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Benefício assistencial, Defensoria e representatividade

Benefício assistencial, Defensoria e representatividade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O Supremo Tribunal Federal atribuiu repercussão geral ao RE 587.970, que trata da possibilidade de concessão de benefício assistencial mensal, previsto na Lei 8.742/93, ao estrangeiro pobre, idoso ou deficiente, que resida no Brasil.

O citado processo não é patrocinado pela Defensoria Pública da União, pelo que pedimos nossa admissão no feito, na condição de amicus curiae. Como se sabe, a DPU tem intensa militância na área, tanto da seguridade social em geral, quanto no atendimento a estrangeiros carentes, nas mais diversas causas, penais e extrapenais.

Infelizmente, o Ministro Marco Aurélio, relator, indeferiu a participação da Defensoria, em decisão datada de 26 de junho de 2011.

Apresentamos pedido de reconsideração, pleito que novamente foi rejeitado pelo Ministro relator, em 17 de agosto de 2015.

A DPU, como não poderia deixar de ser, tinha apresentado manifestações favoráveis à concessão do benefício, independentemente de qualquer condicionante.

Do outro lado, a União foi admitida a intervir no feito, em socorro à autarquia previdenciária, o INSS.

Foi admitido como amicus curiae o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, que, apesar de se manifestar favoravelmente à concessão da benesse, impôs condições inexequíveis, no sentir da Defensoria. Cumpre transcrever um parágrafo da petição de ingresso:

“Assim, para o reconhecimento dodireito objeto do presente Recurso Extraordinário, de concessão do Benefício de Prestação Continuada previsto no artigo 20 da Lei n° 8.742/93 para um estrangeiro residente no país deve se observado o direito a tratamento idêntico de Brasileiro junto ao Estado Italiano, cuja nacionalidade possui a Recorrida.”

Em suma, segundo o IBDP, deveria haver reciprocidade por parte do Estado de origem do requerente do benefício para sua concessão pelo Brasil. Embora o caso em concreto em análise seja de uma italiana, não é difícil imaginar casos envolvendo pessoas oriundas dos mais pobres países do mundo e a consequente impossibilidade de reciprocidade.

Pior, há nos autos manifestação da advogada da recorrida, a senhora estrangeira, informando que não pretende proferir sustentação oral, o que conduziria o julgamento a uma manifestação praticamente em uníssono, ou, se considerado o IBDP, com condicionantes das quais discordamos.

A DPU mantém contato com entidades que promovem o atendimento a pessoas carentes, pelo que redigimos o terceiro pedido de ingresso, dessa vez em nome da Cáritas São Paulo. Tal pleito ainda não foi apreciado pelo relator do Recurso Extraordinário. O problema é que o feito foi liberado para julgamento dois ou três dias antes de ajuizada esta última peça processual, o que pode significar empecilho.

Os diversos argumentos apresentados pela DPU estão enumerados nas 3 petições protocoladas perante o STF, desde junho de 2011. Temos grande atuação na área, em ações individuais e coletivas, atendemos inúmeros estrangeiros, somos a voz dos mais fracos diante da poderosa Fazenda Pública.

Em temas ligados à nossa militância, a participação da Defensoria Pública deveria ser vista como essencial. Não somos “donos dos pobres”, afirmação que ouvimos vez por outra, e nem pretendemos isso, mas temos experiência na atuação em favor dos grupos mais vulneráveis nas mais diversas regiões do país, que possuem suas peculiaridades. Desempenhamos, inequivocamente, papel próprio, característico. Espero que ele seja reconhecido e que sejamos ouvidos em nome de tantos que dependem do nosso trabalho.

Brasília, 14 de agosto de 2014

Participação ainda que tardia – julgamento

Participação ainda que tardia – julgamento

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Para atualizar a informação, comunico que o RE 841526 (responsabilidade do Estado pela morte de detento) foi julgado pelo Plenário do STF na sessão de 30/03/2016.

A voz do cidadão carente foi ouvida através da DPU na tribuna. Na verdade, ouso dizer que foi um trabalho em equipe bem legal em que cada um de nós que atua pela DPU no STF se encarregou de um papel para não deixar passar em branco discussão tão relevante (eu, Gustavo Zortéa e João Alberto Franco).

Melhor ainda foi o resultado, decisão favorável aos nossos assistidos por unanimidade: “Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.”

É inacreditável a discrepância entre a importância da DPU e a forma desrespeitosa como somos tratados pelo governo.

Continuamos na luta e nossa relevância será forçosamente reconhecida.

Brasília, 31 de março de 2016

 

Participação ainda que tardia

Participação ainda que tardia

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Alguns resultados, principalmente para quem trabalha com o que gosta, são muito satisfatórios e fazem compensar o esforço.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como regra, não permite a participação como amicus curiae após a inclusão do feito em pauta.

Esse entendimento pode trazer complicações, já que os processos não seguem ordem cronológica e muitas vezes feitos novos são pautados antes dos antigos, não havendo tempo, em muitas oportunidades, para que a Defensoria Pública identifique a matéria importante e peça sua admissão.

