interno da Corte, dou provimento ao recurso para conceder a ordem de habeas corpus, determinando a submissão dos recorrentes a um novo interrogatório ao final da instrução (CPP, art. 400).”

 

Brasília, 25 de abril de 2016

Direito de presença e acusado preso

Direito de presença e acusado preso

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Na última terça-feira, 2 de fevereiro de 2016, perdi um HC em que proferi sustentação oral perante a 2ª Turma do STF cujo resultado estou até agora tentando entender.

A discussão é simples e os fatos estão consolidados, dispensando qualquer incursão fática.

Em suma, a paciente do citado writ (HC 130328), de relatoria do Ministro Dias Toffoli, presa, não foi conduzida da prisão em que recolhida em Lages, Santa Catarina, para a comarca de Araranguá, no mesmo Estado, para participar de audiência de oitiva de testemunhas.

Em todas as fases do processo, a defesa manifestou-se contrariamente à ausência da acusada, que teria o direito de estar presente à audiência em que ouvidas testemunhas de acusação.

A matéria já tinha sido julgada e decidida positivamente no HC 111728, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, em sessão da 2º Turma ocorrida em 19/02/2013.

A comparação do precedente com o resultado de ontem é simplesmente espantosa, não há termo melhor. As situações são idênticas. Pior, no HC 130328, de agora, havia manifestação expressa da defesa contra a ausência da acusada, enquanto no precedente discutia-se a relevância da aquiescência do defensor com a falta dos defendentes.

Os votos do Ministros que compunham a 2ª Turma, no julgamento do HC 111728, foram unânimes pela presença dos acusados em audiência de instrução. O Ministro Gilmar Mendes, na oportunidade, chegou a cogitar da edição de súmula vinculante, sendo secundado pelo Ministro Teori Zavascki.

Manteve a posição o Ministro Celso de Mello, que votou pela concessão no precedente invocado e também neste último feito. Aliás, minha satisfação veio não só do voto dele, coerente com o anterior, mas com a atenção que prestou à sustentação oral proferida.

Durante a sustentação, comentei que minha experiência na primeira instância tinha me mostrado que a presença do acusado era importante para ajudar a esclarecer, questionar, negar coisas ditas pelas testemunhas. Ao proferir seu voto pela concessão da ordem, o Ministro Celso de Mello falou a mesma coisa, dizendo que como Promotor de Justiça muitas vezes sentia a reação do acusado quando a testemunha falava algo de ele, réu, discordava. Foi o que salvou da lavoura. A ordem foi denegada por 4 votos a 1.

A leitura do precedente, que contou com os mesmos julgadores do HC 130328, com exceção do Ministro Dias Toffoli, causa completa perplexidade. Não há como ser mais instável, inconstante. O precedente era até pior, pois parecia não haver insurgência ostensiva contra a ausência dos pacientes, como no julgado da última terça-feira.

Quanto ao tema de fundo, a compreensão é simples. Tem a pessoa presa o direito de ser conduzida à audiência em outra comarca para participar da instrução processual? A resposta deve ser positiva, em razão dos direitos de audiência e de presença. A negativa coloca em posição diferente os acusados presos e os soltos, prejudica a ampla defesa. Também torço para que acusados ricos não possam se oferecer para pagar o deslocamento do local em que recolhidos até cidade em que será realizada a audiência, pois isso também criaria uma discriminação ainda mais absurda na Justiça Penal.

Espero sinceramente que a decisão de ontem valha para todos os acusados em processos penais pelo Brasil. Não porque concorde com ela, longe disso, mas por não aceitar que seja apenas para os pobres atendidos pela Defensoria Pública. Eu quero ver se essa postura será repetida em processos envolvendo graúdos. Repito: discordo frontalmente da decisão. Acho inafastável o direito de presença, tal como manifestado pelo Ministro Decano do STF, Celso de Mello. No entanto, se valeu para a moça do interior de Santa Catarina, que se mantenha para todos.

Brasília, 4 de fevereiro de 2016