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Efeitos colaterais da questão de ordem sobre o foro por prerrogativa

Efeitos colaterais da questão de ordem sobre o foro por prerrogativa

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Ao julgar a Questão de Ordem na AP 937, em que se discutiu a restrição ao foro por prerrogativa de função, popularmente chamado de foro privilegiado, o STF teve como objetivo limitar o alcance da prerrogativa, fixando parâmetros para o julgamento de feitos penais originários perante a Corte.

Embora entenda e concorde com a necessidade de redução do alcance do foro privilegiado no Brasil, penso que as alterações deveriam ter origem no Poder Legislativo e não em decisões judiciais.

Certo é que o STF entendeu por restringir o foro, advindo de tal decisão algumas questões que, em meu sentir, têm sido contraditórias com o escopo do Tribunal ao resolver a questão de ordem.

Tratarei de apenas uma delas, ocorrida, aliás, em recente processo patrocinado pela Defensoria Pública da União. Antes, transcrevo a decisão tomada na questão de ordem na AP 937:

“Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, resolveu questão de ordem no sentido de fixar as seguintes teses: “(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”, com o entendimento de que esta nova linha interpretativa deve se aplicar imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedente firmado na Questão de Ordem no Inquérito 687 (Rel. Min. Sydney Sanches, j. 25.08.1999), e, como resultado, no caso concreto, determinando a baixa da ação penal ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro para julgamento, tendo em vista que (i) os crimes imputados ao réu não foram cometidos no cargo de Deputado Federal ou em razão dele, (ii) o réu renunciou ao cargo para assumir a Prefeitura de Cabo Frio, e (iii) a instrução processual se encerrou perante a 1ª instância, antes do deslocamento de competência para o Supremo Tribunal Federal. Vencidos: em parte, os Ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, que divergiam do Relator quanto ao item (i); em parte, o Ministro Marco Aurélio, que divergia do Relator quanto ao item (ii); em parte, o Ministro Dias Toffoli, que, em voto reajustado, resolveu a questão de ordem no sentido de: a) fixar a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os membros do Congresso Nacional exclusivamente quanto aos crimes praticados após a diplomação, independentemente de sua relação ou não com a função pública em questão; b) fixar a competência por prerrogativa de foro, prevista na Constituição Federal, quanto aos demais cargos, exclusivamente quanto aos crimes praticados após a diplomação ou a nomeação (conforme o caso), independentemente de sua relação ou não com a função pública em questão; c) serem inaplicáveis as regras constitucionais de prerrogativa de foro quanto aos crimes praticados anteriormente à diplomação ou à nomeação (conforme o caso), hipótese em que os processos deverão ser remetidos ao juízo de primeira instância competente, independentemente da fase em que se encontrem; d) reconhecer a inconstitucionalidade das normas previstas nas Constituições estaduais e na Lei Orgânica do Distrito Federal que contemplem hipóteses de prerrogativa de foro não previstas expressamente na Constituição Federal, vedada a invocação de simetria; e) estabelecer, quando aplicável a competência por prerrogativa de foro, que a renúncia ou a cessação, por qualquer outro motivo, da função pública que atraia a causa penal ao foro especial, após o encerramento da fase do art. 10 da Lei nº 8.038/90, com a determinação de abertura de vista às partes para alegações finais, não altera a competência para o julgamento da ação penal; e, em parte, o Ministro Gilmar Mendes, que assentou que a prerrogativa de foro alcança todos os delitos imputados ao destinatário da prerrogativa, desde que durante a investidura, sendo desnecessária a ligação com o ofício, e, ao final, propôs o início de procedimento para a adoção de Súmula Vinculante em que restasse assentada a inconstitucionalidade de normas de Constituições Estaduais que disponham sobre a competência do Tribunal de Justiça para julgar autoridades sem cargo similar contemplado pela Constituição Federal e a declaração incidental de inconstitucionalidade dos incisos II e VII do art. 22 da Lei 13.502/17; dos incisos II e III e parágrafo único do art. 33 da Lei Complementar 35/79; dos arts. 40, III, V, e 41, II, parágrafo único, da Lei 8.625/93; e do art. 18, II, “d”, “e”, “f”, parágrafo único, da Lei Complementar 75/93. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 3.5.2018.”

O item ii das teses apresentadas acima criou situação curiosa de perpetuatio jurisdictionis que se prolonga por tempo indeterminado, mesmo após a função justificadora da prerrogativa de foro ter se encerrado há muito. Reproduzo o item:

(ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo” (…)

Pois bem, na Ação Penal 1014, há duas acusadas. Apenas uma delas era detentora de foro por ter sido deputada federal, não tendo sido reconduzida ao cargo nas eleições de 2018 (não foi reeleita). Portanto, atualmente, as duas acusadas não detêm qualquer prerrogativa.