Foi exatamente o que aconteceu com o RE 841526. Calha transcrever a tese discutida no citado Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida:

“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. MORTE DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO. INDÍCIOS TANTO DE HOMICÍDIO QUANTO DE SUICÍDIO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, § 6º.”

O apelo extremo em questão entrou na pauta da sessão do Plenário do STF do dia 30/03/2016, sem que a Defensoria Pública da União tivesse pedido para ingressar no feito.

Mantivemos contato com o advogado da parte para saber se ele viria sustentar em favor do recorrido, que já terá contra si a fala do recorrente, Estado do Rio Grande do Sul e da União. Ele nos informou que não seria possível comparecer e apresentou tal manifestação nos autos.

Mesmo com o feito em pauta, pedimos para que fosse oportunizada à DPU a sustentação oral em Plenário, em homenagem ao princípio da paridade de armas, já utilizada para se admitir amicus curiae com processo pautado.

O Ministro Luiz Fux, relator, de forma célere, admitiu que a Defensoria profira sustentação oral, nos termos transcritos abaixo (fonte: sítio eletrônico do STF):

“Referente às Petições nº 14.070/2016 e nº 13.784/2016: “Trata-se de pedido formulado pela Defensoria Pública da União no qual pleiteia sua admissão no feito, na qualidade de amicus curiae. (…) Ex positis, ADMITO o ingresso no processo, na qualidade de amicus curiae, da Defensoria Pública da União, apenas para permitir a sustentação oral em Plenário de julgamento.”” 

Segue, abaixo, a petição apresentada ao STF para a admissão da Defensoria Pública da União como amicus curiae. Como se sabe, os processos com repercussão geral são públicos e sequer exigem assinatura digital para a consulta às suas peças. A observação dos fundamentos pode ser interessante para quem estuda o tema.

Brasília, 28 de março de 2016

 

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – RELATOR DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 841.526 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

 

RE 841.526

Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul

Recorrido: V J de Q (representado por Simone Jardim)

 

 

O DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., por intermédio do Defensor designado, conforme dispõe a Portaria 712, de 22 de novembro de 2011, requerer a sua admissão como AMICUS CURIAE, nos autos do RE 841.526, pelos motivos que passa a expor.

 

A matéria discutida no Recurso Extraordinário citado versa sobre a responsabilidade civil objetiva do Estado, em razão da morte de detento em estabelecimento penitenciário, tema que teve a repercussão geral reconhecida, para se discutir a tese abaixo (fonte: sítio eletrônico do STF):

 

“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. MORTE DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO. INDÍCIOS TANTO DE HOMICÍDIO QUANTO DE SUICÍDIO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, § 6º.”

 

É conhecida a atuação da Defensoria Pública na seara criminal, notadamente na defesa de uma ampla massa carcerária formada por pessoas carentes, em sua imensa maioria, bem como sua condição de órgão da execução penal, conforme disposto no artigo 61, inciso VIII, da Lei 7.210/1984, o que demonstra a sua representatividade para ingresso como amicus curiae, de modo a contribuir para a solução da demanda.

Some-se a isso a atividade desenvolvida pela Defensoria Pública na esfera cível, especialmente na tutela de interesses de hipossuficientes, dentre eles os que se lesionaram quando deveriam estar sob o pálio de proteção do Estado, atuando na busca de reparação pelos danos causados. Reforça esse argumento o RE 580252, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, com repercussão geral reconhecida, patrocinado pela Defensoria Pública, em que se discute indenização a ser paga ao preso em decorrência de superpopulação carcerária.

Claro está que a manifestação da Instituição será alinhada com a defesa dos direitos dos cidadãos que sofrem lesões e das famílias que têm seus entes mortos no cárcere.

Nesse sentido, estará em posição antagônica ao Estado recorrente, bem como a da União. Tal circunstância torna ainda mais importante a participação da DPU, levando à Suprema Corte a voz dos mais frágeis.

O subscritor conhece o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que incluído o feito em pauta não mais podem ser admitidos amici curiae. Entretanto, a Corte tem abrandado esse rigor, sendo relevante rememorar o ocorrido no julgamento do RE 635659 (discussão sobre a descriminalização das drogas para consumo), quando o Ministro Gilmar Mendes, relator, admitiu o ingresso de entidades para que interviessem no feito após sua colocação em pauta, no que foi seguido pelo Plenário. Calha transcrever o andamento do dia 19 de agosto de 2015, extraído da página eletrônica do STF:

 

