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Falta grave, regressão de regime e oitiva do apenado

Falta grave, regressão de regime e oitiva do apenado

 

Caso bem interessante sobre execução penal e sobre um agravo interno com final positivo.

No RHC 169094, julgado pelo STF, discutia-se a necessidade de oitiva do apenado em audiência de justificação para a regressão de regime, em caso de falta grave, mesmo tendo havido processo administrativo disciplinar.

O Ministro Gilmar Mendes negou provimento ao recurso, sob o fundamento de que:

“Conforme os autos, o recorrente “teve sua regressão definitiva ao regime fechado – fixando-se nova data-base e declarando-se a perda de1/3 dos dias remidos – determinada após constatação de suposta falta grave, sem que, no entanto, fosse realizada audiência de justificação, conforme prevê o artigo 118, § 2º, da Lei de Execução Penal, que postula a necessidade de oitiva prévia do apenado em caso de falta grave.” (eDOC 2, p. 57)

O STJ, ao apreciar o habeas corpus, asseverou que, no caso dos autos, houve a instauração e homologação do devido procedimento administrativo disciplinar, com a oitiva do recorrente, que foi devidamente acompanhado de defensor constituído, o qual apresentou defesa técnica. (eDOC 2, p. 48)”

Em seguida, invocou, na mesma decisão, o RHC 116.190, julgado pela 2ª Turma do STF, sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia.

Todavia, tanto o julgado invocado pelo Ministro Gilmar Mendes, quanto aqueles utilizados pelo STJ para denegar o pedido da Defensoria, em verdade, davam suporte ao pedido da defesa, ao afirmarem que para regredir o regime é essencial a oitiva do apenado em juízo. Apresento abaixo trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia no RHC 116.190:

“Nos termos do parecer da Procuradoria-Geral da República, “ao limitar-se a homologar os termos do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), ou seja, ao decidir acerca da falta grave sem antes promover a oitiva do apenado (art. 118, §2º, LEP) e oportunizar a manifestação do Ministério Público (art. 67, LEP), o Juízo da Vara de Execuções Criminais não só desrespeitou a função fiscalizatória do órgão ministerial, como também obstou o amplo conhecimento do incidente”. (grifo nosso)

  1. Pelo exposto, encaminho a votação no sentido de negar provimento ao recurso, mas conceder a ordem de ofício para cassar a decisão do juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente/SP que reconheceu a falta grave e “determinar que outra seja proferida após a oitiva do apenado em juízo e a manifestação das partes – Defesa e Ministério Público”” (negritado no original)

Em meu agravo, que transcreverei ao final, apontei a contradição entre os precedentes invocados e as conclusões do STJ e do Ministro relator no STF, já que a regressão de regime pela falta grave exige, segundo o entendimento consolidado do STJ e adotado também pelo STF, a oitiva do preso.

O Ministro Gilmar Mendes reconsiderou a decisão, nos termos apontados a seguir:

“No presente, o agravante sustenta que, ouvido em processo administrativo disciplinar, o apenado deve ser ouvido também em Juízo, se houver regressão de regime, o que não teria ocorrido.

Traz, ainda, precedente da Segunda Turma desta Corte, que dá conta de que a oitiva em Juízo, no caso de regressão de regime pela ocorrência de falta grave, é indispensável: RHC 116.190, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 10.6.2013.

No caso do agravante, conquanto o Juízo das Execuções não tenha realizado a mera homologação do resultado do processo administrativo disciplinar, pois, antes, ouviu a Defensoria e o Ministério Público, conforme se observa das petições constantes do eDOC 1, p. 27-34, tenho que interrogatório é indispensável.

A mera manifestação da defesa, no caso de regressão de regime, não supre a outiva pessoal do apenado, motivo por que deve a decisão ser cassada.”

Segue, abaixo, o agravo interno.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 23 de agosto de 2019

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

 

O Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Blumenau homologou o procedimento administrativo disciplinar instaurado em face do paciente, determinando a sua regressão ao regime fechado, fixando nova data-base e declarando a perda de 1/3 dos dias remidos, pela prática de falta grave consistente em fuga (artigo 50, II, da LEP), por ter deixado de retornar de saída temporária.

Inconformada, a Defensoria Pública impetrou ordem de habeas corpus em favor do paciente, arguindo a inexistência de audiência de justificação para o reconhecimento da falta grave.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por sua Primeira Câmara Criminal, não conheceu da ordem sob o fundamento de que a discussão deveria ser desafiada por meio de agravo em execução.

Irresignada com o acórdão, a Defensoria Pública se insurgiu devolvendo a discussão da matéria ao Superior Tribunal de Justiça através de habeas corpus, que restou não conhecido monocraticamente. Em sede de agravo interno, a decisão singular foi mantida, negando-se provimento ao recurso.

Em seguida, a defesa interpôs recurso ordinário em habeas corpus, desprovido monocraticamente. No entanto, tal decisão não merece prosperar, como será demonstrado a seguir.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

 

O presente agravo volta-se contra r. decisão monocrática que negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus em que se pede a concessão da ordem a fim de que seja reconhecida a ilegalidade e determinada a realização de audiência de justificação, uma vez que fora aplicada a pena de regressão de regime em caráter definitivo ao final de procedimento administrativo voltado à apuração de falta grave, sem que antes houvesse a audiência de justificação, sendo esta imprescindível.

No caso em tela, está-se diante flagrante ilegalidade: o Juízo de origem homologou a falta grave, aplicando ao paciente as sanções de regressão de regime, fixação de nova data-base e perda de 1/3 dos dias remidos, sem que antes houvesse audiência de justificação, nos termos do disposto no artigo 118, §2º, da LEP.

E isso porque, sendo aplicada pena de regressão de regime ao final de procedimento administrativo voltado à apuração de falta grave, a audiência de justificação é imprescindível, ainda que a ampla defesa e o contraditório tenham sido minimamente respeitados no curso do processo administrativo.

Ao contrário do que se afirmou, tanto no acórdão que negou provimento ao agravo regimental no STJ, quanto na decisão monocrática que desproveu o recurso em habeas corpus, há entendimento pacífico do STJ, que se amolda ao caso em tela, no sentido de que a audiência de justificação prevista no § 2º do artigo 118 da LEP é indispensável quando ocorrer a regressão de regime em caráter definitivo.

A homologação de falta grave apurada em procedimento administrativo disciplinar que resultar em regressão de regime, conforme jurisprudência citada, inclusive para fundamentar o não provimento do agravo regimental na Corte Superior, exige audiência prévia de justificação.

Embora já esteja acostada aos autos eletrônicos, o agravante anexa, ao presente, a decisão de primeiro grau, para que fique fácil sua análise e a constatação de que a jurisprudência invocada vai ao encontro do quanto pleiteado pela defesa.

Transcrevem-se dois dos julgados extraídos do voto do Ministro Relator Joel Ilan Paciornik, condutor do agravo regimental no HC 457600:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. FALTA GRAVE.

CONSECTÁRIOS LEGAIS. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE AO ACUSADO QUE SE ENCONTRA EM REGIME FECHADO. PRECEDENTES.

I – Imprescindível a oitiva prévia do apenado em juízo para a decretação da perda dos dias remidos na hipótese em que, ao final de procedimento apuratório disciplinar, constata-se que houve a prática de falta grave, e o condenado foi previamente ouvido e esteve acompanhado de advogado no âmbito do processo administrativo.

II – O artigo 118 da LEP exige a oitiva prévia apenas nos casos de regressão definitiva de regime prisional, o que não é a hipótese dos autos.

III – Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AgRg no REsp 1704696/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 21/02/2018) grifo nosso

“EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

FALTA GRAVE. APURAÇÃO EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

OBSERVÂNCIA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE REGRESSÃO DE REGIME. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 282/STF E 356/STF.

  1. Apurada a falta grave em procedimento administrativo disciplinar no qual foram assegurados a ampla defesa e o contraditório, e cuja homologação não resultou em regressão de regime, como na espécie, desnecessária a realização de audiência de justificação judicial para nova oitiva do apenado. Precedentes.
  2. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é defeso, em âmbito de agravo regimental, ampliar a quaestio veiculada nas razões do recurso especial.
  3. Ademais, a questão da nulidade do procedimento administrativo disciplinar não foi objeto de debate pelo Tribunal de origem, sendo que nem sequer foram opostos embargos de declaração para esse fim.

Incidência, portanto, das Súmulas n. 356 e 282/STF. 4. Agravo regimental desprovido.”

(AgRg no AREsp 843.327/RO, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 28/11/2017) grifo nosso

Tais precedentes poderiam, e deveriam ser usados para prover o recurso e não para desprovê-lo. Os julgados acima deixam claro que a audiência é desnecessária não ocorrendo a regressão de regime.

Logo, havendo regressão de regime resultante de PAD, há ilegalidade caso a audiência de justificação não seja realizada. Afinal, o artigo 118 da LEP exige a oitiva prévia do condenado nos casos de regressão definitiva de regime prisional, que é a hipótese dos autos (decisão em anexo).

Confira-se ementa publicada pela mesma Quinta Turma do STJ, apenas um mês após a publicação do acórdão do caso em tela:

“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.

INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. FALTA GRAVE. APURAÇÃO MEDIANTE REGULAR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE OITIVA JUDICIAL DO SENTENCIADO. REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. VIOLAÇÃO AO ART. 118, § 2º DA LEP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

  1. O Superior Tribunal de Justiça, secundando orientação do Supremo Tribunal Federal, não mais admite a utilização do habeas corpus como substituto do recurso próprio. Verificada, entretanto, ilegalidade flagrante, caso em que a ordem pode ser concedida de ofício, como forma de cessar o constrangimento ilegal.
  2. Este Tribunal possui orientação no sentido ser ”desnecessária a realização de audiência de justificação para homologação de falta grave, se ocorreu a apuração da falta disciplinar em regular procedimento administrativo, no qual foi assegurado, ao reeducando, o contraditório e ampla defesa, inclusive com a participação da defesa técnica” (HC 333.233/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 6/11/2015).
  3. No entanto, quando o reconhecimento da falta grave acarreta a regressão definitiva do regime prisional, o § 2º do art. 118 da LEP exige a oitiva prévia do apenado pelo Juízo das execuções, o que não ocorreu na hipótese dos autos, configurando, assim, o apontado constrangimento ilegal. Precedentes.
  4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar afastar o reconhecimento da falta grave, determinando-se a realização de audiência de justificação (art. 118, § 2º da LEP).”

(HC 478.649/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 15/03/2019) grifo nosso

O entendimento pacífico e atual da Corte Superior está ao lado do paciente, pelo que a decisão tomada naquele Tribunal parece ter incorrido em confusão.

A decisão ora agravada repetiu, com a devida vênia, o equívoco cometido pelo STJ quanto à situação experimentada no presente caso. Calha transcrever o precedente invocado, em sede de decisão monocrática, pelo Eminente Ministro Relator:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. 1. OITIVA DO RECORRENTE E ASSISTÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA A APURAÇÃO DA FALTA GRAVE. 2. FALTA GRAVE. REINÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PARA O BENEFÍCIO DA PROGRESSÃO DE REGIME. 3. RECONHECIMENTO DA FALTA GRAVE SEM OITIVA DO RECORRENTE E DA ACUSAÇÃO EM JUÍZO. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Não há falar em nulidade da fase administrativa do procedimento para apuração da falta grave atribuída ao Recorrente; evidência de sua oitiva no momento apropriado e da assistência da defesa técnica. 2. O Supremo Tribunal Federal assentou que o cometimento de falta grave impõe o reinício da contagem do prazo exigido para a obtenção do benefício da progressão de regime de cumprimento da pena. Precedentes. 3. Recurso ao qual se nega provimento. 4. Ordem concedida de ofício para cassar a decisão judicial do juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente/SP que reconheceu a falta grave e “determinar que outra seja proferida após a oitiva do apenado em juízo e a manifestação das partes – Defesa e Ministério Público”. (RHC 116190, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 07/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 07-06-2013 PUBLIC 10-06-2013) grifo nosso

Extrai-se do voto condutor da Eminente Ministra Cármen Lúcia no RHC 116190:

“Nos termos do parecer da Procuradoria-Geral da República, “ao limitar-se a homologar os termos do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), ou seja, ao decidir acerca da falta grave sem antes promover a oitiva do apenado (art. 118, §2º, LEP) e oportunizar a manifestação do Ministério Público (art. 67, LEP), o Juízo da Vara de Execuções Criminais não só desrespeitou a função fiscalizatória do órgão ministerial, como também obstou o amplo conhecimento do incidente”. (grifo nosso)

  1. Pelo exposto, encaminho a votação no sentido de negar provimento ao recurso, mas conceder a ordem de ofício para cassar a decisão do juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente/SP que reconheceu a falta grave e “determinar que outra seja proferida após a oitiva do apenado em juízo e a manifestação das partes – Defesa e Ministério Público”” (negritado no original)

Em suma, a decisão invocada casa-se com o pleito do agravante: para haver regressão de regime, essencial a oitiva do apenado em Juízo.

Deve, portanto, ser exercido o juízo de reconsideração ou provido o agravo para, ao final, dar-se provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, anulando-se a decisão tomada em desfavor do recorrente, pelo Juízo da Execução Penal, determinando-se a realização da oitiva do agravante em obediência ao disposto no artigo 118, §2º da LEP.