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Recurso Extraordinário com repercussão geral e objetivação

Recurso Extraordinário com repercussão geral e objetivação

 

Seguem, abaixo, as razões recursais do agravo interno no RE 657718, extinto sem resolução de mérito pelo Relator, Ministro Marco Aurélio, pelo falecimento da autora.

A sistemática da repercussão geral faz com que a análise de um tema, além de ter efeitos ampliados, demore muito mais.

Isso precisa ser considerado pela Corte, tanto que não são raros os casos de perda de objeto durante o trâmite recursal.

O recomeço de um julgamento com a escolha de um novo paradigma a ninguém aproveita, gerando atraso considerável em feitos que, muitas vezes, aguardam solução por anos.

Vamos ver o que dirá o STF no caso em concreto.

Brasília, 2 de outubro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

 

A sistemática da repercussão geral promove a discussão, não só do caso em concreto, mas da tese, que servirá de paradigma a ser seguida pelos demais Tribunais pátrios.

Assim, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que a perda parcial de objeto em recurso com a mencionada sistemática não significa seu prejuízo, conforme pode ser constatado da ementa abaixo transcrita, que decidiu questão de ordem em situação assemelhada:

“Ementa: Direito Eleitoral. Agravo em Recurso Extraordinário. Candidatura avulsa. Questão de ordem. Perda do objeto do caso concreto. Viabilidade da repercussão geral. 1. A discussão acerca da admissibilidade ou não de candidaturas avulsas em eleições majoritárias, por sua inequívoca relevância política, reveste-se de repercussão geral. Invocação plausível do Pacto de São José da Costa Rica e do padrão democrático predominante no mundo. 2. Eventual prejuízo parcial do caso concreto subjacente ao recurso extraordinário não é impeditivo do reconhecimento de repercussão geral. 3. Repercussão geral reconhecida. “ (ARE-QO 1054490, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 05/10/2017, publicado em 09/03/2018, Tribunal Pleno) grifo nosso

Na mesma linha, a Suprema Corte já apreciou apelo extremo em matéria penal em que tinha sido extinta a punibilidade pela prescrição:

“Recurso extraordinário. Constitucional. Direito Penal. Contravenção penal. 2. Posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto (artigo 25 do Decreto-Lei n. 3.688/1941). Réu condenado em definitivo por diversos crimes de furto. Alegação de que o tipo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Arguição de ofensa aos princípios da isonomia e da presunção de inocência. 3. Aplicação da sistemática da repercussão geral – tema 113, por maioria de votos em 24.10.2008, rel. Ministro Cezar Peluso. 4. Ocorrência da prescrição intercorrente da pretensão punitiva antes da redistribuição do processo a esta relatoria. Superação da prescrição para exame da recepção do tipo contravencional pela Constituição Federal antes do reconhecimento da extinção da punibilidade, por ser mais benéfico ao recorrente. 5. Possibilidade do exercício de fiscalização da constitucionalidade das leis em matéria penal. Infração penal de perigo abstrato à luz do princípio da proporcionalidade. 6. Reconhecimento de violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos nos artigos artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal. Não recepção do artigo 25 do Decreto-Lei 3.688/41 pela Constituição Federal de 1988. 7. Recurso extraordinário conhecido e provido para absolver o recorrente nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.” (RE 583523, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/10/2013, publicado em 22/10/2014, Tribunal Pleno) grifo nosso

Mais recentemente, ao julgar o RE 601580, o STF voltou a decidir ser possível a apreciação da tese mesmo que o recurso esteja prejudicado, em se tratando de repercussão geral reconhecida. Cabe transcrever trecho do Informativo 916/STF, no que interessa ao presente caso (o acórdão ainda não foi publicado):

“(…)
Inicialmente, o Plenário, também por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio no sentido de converter o julgamento em diligências para se verificar se o militar, do caso concreto, já teria concluído o curso, o que levaria ao prejuízo do recurso. O Tribunal considerou ser possível a apreciação da tese de repercussão geral em recurso extraordinário, ainda que o processo esteja prejudicado, em razão a objetivação dos recursos extraordinários, já reconhecida em decisões anteriores. Frisou a eficácia vinculante das teses firmadas em repercussão geral e o disposto nos artigos 998, parágrafo único (6), e 1.029, §3º (7), do CPC. Vencido o ministro Marco Aurélio que acolhia a questão de ordem, no sentido da necessidade da diligência, haja vista a impossibilidade do prosseguimento da análise da tese debatida no recurso extraordinário, se reconhecido o seu prejuízo, por se tratar de processo subjetivo.

(…)

 (6) CPC: “Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquele objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.”
(7) CPC: “Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: (…) § 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.”

RE 601580/RS, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.9.2018. (RE-601580)” grifo nosso

Ou seja, a importância do julgamento vai além do caso concreto subjacente, sendo relevante a fixação de tese geral.

São duas, portanto, as fortes razões que justificam o provimento do presente agravo, com o prosseguimento da análise do apelo excepcional. Em primeiro lugar, a relevância do tema em discussão, que não atingiria apenas a autora.

Aliás, o medicamento por ela postulado já se encontrava registrado na ANVISA pelo que o objeto da ação, quanto ao pleito autoral, já tinha se esgotado – situação há muito informada nos autos.

A matéria transcende o mero interesse das partes, sendo relevante sua análise. Aliás, saúde é um bem urgente, pelo que qualquer demora poderá causar o mesmo deslinde ocorrido neste caso.

Além disso, como demonstra o longo trâmite processual, o recomeço, com possíveis novas sustentações orais, novos votos, caso seja escolhido novo processo, significará demora ainda maior na apreciação do tema.

Assim, como para a fixação da tese a ser aplicada em casos semelhantes, o processo em análise continua perfeitamente adequado, tal como ocorreu nos precedentes acima colacionados ele deve ser preservado em homenagem à celeridade. Interessa a todos os que necessitam de medicamentos a rápida solução do feito para que possam, em havendo resultado favorável, no que acredita a Defensoria Pública, buscar seus fármacos de forma mais breve possível.

Portanto, deve ser provido o presente agravo, dando-se continuidade à apreciação do recurso extraordinário.