Arquivo da tag: legalidade

Contravenção penal e substituição da pena

Contravenção penal e substituição da pena

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Compartilho, para quem estuda o tema, meu roteiro de sustentação oral no HC 132342, julgado e concedido pela 2ª Turma do STF na sessão de 30/08/2016.

Sequer cheguei a sustentar a impetração, pois, tão logo assomei à tribuna, o Ministro Dias Toffoli, relator, avisou que estava concedendo a ordem, pelo que abri mão da minha manifestação oral.

Após concedido o habeas corpus, o tema parece simples e indiscutível, mas, em minha opinião, não era bem assim.

 

HC 132342

O paciente foi condenado pela suposta prática de contravenção – vias de fato – a 20 dias prisão simples, por episódio ocorrido no âmbito de relação familiar.

A pena privativa de liberdade no regime aberto foi substituída pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul pela restritiva de direitos.

O STJ proveu recurso ministerial para restabelecer a pena corporal.

Inicialmente, importa lembrar que o artigo 44 do Código Penal veda a substituição da pena para crimes praticados com violência ou grave ameaça. As contravenções não estão inseridas na vedação, sendo a extensão indevida na seara do Direito Penal, em obediência ao princípio da legalidade estrita.

Não se desconhece, todavia, o precedente firmado pelo Plenário do STF, no HC 106.212, em que a vedação da aplicação dos dispositivos da Lei 9.099/95 aos crimes cometidos no âmbito de proteção da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi estendida também às contravenções penais, por unanimidade.

Por sua vez, a ADI 4424 entendeu que a ação penal relativa à lesão corporal resultante de violência doméstica é pública incondicionada.

Ambos os precedentes, HC 106.212 e ADI 4.424, indicam preocupação em se proteger a mulher, seja dispensando a representação, seja afastando os institutos despenalizadores da Lei 9099/95.

Já no caso do HC 132.342 a situação é distinta, já tendo sido imposta condenação em desfavor do paciente, recaindo a discussão tão somente sobre a forma de execução dos 20 dias de pena fixados.

Além da legalidade estrita, considerando-se que a vedação refere-se somente aos crimes e não às infrações penais em geral, a impossibilidade de substituição ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, principalmente em um país com graves problemas em seu sistema prisional, reconhecidos em recentes julgados da Suprema Corte.

O voto condutor do Ministro Gilmar Mendes no RE 641.320 observou que 17 Estados da Federação não possuem regime aberto para o cumprimento de pena.

Por sua vez, a súmula vinculante 56, recentemente editada, vedou a colocação do preso em regime mais gravoso que o da condenação.

No exame da cautelar na ADPF 347, o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros em decorrência da violação massiva dos direitos fundamentais.

Em suma, não há sentido em se colocar uma pessoa condenada a 20 dias a prisão simples nessa condição.

Pior ainda, parte da doutrina defende que tal conduta sequer deveria ser tipificada pelo Direito Penal, a ser invocado apenas em ofensas mais relevantes.

No habeas corpus em questão já há imposição de pena, não questionada na impetração. A discussão trazida diz respeito apenas à forma de execução da pena fixada, em NADA enfraquecendo a proteção à mulher, sem deixar, contudo, de se observar a legalidade e a razoabilidade em favor do paciente.

Brasília, 2 de setembro de 2016