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Interposição simultânea de pedido de uniformização e de recurso extraordinário

Interposição simultânea de pedido de uniformização e de recurso extraordinário

Atualização*

Infelizmente, segundo informação do STF, houve um problema técnico no registro do voto do Ministro Dias Toffoli, durante a votação do ARE 883782.

andamento 2

Assim, a maioria aparentemente formada no mencionado recurso, no sentido da possibilidade de interposição simultânea de recurso extraordinário e pedido de uniformização, não se concretizou.

Portanto, continua prevalecendo o entendimento no sentido de que NÃO cabe a interposição simultânea dos dois recursos, conforme a ementa abaixo transcrita:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL. IMPUGNAÇÃO SIMULTÂNEA POR RECURSO EXTRAORDINÁRIO E POR INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. 1. A Súmula 281 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL estabelece que “é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. 2. Do ponto de vista deste enunciado sumular, o incidente de uniformização de jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais, cabível quando “houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei” (art. 14, caput, da Lei 10.259/01), é considerado uma impugnação facultativa, com perfil semelhante ao dos embargos de divergência previstos no art. 1.043 do Código de Processo Civil de 2015 e dos embargos previstos no art. 894, II, da CLT. 3. Embora se admita, em tese – a exemplo do que ocorre em relação aos referidos embargos -, a interposição alternativa de incidente de uniformização de jurisprudência ou de recurso extraordinário, não é admissível, à luz do princípio da unirrecorribilidade, a interposição simultânea desses recursos, ambos com o propósito de reformar o mesmo capítulo do acórdão recorrido. 4. Agravo interno a que se dá provimento, para fazer prevalecer a decisão publicada em 11/5/2015, que negava seguimento ao agravo em recurso extraordinário.
(ARE 883782 AgR-segundo, Relator(a): DIAS TOFFOLI (Presidente), Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 29-06-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 02-10-2020 PUBLIC 05-10-2020) (destaques meus)

*Texto atualizado em 14/11/2024

Texto anterior (entendimento que acabou não prevalecendo):

Foi encerrado ontem, 14/05/2020, pelo Plenário Virtual do STF, o julgamento de um recurso extraordinário com agravo bastante relevante para a atuação da DPU em termos do cabimento de recursos.

Trata-se do ARE 883782/STF. Explico, abaixo, o caso.

A procuradoria do INSS interpôs, simultaneamente, Pedido de Uniformização de Jurisprudência  e Recurso Extraordinário em face de decisão de Turma Recursal.

No STF, o Ministro Presidente não conheceu do ARE por entender ter havido supressão de instância.

A Procuradoria Federal interpôs agravo interno, alegando:

“Todavia, merece reforma tal decisão, uma vez que, com o acórdão regional houve o esgotamento de instância, sendo perfeitamente cabível a interposição simultânea do Incidente e do Extraordinário, haja vista a violação constitucional e infraconstitucional.”

O Ministro Ricardo Lewandowski, na presidência do STF, reconsiderou a decisão anterior, nos termos abaixo:

“O agravante afirma serem insubsistentes os fundamentos da decisão, na medida em que, concluído o julgamento do recurso inominado e dos embargos de declaração pela Turma Recursal, no prazo comum de 15 (quinze) dias formalizou-se o Incidente de Uniformização de Jurisprudência relativo à lei federal; e o recurso extraordinário protocolado quanto à matéria constitucional, pois, se assim não fosse, dar-se-ia a preclusão.

“Procedem, portanto, as alegações da parte agravante, razão pela qual reconsidero a decisão agravada e determino a distribuição do recurso extraordinário com agravo.”

Em seguida, a DPU, através do Defensor Gustavo Zortéa, interpôs agravo interno contra a nova decisão monocrática do Ministro Presidente:

“Nesse contexto, a interposição do recurso extraordinário deveria ter sucedido o acórdão proferido no julgamento do incidente de uniformização, se questão constitucional houvesse, e não ter ocorrido simultaneamente com a interposição do incidente de uniformização.

Pois bem, por 6 votos a 5, o agravo regimental patrocinado pela DPU teve seu provimento negado, ou seja, prevaleceu o entendimento esposado pelo Ministro Ricardo Lewandowski na reconsideração, no sentido de ser possível a interposição simultânea de PU e RE.

“Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli (Presidente), vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Rosa Weber e Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 8.5.2020 a 14.5.2020”.

Claro, o acórdão ainda não foi publicado, mas deve-se ficar atento ao julgado, uma vez que ele emana do Plenário do STF, com a participação dos 11 Ministros e significa mudança quanto ao entendimento que anteriormente prevalecia.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 15 de maio de 2020

Mudança jurisprudencial e revisão criminal

Mudança jurisprudencial e revisão criminal

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Segunda Turma do STF decidiu, ao julgar o agravo interno no HC 153805, reafirmando entendimento que já prevalecia, reconheço, que mudança na jurisprudência não dá ensejo à revisão criminal.

Calha transcrever a ementa:

 

“EMENTA Agravo regimental em habeas corpus. Processual Penal. Pedido de revisão criminal em razão de mudança jurisprudencial. Inadmissibilidade. Precedentes. Regimental não provido. 1. ”A inadmissão da Revisão Criminal em razão de meras variações jurisprudenciais, ressalvadas situações excepcionais de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais (inclusive incidenter tantum), é historicamente assentada por esta Corte (RE 113601, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 12/06/1987; RvC 4645, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 01/04/1982)” (RvC nº 5.457/SP-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 11/10/17). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (HC 153805 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 16-10-2018 PUBLIC 17-10-2018)

 

Foram enumeradas duas situações excepcionais em que a revisão seria possível: a abolitio criminis, que, em meu sentir, sequer poderia ser considerada mudança jurisprudencial, mas mera retroatividade de lei penal mais benéfica, e a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais.

Todavia, penso que questões de natureza eminentemente jurídicas, em que as circunstâncias fáticas tenham pouca ou nenhuma interferência para distinguir um caso de outro, deveriam também permitir a utilização da revisão criminal.

Tenho um exemplo surgido da minha atividade profissional que demonstra de forma clara como o entendimento prevalecente no STF pode gerar decisões discrepantes.

A Lei de Drogas prevê, em seu artigo 40, III, aumento de pena para aquele que praticar tráfico em transporte público.

Houve um tempo em que os tribunais entendiam que a mera utilização do transporte público para deslocamento, ainda que sem qualquer oferta de venda durante o trajeto, ou sem exposição da mercadoria, bastaria para a incidência da mencionada majorante:

 

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSPORTE PÚBLICO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. NATUREZA. PROGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. PREJUÍZO À IMPETRAÇÃO, NO PONTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A utilização do transporte público como meio para a prática do tráfico de drogas é suficiente para o reconhecimento da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/06, porque a majorante é de natureza objetiva e aperfeiçoa-se com a constatação de ter sido o crime cometido no lugar indicado, independentemente de qualquer indagação sobre o elemento anímico do infrator. Precedente. 2. O Plenário do Supremo Tribunal decidiu pela inconstitucionalidade da vedação contida nos art. 33, § 4º, e 44 da Lei 11.343/06, não admitindo seja subtraído do julgador a possibilidade de promover a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos quando presentes os requisitos inseridos no art. 44 do Código Penal. 3. A progressão de regime já deferida à Paciente torna prejudicada, no ponto, a impetração. 4. Ordem parcialmente concedida, prejudicado o pedido de progressão de regime.” (HC 109411, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 25-10-2011 PUBLIC 26-10-2011) grifo nosso

 

Posteriormente, os tribunais alteraram seu entendimento para que a mencionada causa de aumento só fosse aplicada quando o acusado se utilizasse da aglomeração gerada pelo transporte público para vender sua droga, ficando afastado o mencionado inciso III, do artigo 40, da Lei 11.343/06, quando a pessoa apenas fizesse uso do transporte para seu deslocamento, sem qualquer oferta aos demais usuários do serviço:

 

“Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, III, DA LEI DE DROGAS (TRANSPORTE PÚBLICO). NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL FECHADO. VIABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. NÃO CUMPRIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO PREVISTO NO ART. 44, III, DO CP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O entendimento de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior. Fica afastada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para transportar a droga. Precedentes. 2. O acórdão impugnado restabeleceu o regime inicial fechado imposto pelo magistrado de primeiro grau em razão da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis do art. 59 do CP (quantidade de droga). Assim, não há razão para reformar a decisão, já que, na linha de precedentes desta Corte, os fundamentos utilizados são idôneos para impedir a fixação de um regime prisional mais brando do que o fixado no acórdão atacado. 3. Não é viável proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pois, embora preenchido o requisito objetivo previsto no inciso I do art. 44 do Código Penal (= pena não superior a 4 anos), as instâncias ordinárias concluíram que a conversão da pena não se revela adequada ao caso, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (= quantidade da droga apreendida). Precedentes. 4. Ordem concedida, em parte, apenas para afastar a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006.” (HC 119811, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07-2014) grifo nosso

 

A mudança apontada acima, quanto à causa de aumento, tema que não exige qualquer dilação probatória mais aprofundada e que não encontra obstáculos em pormenores fáticos, parece demonstrar que não há qualquer sentido em se afastar a possibilidade de ajuizamento de revisão criminal em razão da invocação de jurisprudência vetusta, que merece nova reflexão das Cortes.

O entendimento, tal como mantido, ocasiona grande insegurança e sensação de injustiça entre os jurisdicionados, que, ao contrário do que possa parecer, mesmo na seara penal, acompanham atentamente seus processos e resultados.

Uma comparação singela deixa ainda mais flagrante as consequências da mudança jurisprudencial e da vedação da revisão criminal:

a – Mévio foi flagrado em um ônibus com 50g de cocaína. Estava apenas utilizando o transporte público sem oferecer droga a ninguém. Pena-base em 6 anos, causa de aumento pelo transporte público em 1/6, redução pelo §4º do artigo 33 pela metade: pena final: 3 anos e 6 meses

b – Tício foi flagrado em um ônibus no mesmo dia que Mévio com 50g de cocaína. Estava apenas utilizando o transporte público sem oferecer droga a ninguém. Todavia, seu processo teve tramitação mais longa por circunstâncias do acaso. Pena-base em 6 anos, causa de aumento pelo transporte público não incidente, segundo o novo entendimento, redução pelo §4º do artigo 33 pela metade: pena final: 3 anos

Os exemplos acima, com penas baixas, já demonstram como situações extremamente próximas teriam deslinde distinto em área sensível como a privação da liberdade.

Por isso, embora conhecedor do entendimento do STF, reiterado no julgamento do agravo no HC 153805, dele respeitosamente discordo, acrescendo às duas possibilidades de revisão criminal apresentadas na ementa a mudança jurisprudencial em que o novo paradigma adotado puder ser facilmente comparado com o caso que será submetido à revisão.

Brasília, 6 de novembro de 2018