Ainda assim, a Primeira Turma do STF, na sessão de 28 de maio de 2019, reconheceu ter sido prorrogada sua competência, julgando e absolvendo as duas acusadas. Transcrevo a decisão extraída do sítio eletrônico do STF:

“Decisão: A Turma, por unanimidade, julgou improcedente a ação penal para absolver as rés por não haver prova da existência do fato, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, a Ministra Rosa Weber, Relatora, e o Ministro Luís Roberto Barroso, Revisor, que as absolviam na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Falaram: o Dr. Marcelo Leal de Lima Oliveira pela Ré Maria Laura Monteza de Souza Carneiro e a Dra. Tatiana Melo Aragão Biachini, Defensora Pública da União, pela Ré Jane Cleide Herculano de Siqueira. Presidência do Ministro Luiz Fux. Primeira Turma, 28.5.2019.”

Realmente, a instrução tinha se encerrado quando a acusada ainda era deputada, pelo que a Turma seguiu o quanto decidido na questão de ordem acima transcrita. Todavia, a situação serviu para mostrar, ao menos em meu sentir, as consequências que podem advir do entendimento adotado na AP 937.

Como se sabe, o término da instrução não é garantia de julgamento próximo pelo STF, o que pode significar a manutenção de um processo no Tribunal por anos, sem que nenhum dos acusados seja ainda detentor de foro.

Permito-me, nesse ponto, fazer uma observação e uma sugestão. Realmente houve casos de renúncia ao mandato feita momentos antes do julgamento do detentor do foro pelo STF, para se tentar adiar a análise do caso e, assim, consumar-se a prescrição. Não foi o caso ocorrido na AP 1014. Por outro lado, como mencionado, o final da instrução não indica julgamento próximo. Portanto, o mais razoável, em meu sentir, seria que a competência do STF se prorrogasse a partir do momento em que marcada a data para o julgamento.

Na forma estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, a questão de ordem na AP 937 acabou por criar um paradoxo. Por um lado, a Corte restringiu o foro mesmo para quem está em pleno exercício de algum cargo que o justifique, desde que a conduta praticada não guarde relação com o desempenho funcional – distinção, aliás, que a Constituição não fez -, por outro lado, pessoas sem foro há tempos podem ser julgadas pelo STF de forma originária.

Li algumas notícias sobre o julgamento da AP 1014, mas não vi ninguém destacando esse aspecto, quem sabe por ter o julgamento resultado em absolvição. Fosse a conclusão diferente, talvez a celeuma surgisse.

Brasília, 30 de maio de 2019

 

Gangorra processual

Gangorra processual

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O caso que contarei aconteceu em um processo sob segredo de justiça, portanto, não indicarei seu número ou descerei a detalhes. Todavia, isso não prejudica o que importa seja narrado como indicativo das consequências complicadoras do foro por prerrogativa.

Como se sabe, no Brasil, há milhares de autoridades com foro por prerrogativa de função. Muito se discute se esse foro, usualmente chamado de privilegiado, é responsável pela impunidade.

Embora discorde de solução advinda de decisão judicial (refiro-me à questão de ordem julgada pelo STF), por entender que a restrição ao foro deve vir pela via legislativa, penso que o exemplo simples a ser contado a seguir mostra que a prerrogativa acaba se tornando escudo, muitas vezes, é bom que se diga, até por equívocos das autoridades envolvidas.

Certo deputado estadual começou a ser investigado por suposto crime no exercício do mandato. Foram determinadas quebras de sigilo bancário e telefônico do parlamentar. O problema é que todas essas quebras foram autorizadas por Juízo de primeiro grau, apesar do foro previsto na Constituição do Estado em questão para deputados.

O Estado ajuizou então reclamação junto ao STF, que concordou com o reclamante e determinou que o caderno investigativo fosse remetido ao TJ.

Já no TJ, mais da metade dos desembargadores se declararam suspeitos para julgar o deputado, o que fez com que os autos fossem remetidos ao STF (artigo 102, I, n da CF/88).

O Ministro relator, no STF, após intimar a defesa constituída, que restou inerte, encaminhou os autos à Defensoria Pública da União para oferecimento de resposta preliminar.

Assim foi feito, sendo apontada, como linha inicial da peça, a nulidade das provas obtidas através de quebra de sigilo determinado por Juízo incompetente, em claro desrespeito ao foro por prerrogativa.

A manifestação seguinte da Procuradoria Geral da República sequer refutou a quebra de sigilo por Magistrado de primeiro grau, limitando-se a afirmar que isso não resultou em prejuízo.

Estaria tudo pronto para o julgamento, se não fosse o fato de o investigado ter perdido o foro em razão do final do mandato. Resultado, o Ministro relator determinou o retorno dos autos à primeira instância da Justiça Estadual.

Ou seja, o Juízo que determinou as quebras que a defesa alega serem nulas em razão do foro irá analisar o caso? Outra coisa, se o tribunal já se declarou suspeito, novamente será aplicado o artigo 102, I, n, da CF/88, em caso de apelação, remetendo-se o processo novamente ao STF?

Claro, a demora se iniciou pelo erro do Ministério Público e do Juízo de primeiro grau que ostensivamente atuaram em inquérito envolvendo detentor de foro por longo período, é importante destacar, mas realmente o foro acaba criando situações, como a narrada acima, que atrasam enormemente o julgamento dos processos.

Outros aspectos curiosos do caso são a devolução do feito a quem, originariamente, teria atuado usurpando competência alheia, no caso, o Juízo de primeiro grau, bem como o que farão os Desembargadores quando o feito voltar ao TJ.

Agora que o processo desceu, devo perder o contato com ele, mas seria um interessante caso para estudo e reflexão.

Brasília, 16 de fevereiro de 2019

Seletividade

Seletividade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Estava preparando um texto um pouco mais longo, que talvez divulgue depois. Todavia, após ler uma notícia publicada no jornal Folha de São Paulo, de 14 de novembro de 2016, informando que em 96,5% das ações penais movidas contra congressistas não houve qualquer punição ao acusado[1], faço questão de comentar três habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União perante o STF com que tive contato, apenas nos últimos dias, tratando da aplicação do princípio da insignificância ao delito de furto.

HC 137.838 – o paciente desta impetração foi acusado de furto simples, na forma tentada, de uma peça de picanha no valor de R$ 40,80. Foi condenado a 9 meses de reclusão em regime semiaberto por ser reincidente. O Ministro Teori Zavascki concedeu a liminar para colocá-lo em regime aberto até o julgamento final do writ, ainda pendente.

RHC 137.411 – o recorrente neste caso foi acusado da suposta prática de furto simples tentado de uma bolsa contendo R$ 30,00. Foi condenado à uma pena de 1 ano, 5 meses e 10 dias, no regime inicial semiaberto. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pelo desprovimento do recurso – Dra. Cláudia Sampaio Marques. O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do recorrente.

HC 136.286 – o paciente no caso foi acusado da suposta prática de furto simples, na forma tentada, de dois pares de chinelo no valor de R$ 30,00 de um supermercado, sendo abordado, na saída pelos seguranças do estabelecimento. Foi condenado a 9 meses e 10 dias de reclusão no regime inicial semiaberto, sendo ele reincidente. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pela denegação da ordem – Dra. Cláudia Sampaio Marques.  O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, denegou a ordem de habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do paciente.

Vejam os 3 casos. Furtos tentados nos valores de R$ 40,80, R$ 30,00 e R$ 30,00. Crimes sem violência ou ameaça, bens restituídos.

Agora, leiam as notícias sobre os detentores de foro privilegiado, também chamado de “por prerrogativa de função”.

Sim, são situações diferentes, mas me parece – talvez seja equívoco meu – que o rigor é maior com o mais pobre, que praticou conduta ínfima.

Ah, mas são reincidentes! Só podem ser reincidentes por terem sido julgados algum dia. Se os processos tramitassem por anos, seriam primários.

Você agravou nos dois casos com decisão definitiva? Não. Eles seriam julgados no Plenário virtual sem que eu, ao menos, pudesse sustentar.

Ah, mas quem pratica vários furtos tem mesmo que ser julgado e condenado. Pena que, ao que me parece, essas pessoas são as que mais são julgadas e condenadas… O caso do bombom – lembram-se? – é bem mais comum do que parece.

Não sou abolicionista, mas precisamos repensar nosso sistema. E meros discursos contra o encarceramento não vão resolver.

Devemos aumentar o rigor? Que tal começarmos com os graúdos? De qualquer modo, excessos não me agradam, preciso dizer para concluir.

Brasília, 15 de novembro de 2016

 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1832077-prescricao-atinge-um-terco-de-acoes-contra-politicos-no-supremo.shtml

Sem critério aparente

Sem critério aparente

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Já comentei algumas vezes em uma rede social que, definitivamente, não entendo o critério adotado pelo STF para decidir pelo desmembramento ou não dos inquéritos e ações penais que envolvam, além do detentor do chamado foro por prerrogativa de função, pessoas que não disponham de tal condição.

Com mais de 9 anos de militância perante a Suprema Corte e tendo atuado em diversos feitos penais originários, dentre eles a famosa Ação Penal 470, seja em favor daquele que goza da prerrogativa, seja de corréu, chego à conclusão de que a decisão é aleatória.

Na data de 21 de junho de 2016, a 2ª Turma do STF recebeu a denúncia ofertada em desfavor de Deputado Federal (Inq 3997). A inicial foi admitida também contra os demais acusados, estes sem foro. O processo foi mantido integralmente perante o Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, no dia 22 de junho seguinte, outra denúncia foi apreciada (Inq 4146), tratando, aliás, do mesmo procedimento investigativo tão famoso na República na época atual, sendo mantido, por ampla maioria dos votos do Plenário, o desmembramento do feito em relação aos que não possuem foro por prerrogativa, popularmente chamado de privilegiado.

Em ambos os processos, os diversos acusados são familiares entre si, pais, filhos, cônjuges. A acusação, em linhas gerais, que pesa contra os réus nos respectivos feitos é a de corrupção e lavagem de dinheiro. Ora, parece óbvio que o dinheiro alegadamente recebido em decorrência de corrupção passiva foi ofertado justamente aos parlamentares, sendo improvável que tenha havido tentativa de se corromper a esposa ou o filho de um Deputado.

Parece-me cristalino, com a devida licença, que ou existem razões para a cisão em ambas as ações penais ou não existe em nenhuma. Claro, não acessei os autos e menos ainda os votos proferidos recentemente pelos Ministros, mas as justificativas apresentadas, com o devido respeito, parecem-me não resistir a uma análise minimamente aprofundada. Se a família de um participou da corrupção, segundo a acusação, qual a diferença da família do outro? Se o dinheiro fosse lícito em relação à família, nem denúncia o Ministério Público deveria ter ofertado; por outro lado, se os familiares foram implicados na movimentação dos valores supostamente oriundos de crime, pouco importa a forma em que tal participação se deu para o julgamento em conjunto.

Medo de que o STF tenha que julgar processos com incontáveis acusados, tal como aconteceu na AP 470, também não é critério de alteração da competência. Aliás, se esse argumento foi mesmo utilizado, ele parece demonstrar a dificuldade técnica em se justificar as decisões discrepantes em situações bem assemelhadas. Calha destacar que a separação de processos prevista no artigo 80 do CPP não é capaz de alterar o foro por prerrogativa. Se assim fosse, um crime cometido por 50 Deputados em concurso de pessoas, por exemplo, deveria ser remetido a outra instância. O correto é o agrupamento das acusações em vários inquéritos e ações penais de acordo com o liame da conduta dos agentes, sem, contudo, alterar-se a instância de processo e julgamento.

Particularmente, havendo concurso de pessoas ou conexão, sou favorável à manutenção do processo em um só Juízo, como regra. Isso minimiza a chance de decisões discrepantes entre instâncias distintas, o que pode gerar situações ensejadoras de perplexidade, como a absolvição de quem tem foro pelo STF e a condenação de quem não tem pelo Juízo de Primeiro Grau, criando-se, por exemplo, uma associação criminosa de uma só pessoa.

Aliás, em decorrência de uma falha na intimação, a AP 470 foi desmembrada quanto ao assistido da Defensoria Pública da União. Uma das acusações que pesava contra ele era da prática do crime de quadrilha. As demais pessoas que foram denunciadas juntamente com ele por tal delito foram absolvidas. Assim, opusemos embargos de declaração perante o STF, com pedido de concessão de habeas corpus de ofício, para que o Tribunal reconhecesse que, absolvendo os corréus, o Juízo que recebesse o feito desmembrado não poderia condenar o assistido pela quadrilha, pois, para isso, teria que “rescindir” o acórdão do Plenário do STF quanto aos demais acusados, ou criar a quadrilha unipessoal. A ordem foi concedida de ofício, sendo decotado tal crime da acusação.

Também me causa curiosidade o procedimento em que se recebe a denúncia para, em seguida, promover-se o desmembramento imediato. Ora, se já se entendia que não havia motivo para a manutenção do foro privilegiado em relação a todos os acusados, por que se esperar o recebimento da denúncia para reconhecê-lo? Se a extensão do foro para quem dele não dispõe é excepcional, já não era assim antes da apreciação da denúncia?

Competência para processo e julgamento de acusados em processo penal é questão intimamente ligada ao Juízo natural, fundamental em um regime democrático. A falta de um critério aparente é bastante preocupante, gerando insegurança jurídica e dúvidas nos jurisdicionados e até mesmo nos causídicos que militam perante a Corte.

Já conversei sobre o tema tratado nessas breves reflexões com diversas pessoas que atuam na seara penal, encontrando sempre a mesma resposta de incapacidade de se indicar o critério adotado pelo STF.

Esse texto não se aprofunda em aspectos técnicos, mas aponta contradições que entendo aparentes e que deveriam ser, ao menos, minimizadas pela Suprema Corte. Um critério mais claro evitaria muitos questionamentos.

Brasília, 23 de junho de 2016