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, resolveu questão de ordem no sentido de admitir o ingresso no feito na condição de amicus curiae, bem como o direito à sustentação oral, da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDF), da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), da Central de Articulação das Entidades de Saúde (CADES) e da Federação de Amor-Exigente (FEAE). Em seguida, após o relatório e as sustentações orais, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo recorrente, o Dr. Rafael Munerati, Defensor Público do Estado de São Paulo; pelo recorrido Ministério Público do Estado de São Paulo, o Dr. Márcio Fernando Elias Rosa, Procurador-Geral de Justiça; pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República; pelo amicus curiae Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, o Dr. Cristiano Ávila Maronna; pelo amicus curiae Viva Rio, o Dr. Pierpaolo Cruz Bottini; pelo amicus curiae Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o Dr. Augusto de Arruda Botelho; pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra Trabalho e Cidadania e pela Pastoral Carcerária, o Dr. Rafael Carlsson Custódio; pelo amicus curiae Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transgêneros – ABGLT, o Dr. Rodrigo Melo Mesquita; pelo amicus curiae Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos – ABESUP, a Dra. Luciana Boiteux; pelo amicus curiae Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL, o Dr. Wladimir Sérgio Reale; pelos amici curiae Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM e Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas – ABEAD, o Dr. David Azevedo; pelo amicus curiae Central de Articulação das Entidades de Saúde – CADES, a Dra. Rosane Rosolen Azevedo Ribeiro; pelo amicus curiae Federação de Amor-Exigente – FEAE, o Dr. Cid Vieira de Souza Filho, e pelo amicus curiae Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), o Dr. Paulo Fernando Melo da Costa. Ausente o Ministro Dias Toffoli, participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, da 2ª Assembleia Geral e Conferência Internacional da Associação Mundial de Órgãos Eleitorais, organizadas pela Associação Mundial de Órgãos Eleitorais (AWEB). Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.08.2015. grifo nosso

 

O informativo 795 do STF esclarece as razões da admissão aparentemente tardia:

 

Porte de droga para consumo pessoal e criminalização – 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica a conduta de porte de droga para consumo pessoal. Preliminarmente, o Colegiado resolveu questão de ordem no sentido de admitir, na condição de “amici curiae” e com o direito de realizarem sustentação oral, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDF), a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), a Central de Articulação das Entidades de Saúde (CADES) e a Federação de Amor-Exigente (FEAE). As referidas entidades não teriam se inscrito até o momento em que o processo fora colocado em pauta. O Tribunal entendeu que a admissão dos referidos “amici curiae” seria importante do ponto de vista da paridade de armas e auxiliaria os trabalhos da Corte. Além disso, haveria dois grupos: os favoráveis à constitucionalidade da lei e os contrários a ela. Assim, ambos os grupos teriam o direito a 30 minutos de sustentação oral cada, e dividiriam o tempo entre as entidades como aprouvesse. No mérito, o Ministro Gilmar Mendes (relator) proveu o recurso, para: a) declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do referido dispositivo, de forma a afastar todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, manteve, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas, com natureza administrativa; b) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 11.343/2006, no sentido de que, tratando-se de conduta prevista no art. 28 do diploma, o autor do fato será apenas notificado a comparecer em juízo; c) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 50, “caput”, da Lei 11.343/2006, no sentido de que, na prisão em flagrante por tráfico de droga, o preso deve, como condição de validade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, ser imediatamente apresentado ao juiz; e d) absolver o acusado, no caso, tendo em vista a atipicidade da conduta. Ademais, determinou ao CNJ as seguintes providências: a) diligenciar, no prazo de seis meses, a contar desta decisão, por meio de articulação com tribunais de justiça, CNMP, Ministério da Justiça e Ministério da Saúde, sem prejuízo de outros órgãos, os encaminhamentos necessários à aplicação, no que couber, das medidas previstas no art. 28 da Lei 11.343/2006, em procedimento cível, com ênfase em atuação de caráter multidisciplinar; b) articulação, no prazo de seis meses, a contar desta decisão, entre os serviços e organizações que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e da rede de atenção a usuários e dependentes, por meio de projetos pedagógicos em campanhas institucionais, entre outras medidas, com estratégias preventivas e de recuperação adequadas às especificidades socioculturais dos diversos grupos de usuários e das diferentes drogas utilizadas; c) regulamentar, no prazo de seis meses, a audiência de apresentação do preso ao juiz determinada nesta decisão, com respectivo monitoramento; e d) apresentar ao STF, a cada seis meses, relatório das providências determinadas nesta decisão e resultados obtidos, até ulterior deliberação.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 19 e 20.8.2015. (RE-635659) grifo nosso

 

Assim, ante a ausência do advogado da parte autora no Plenário, conforme manifestação datada de 22 de março deste ano, juntada aos autos, o ingresso da Defensoria Pública da União, com a possibilidade de sustentação oral, agregaria equilíbrio ao debate, bem como resguardaria a paridade de armas no deslinde da questão.

Assim, preenchidos os requisitos previstos no artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei n. 9.868/1999, aplicáveis aos casos de Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal, a Defensoria Pública da União requer o seu ingresso como amicus curiae, bem como lhe seja facultada a sustentação oral em Plenário. 

 

Nestes termos,

Pede deferimento.

 

Brasília, 22 de março de 2016.

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal