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Observações quanto à prescrição penal

Observações quanto à prescrição penal

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

No texto abaixo, destaco aspectos que considero relevantes relativos à prescrição penal.

No julgamento dos HCs 138086 e 138088, pela 1ª Turma do STF, discutia-se, entre outras coisas, prazos interruptivos da prescrição.

Foi decidido que, mesmo o acórdão que provê apelo defensivo, mantendo, todavia, a condenação, tem como consequência a interrupção da prescrição (claro, o mesmo entendimento vale quando o acórdão mantém intacta a sentença recorrida). Transcrevo a ementa:

“Ementa: HABEAS CORPUS. ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE INTERROMPE O CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. 1. A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o acórdão que confirma a sentença condenatória, justamente por revelar pleno exercício da jurisdição penal, é marco interruptivo do prazo prescricional, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal. Acrescente-se que a decisão proferida pelo Tribunal em sede de apelação substitui a sentença recorrida, consoante reiteradamente proclamado em nossa legislação processual (art. 825 do CPC/1939; art. 512 do CPC/1973; art. 1.008 do CPC/2015). Entendimento firmado à unanimidade pela Primeira Turma. 2. Manutenção da posição majoritária do STF. No julgamento do HC 126.292/SP (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 17/5/2016), o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL concluiu que a execução provisória de condenação penal confirmada em grau de apelação, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. Esse entendimento foi confirmado no julgamento das medidas cautelares nas ADCs 43 e 44 (julgadas em 5/10/2016), oportunidade na qual se decidiu, também, pelo indeferimento do pedido de modulação dos efeitos. No exame do ARE 964.246 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 25/11/2016), pelo rito da repercussão geral, essa jurisprudência foi também reafirmada. 3. Habeas corpus denegado.” (HC 138088, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 19/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 24-11-2017 PUBLIC 27-11-2017)

Ou seja, segundo o entendimento adotado, a sentença condenatória é um marco interruptivo e o acórdão que mantém a condenação (ainda que provendo parcialmente recurso defensivo) é outro ponto de interrupção do interregno prescricional.

Curioso observar que o voto fala em interrupção da prescrição no momento da publicação do acórdão, vide abaixo:

“PRESCRIÇÃO – PRETENSÃO PUNITIVA. Há de considerar-se, na análise da prescrição, a data do acórdão que haja implicado a substituição da sentença proferida.”

e não na sessão de julgamento, entendimento que sempre prevaleceu no STF:

“EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Prescrição retroativa. Não ocorrência. A prescrição em segundo grau se interrompe na data da sessão de julgamento do recurso, e não na data da publicação do acórdão. Precedentes do Tribunal Pleno. Entendimento pacífico da Corte. Recurso não provido. 1. Segundo a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal, “o marco interruptivo do prazo prescricional previsto no artigo 117, IV, do Código Penal, mesmo com a redação que lhe conferiu a Lei 11.596/2007, é o da data da sessão de julgamento” (AP nº 409/CE-AgR-segundo, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 28/10/13). 2. Recurso ordinário ao qual se nega provimento.” (RHC 125078, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 07-04-2015 PUBLIC 08-04-2015)

Não digo que a matéria esteja consolidada no STF, mas é bom ficarmos atentos.

Ainda sobre prescrição, de forma majoritária, o STF entende que a redução da prescrição pela metade em razão de ter o acusado completado 70 anos só é aplicável quando a idade limite é atingida antes da publicação da primeira decisão condenatória.

Contudo, no julgado abaixo, a 1ª Turma do STF, em processo relatado pelo Ministro Luiz Fux, que, curiosamente, tem postura rigorosa em direito penal, entendeu que a idade de 70 anos pode ser atingida em qualquer momento antes do trânsito em julgado da condenação:

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRESCRIÇÃO. IDADE SUPERIOR A SETENTA ANOS NA DATA DO ACORDÃO QUE CONFIRMA A SENTENÇA CONDENATÓRIA. ARTIGO 115 DO CÓDIGO PENAL. 1. A faixa etária, para efeito de prescrição, deve ser considerada enquanto persiste a relação processual penal. 2. É que, recentemente, o Tribunal Pleno, na Ação Penal n. 516, reconheceu a prescrição em razão da idade avançada tendo o réu completado 70 anos após o julgamento da demanda, mas antes do seu trânsito em julgado, verbis: “Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). RÉU CONDENADO À PENA-BASE DE 3 (TRÊS) ANOS DE RECLUSÃO E 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, PARA CADA DELITO, QUE, NA AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES E AUMENTADA DE 1/6 (UM SEXTO) ANTE A CONTINUIDADE DELITIVA, FOI TORNADA DEFINITIVA EM 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES, E 30 DIAS-MULTA. PENA QUE, SOMADA, DEVIDO AO CONCURSO MATERIAL, TOTALIZOU 7 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO E 60 (SESSENTA) DIAS-MULTA, FIXADOS NO VALOR UNITÁRIO DE ½ (UM MEIO) SALÁRIO MÍNIMO, VIGENTE EM AGOSTO DE 2002 (TÉRMINO DA CONTINUIDADE DELITIVA), ATUALIZADOS MONETARIAMENTE DESDE ENTÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM FACE DO PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FISCAL E OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO, SUPERVENIENTES À SESSÃO DE JULGAMENTO E ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. EMBARGOS PROVIDOS.” 3. A aplicação do artigo 115 do Código Penal reclama interpretação teleológica e técnica interpretativa segundo a qual não se pode extrair de regra que visa a favorecer o cidadão razão capaz de prejudicá-lo, restringindo a extensão nela revelada. 4. Consectariamente, há de se tomar a idade do acusado, não na data do pronunciamento do Juízo, mas naquela em que o título executivo penal condenatório se torne imutável na via do recurso (Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Inquérito nº 2.584/SP, relator o Ministro Ayres Britto, sessão de 16 de junho de 2011). A extinção da punibilidade pela prescrição, tendo em conta o benefício decorrente da senilidade (70 anos) – idade completada no dia seguinte à sessão de julgamento, mas antes da publicação e da republicação do acórdão condenatório -, encontra ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que preconiza deva ser considerado o benefício, ainda na pendência de embargos: Habeas Corpus nº 89.969-2/RJ, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 05.10.2007. 5. Agravo Regimental provido para reconhecer a redução do prazo prescricional pela metade em razão da idade avançada do agravante (art. 115 do Código Penal) e declarar a extinção da pretensão punitiva do Estado, pela prescrição.” (ARE 778042 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 21/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 21-11-2014 PUBLIC 24-11-2014)

O entendimento é ainda isolado, mas deve ser anotado. Em sentido contrário estão algumas decisões recentes, inclusive em processos da DPU, que me levaram a estudar o tema:

“Ementa: RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL. AGENTE MAIOR DE 70 ANOS APÓS O JUÍZO CONDENATÓRIO. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 115 DO CP. 1. Inúmeros precedentes, firmados por ambas Turmas do STF e apoiados em abalizado entendimento doutrinário, são no sentido de que a redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do Código Penal é aplicável ao agente maior de 70 anos na data da sentença, e não na data em que o título executivo penal condenatório se tornou imutável. 2. Recurso ordinário improvido.” (RHC 125565, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 05/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG 19-05-2015 PUBLIC 20-05-2015)

Aliás, invoca-se, com frequência o acórdão dos embargos de declaração na AP 516 para se dizer que os embargos de declaração também seriam considerados, se acolhidos, por integrarem a decisão, como primeira condenação, pelo que aquele que completou 70 anos após a sentença (ou acórdão quando não houve condenação singular), porém antes da publicação da decisão (acórdão) dos aclaratórios seria alcançado pelo prazo reduzido pela metade. Todavia, não extraio esse entendimento dos segundos embargos opostos no caso em questão. Transcreve-se, abaixo, as ementas dos acórdãos dos primeiros e dos segundos embargos de declaração na AP 516:

Primeiros embargos:

“Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). RÉU CONDENADO À PENA-BASE DE 3 (TRÊS) ANOS DE RECLUSÃO E 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, PARA CADA DELITO, QUE, NA AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES E AUMENTADA DE 1/6 (UM SEXTO) ANTE A CONTINUIDADE DELITIVA, FOI TORNADA DEFINITIVA EM 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES, E 30 DIAS-MULTA. PENA QUE, SOMADA, DEVIDO AO CONCURSO MATERIAL, TOTALIZOU 7 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO E 60 (SESSENTA) DIAS-MULTA, FIXADOS NO VALOR UNITÁRIO DE ½ (UM MEIO) SALÁRIO MÍNIMO, VIGENTE EM AGOSTO DE 2002 (TÉRMINO DA CONTINUIDADE DELITIVA), ATUALIZADOS MONETARIAMENTE DESDE ENTÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM FACE DO PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FISCAL E OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO, SUPERVENIENTES À SESSÃO DE JULGAMENTO E ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. EMBARGOS PROVIDOS. 1 – Os embargos de declaração não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas lhe servem ao aprimoramento, devendo o órgão apreciá-los com espírito de compreensão, por consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal, havendo, inclusive, corrente jurisprudencial que admite a extrapolação do âmbito normal da eficácia dos embargos quando, utilizados para sanar omissões, contradições, obscuridades ou equívocos manifestos, impliquem modificação do que restou decidido no julgamento embargado. Precedentes: AI (Ag-Edcl) 163.047, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 8.3.96; RE (Edcl) 207.928, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 14.4.98. 1.1 Os efeitos infringentes ou modificativos dos embargos não encontram disposição expressa legal, mercê de os tribunais procederam à infringência com fundamento em excertos doutrinários e jurisprudenciais. Assim, contudo, não ocorre no âmbito do Supremo Tribunal Federal, dado que o Regimento Interno desta Corte, editado em face da autorização constitucional então vigente (Constituição Federal de 1967), expressamente dispõe no artigo 338 que, “se os embargos forem recebidos, a nova decisão se limitará a corrigir a inexatidão, ou a sanar a obscuridade, dúvida, omissão ou contradição, salvo se algum outro aspecto da causa tiver de ser apreciado como consequência necessária”. Admite-se, por conseguinte, a interposição de declaratórios contra julgados desta Corte em face da disposição contida na legislação especial que rege os processos e os procedimentos no âmbito do Supremo, mormente no que respeita ao caráter integrativo, e, a fortiori, também embargos com efeitos modificativos, o que significa não ser possível tomar como definitiva a decisão proferida pelo Plenário do Supremo, se o acórdão não transitou em julgado. 2. In casu, algumas particularidades deste processo hão de ser destacadas: a) na ata de julgamento juntada ao processo (folha 2181) não há qualquer referência à solução da controvérsia relacionada ao marco interruptivo da prescrição, se ocorrido quando da publicação do acórdão ou da data da sessão em que julgada a ação penal; b) não há referência também à determinação de cumprimento imediato do acórdão condenatório; c) Antes da publicação da ata e do referido acórdão, a defesa requereu a juntada dos comprovantes do pagamento do débito tributário e pugnou pela declaração da extinção da punibilidade, nos termos do artigo 9º da Lei nº 11.941/2009; d) após este fato, houve a publicação do acórdão, em 6 de dezembro de 2010, no bojo do qual não há referência ao marco interruptivo da prescrição, que se afirmou ocorrido na assentada do julgamento; e) foram interpostos os embargos de declaração, sustentando a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário, bem assim em virtude do transcurso do lapso prescricional na modalidade retroativa, com fundamento no artigo 109, IV, combinado com o artigo 115 do Código Penal (70 anos de idade); f) após a audiência do Procurador-Geral da República sobre os embargos, o relator determinou a realização de diligência junto a órgãos governamentais, visando obter informações a respeito do pagamento dos débitos pelo acusado, anexando-se ao processo a certidão pertinente e peça oriunda da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que prestou as informações a respeito da liquidação dos débitos; g) na sequência, o relator, que expressamente declarou ter sido motivado pela oposição dos embargos declaratórios, teve a iniciativa de consultar a íntegra da gravação, em áudio e vídeo, da sessão de julgamento da ação penal, vindo a constatar a ausência, nos diálogos que compõem o inteiro teor do acórdão, de relevantes passagens do que discutido e deliberado pelo Plenário; h) diligenciou-se junto à Secretaria Judiciária no sentido da degravação dos debates, acudindo ao processo a transcrição nos quais se verifica a solução da questão pertinente ao momento a ser considerado para ter a completude da idade de 70 anos, que não seria no dia da assentada, mas no dia seguinte à sua realização, bem assim a transcrição dos votos do relator e do revisor, nos quais está expresso “ser praxe” na Corte a interrupção da prescrição na data em que julgada pelo Plenário a ação penal originária (folha 2559). i) cumpridas as referidas diligências, o relator determinou (folha 2563) a retificação da ata da sessão, para nela fazer constar a deliberação do Colegiado acerca do marco interruptivo e “a posterior republicação do acórdão”. j) o processo julgado em 27 de setembro de 2010 somente teve o acórdão publicado, na sua completude e após retificações determinadas pelo relator, em 20 de setembro de 2011; k) o acusado reiterou os termos dos embargos declaratórios interpostos quando da primeira publicação. O Ministro Relator, que expressamente se disse “motivado” pelas razões dos declaratórios, procedeu a diversas diligências junto a órgãos governamentais, para certificar-se do efetivo pagamento do débito tributário; l) em seguida, motu proprio, determinou a retificação da ata que fora anteriormente aprovada pelo Plenário e das peças que compuseram o aresto, determinando a republicação do acórdão, tudo isso após terem sido protocolados e juntados ao processo os embargos declaratórios. Admito os embargos, que, assim, não são protelatórios. 3. In casu, são as seguintes as questões jurídicas submetidas à apreciação desta Corte: a) a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário, ocorrido após o julgamento, mas antes da publicação e da republicação do acórdão condenatório; b) e a extinção da punibilidade pelo transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa, considerando-se, inclusive, a idade de 70 (setenta) anos, que o acusado completou no dia seguinte à sessão de julgamento. 3.1 A extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário encontra respaldo na regra prevista no artigo 69 da Lei nº 11.941/2009, que não disciplina qualquer limite ou restrição em desfavor do agente, merecendo, no ponto, recordar a locução do Ministro Sepúlveda Pertence no Habeas Corpus nº 81.929/RJ, julgado em 16 de dezembro de 2003: “a nova lei tornou escancaradamente clara que a repressão penal nos crimes contra a ordem tributário é apenas uma forma reforçada de execução fiscal”. 3.2 O artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, dispõe que “em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício”, razão pela qual no julgamento do Habeas Corpus nº 85.661/DF, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 19.12.2007, embora se referindo a suspensão de processos criminais em virtude de parcelamento, que a legislação do Refis (Lei nº 10.684/2003) assentou-se que “aplica-se aos processos criminais pendentes, ou seja, ainda que não se tenha decisão condenatória, desde que não coberta pela preclusão na via recursal”. 4. Pedido de extinção da punibilidade em virtude do pagamento do débito tributário acolhido. 5. A extinção da punibilidade pela prescrição, tendo em conta o benefício decorrente da senilidade (70 anos) – idade completada no dia seguinte à sessão de julgamento, mas antes da publicação e da republicação do acórdão condenatório -, encontra ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que preconiza deva ser considerado o benefício, ainda na pendência de embargos: Habeas Corpus nº 89.969-2/RJ, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 05.10.2007. 6. A aplicação do artigo 115 do Código Penal reclama interpretação teleológica e técnica interpretativa segundo a qual não se pode tomar regra que visa a favorecer o cidadão de modo a prejudicá-lo, restringindo a extensão nela revelada. Há de tomar-se a idade do acusado, não na data do pronunciamento do Juízo, mas naquela em que o título executivo penal condenatório se torne imutável na via do recurso (Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Inquérito nº 2.584/SP, relator o Ministro Ayres Britto, sessão de 16 de junho de 2011). 6.1 In casu, o curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (CP, artigo 117, inciso IV). E, no caso sub examine, o acórdão condenatório foi republicado, sendo certo que, em razão dos embargos declaratórios ora em julgamento, procedeu-se à retificação substancial na ata de julgamento e na composição de votos, restando republicado o acórdão em 20 de setembro de 2011. 7. A prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, no caso sub judice, impõe considerar que ao acusado foi aplicada a pena de três anos e seis meses, para cada um dos crimes (concurso material) e a continuidade delitiva, cuja soma resulta 7 anos de reclusão; o prazo prescricional para cada um dos crimes é de 08 (oito) anos, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Código Penal, que é reduzido à metade (4 anos) em virtude da aplicação do disposto no artigo 115 do referido código. O último fato delituoso ocorreu em 2002 e o recebimento da denúncia – primeiro marco interruptivo da prescrição (CP, artigo 117, I) – ocorreu se deu 19 de fevereiro de 2009, aproximadamente 07 (sete) anos após a prática do último fato delituoso. Proferido o julgamento, somente a defesa apresentou recurso – embargos de declaração -, razão pela qual se tem a aplicação artigo 110, §§ 1º e 2º, do Código Penal – prescrição retroativa, não incidindo a Lei nº 12.234/2010, que afastou a possibilidade da contagem do prazo de prescrição ser tomada em razão de fatos anteriores ao recebimento da denúncia ou da queixa, pois os fatos imputados ao acusado/embargante são anteriores à sua vigência e, sendo preceito legal mais gravoso, não pode retroagir em prejuízo a direito do réu. Portanto, entre a data do último fato delituoso e o recebimento da denúncia houve o transcurso de mais de 07 (sete) anos, o que suplanta, em muito o lapso temporal de 04 (quatro) anos de prescrição, contados em face da pena concretizada na decisão desta Corte, contra a qual não houve recurso da acusação. 8. Embargos de declaração acolhidos para declarar a extinção da punibilidade do embargante em virtude do pagamento do débito tributário (Lei nº 11.941/09, artigo 69), bem como para declarar extinta a punibilidade do acusado, em razão do transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa, nos termos do artigo 110, §§ 1º e 2º, do Código Penal.” (AP 516 ED, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05/12/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-148 DIVULG 31-07-2014 PUBLIC 01-08-2014) 

Segundos embargos:

“Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO PENAL. CONTRADIÇÃO ENTRE EMENTA E FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO. PROCEDÊNCIA. CORREÇÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite os embargos de declaração opostos para sanar contradição entre o conteúdo da ementa e os fundamentos do acórdão (RE 536.692-AgR-ED, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 17/08/2012; RE 325.580-AgR-ED, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE 01/06/2007; ARE 815.792-AgR-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 15/06/2015; RE 312.020-ED-ED, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, unânime, j. 08/10/2002, DJ 08/11/2002). 2. In casu, a) os embargos de declaração opostos pela defesa contra a condenação sustentaram a tese da extinção da punibilidade em decorrência do pagamento do tributo, assim como da prescrição etária, calculada posteriormente à condenação, com base na pena in concreto (prescrição retroativa reduzida pela metade); b) a tese da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário foi acolhida pela maioria, vencido o Relator originário do feito por 6 votos a 5; c) a tese da prescrição etária não foi acolhida pela maioria, tendo em vista que dois votos que integraram a corrente majoritária julgaram-na prejudicada, sobre ela não se manifestando; d) consequentemente, os itens 5 a 7 e trechos do item 8 e do cabeçalho da ementa não refletem o resultado do julgamento. 3. Diante da contradição, deve ser determinada a republicação da ementa do acórdão embargado, excluindo-se: a) os itens 5 a 7 da redação original; b) o seguinte trecho do item 8: “bem como para declarar extinta a punibilidade do acusado, em razão do transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa, nos termos do artigo 110, §§ 1º e 2º, do Código Penal”; c) o seguinte trecho do cabeçalho da ementa: “e ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado, supervenientes à sessão de julgamento e antes da publicação do acórdão condenatório”. 4. Embargos de declaração providos, sem efeitos modificativos, para sanar a contradição entre a ementa e os fundamentos do acórdão.” (AP 516 ED-ED, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 09-08-2016 PUBLIC 10-08-2016)

A matéria é totalmente jurídica, sendo indesejável tamanha contradição. De qualquer forma, ficam os precedentes e as observações.

Brasília, 17 de janeiro de 2018

O álibi

O texto abaixo é uma adaptação do conto de mesmo nome do escritor francês Tristan Bernard (1866-1947), ajustado para os dias atuais, para a realidade e direito brasileiros. A ideia central vem do original francês, os floreios são meus.

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O álibi

 

Belo Horizonte, setembro de 1993

 

Maicon estava cansado de sua vida monótona e quase miserável. Ser Office-boy de um escritório de cobrança e percorrer a cidade inteira buscando e entregando documentos por um ínfimo salário-mínimo não estava em seus planos como trabalho por muito tempo.

A falta de estudos, de condições, de pessoas que pudessem apadrinhá-lo para que conseguisse coisa melhor deixavam-no muito desanimado.

A idéia surgiu quando ele entregava documentos em um sítio de uma senhora idosa em Santa Luzia, nas proximidades de Belo Horizonte. A casa era grande, desprotegida, com um muro baixo e aparentemente nenhum sistema de alarme.

A criada, única pessoa que fazia companhia à proprietária, abriu a porta com uma boa vontade e uma inocência só encontradas em localidades menores.

Deixou-o esperando na sala para chamar a patroa. Enquanto isso, ele pôde perceber que se tratava de uma casa com objetos interessantes, coisas que talvez tivessem valor, ou ainda, quem sabe, existissem jóias no quarto da dona.

Durante vários dias pensamentos ruins povoaram sua mente. No dia seguinte à entrega na casa dessa senhora, Maicon foi humilhado por seu chefe na frente de todos, ridicularizado sem qualquer razão.

Para piorar, estava sentindo imenso ciúme da companheira, com quem, apesar de ter apenas 19 anos morava há aproximadamente 6 meses. Dançarina de uma boate de strip tease de segunda categoria, Maicon sabia que o trabalho dela não se resumia a isso. Estava acostumado e não era isso que o feria. Ela era profissional, não sabia o nome de ninguém, dançava, fazia algo mais e pronto. Mas havia um safado, um bicheiro, para ser mais exato, que estava mexendo com Mariele. Ela não falava muito para evitar os ciúmes, mas pelas conversas dela, esse velho estava prometendo dinheiro e uma casa melhor para ela ser uma espécie de exclusividade dele.

Mariele estava se interessando e começava a humilhá-lo dizendo que não poderia sustentar a casa sozinha por muito tempo, que ele precisava crescer, ganhar mais. Ela era mais mulher que ele homem, ambos sabiam disso e ela fazia questão de deixar isso claro nos últimos tempos.

Maicon tomou sua decisão. Iria assaltar a casa da velhinha. Não queria fazer disso meio de vida, mas precisava de um capital inicial para começar qualquer coisa. Planejou tudo.

Agiria na sexta. Primeiro por ter folga no sábado, segundo por Mariele trabalhar até de manhã nesse dia.

Chegada a sexta, pôs o plano em ação. Chegou do trabalho no horário normal. Falou com a dona da pensão miserável que ele dividia no subúrbio de Belo Horizonte com Mariele que estava com muita dor de cabeça e por isso se deitaria cedo aquele dia. A dançarina já tinha saído para a boate.

Subiu, vestiu uma camisa e um casaco do qual pudesse se livrar para evitar se reconhecido caso alguma coisa saísse errado e pôs em execução seu plano.

Saiu pela janela por volta de 11 da noite, para que ninguém notasse. Pegou um ônibus até a entrada de Santa Luzia, não daria tão na vista a ponto de descer perto de seu destino, mesmo por que por lá não passava ônibus a uma hora daquelas. Esgueirou-se pelas ruas até chegar à estradinha que levava à propriedade e, ao chegar na casa da vítima, calçou luvas e certificou-se de que a região estava vazia, antes de pular o muro.

Dentro da propriedade, conseguiu abrir uma janela antiga, de madeira, de acordo com o estilo colonial da construção. Começou a colocar a prataria em um saco quando, por causa da fraca claridade que entrava da rua, esbarrou em um abajur derrubando-o. Próximo que estava do quarto da velha, acordou-a. A senhora chamou pela criada, achando que fosse ela. Maicon torceu para que ela desistisse e tornasse a dormir. Mas, curiosa, a mulher levantou-se. Com o descontrole típico dos amadores, Maicon pegou um abridor de cartas que ele tinha selecionado como objeto a ser levado, por estar incrustado de pedras, e cravou no ventre da idosa. Sua queda acordou a empregada, que veio ver o que estava acontecendo. Ela viu Maicon e lembrou-se do entregador daquele outro dia. Sem opção, ele a golpeou com um peso de papéis. Ela caiu e ele acreditou que estivesse morta.

Com o caminho livre, ele vasculhou a casa, encontrando ainda R$ 500,00 em dinheiro, além de algumas jóias.

Saiu da casa por volta de 2 da manhã e na claridade da lua percebeu que seu paletó estava manchado com o sangue da vítima. Com exceção do dinheiro, colocou tudo, casaco, arma do crime e objetos roubados no saco e os escondeu em uma pedra afastada 200 metros da estrada que liga Santa Luzia a Belo Horizonte. Com medo, voltou para casa a pé.

Ao chegar em seu hotel miserável já de manhã, viu alguns carros de polícia em volta da porta. Assustado, imaginou se eles estariam lá por sua causa. Sentiu seu sangue gelar. Pensou em fugir, mas antes que tivesse tempo de fazer qualquer coisa, viu a dona da pensão reconhecê-lo e apontar para ele. Sabia que se corresse após ter sido visto seria pior. Com uma frieza que não esperava ter, continuou caminhando em direção à sua casa, sabendo que a sorte estava lançada.

Foi abordado por um investigador que imediatamente o algemou. Ficou calado, sem conseguir entender como já poderia ter sido descoberto seu crime. Maldisse seu azar, não acreditava no que estava acontecendo.

O investigador perguntou porque ele havia feito aquilo. Antes que ele respondesse, conduziu-o a seu quarto.

Mariele estava morta, a facadas, deitada na cama. A arma do crime não estava lá. Não havia arrombamento ou sinal de luta. Ela não se defendera, conhecia o agressor. Maicon, calado, foi preso em flagrante. A polícia encontrou com ele o dinheiro subtraído da casa da velha, o que aumentou a suspeita contra o rapaz. Ele teria matado a companheira para ficar com o dinheiro dela, além do ciúme.

A dona da pensão disse que Mariele voltara cedo aquela noite. Ela passou pela entrada da pensão onde a proprietária e o marido terminavam de assistir a um filme por volta de 1 da manhã. Alegara estar passando mal.

Dias depois, Maicon conseguiu deixar a cadeia por meio de liberdade provisória.

Enquanto isso, começavam as buscas do assassino da velha. A empregada sobreviveu e fez boa descrição do homem. No entanto, a polícia estava preocupada em provar a culpa de Maicon no assassinato da companheira, ocorrido aproximadamente no mesmo horário, em lugares distantes um do outro. Assim, a empregada nunca teve a chance de ver o rosto de Maicon na televisão – culpados de assassinar dançarinas de cabaré não são manchetes de jornal. O assassino de Santa Luzia não foi encontrado.

Maicon respondeu ao processo em liberdade. Era primário, tinha bons antecedentes. Foi pronunciado, mesmo assim continuou livre. Quando ouvidas as testemunhas em seu processo, elas foram assentes em afirmar que ele estava com ciúmes de um possível romance da namorada e que ele estava sem dinheiro, piorando sua situação. Foi condenado. O curso do processo demorou 6 anos, aproximadamente. Ele apelou, também em liberdade. Quando o Tribunal de Justiça confirmou a condenação, mantendo a pena de 14 anos, Maicon foi finalmente preso. No dia em que ele foi conduzido à prisão já haviam se passado 8 anos e seis meses do fatídico dia 13 de setembro de 1993.

 

Ribeirão das Neves, presídio da região metropolitana de Belo Horizonte, outubro de 2003

 

Trancado em sua cela, Maicon escreveu a seguinte carta para o Juiz da Execução. Ele está preso há aproximadamente 1 ano e meio.

“Ribeirão das Neves, 2 de outubro de 2003”.

Sr. Juiz,

Na noite de 13 de setembro de 1993, eu saí de casa para furtar o sítio de uma velha em Santa Luzia, distante aproximadamente 35 km da capital. Ela me surpreendeu na hora e acabei matando-a. Ataquei também a empregada que, felizmente, não morreu. Fugi com os objetos do crime e os escondi, bem como minha camisa suja com o sangue da velha.

Ao chegar em minha casa, fui acusado e depois condenado por ter supostamente cometido o crime pelo qual estou hoje preso, ou seja, matado minha mulher.

Pois bem, com os objetos do crime, a arma, a camisa ensangüentada, bem como o testemunho da sobrevivente, posso provar que sou inocente quanto ao crime pelo qual me prenderam, pois naquele mesmo horário estava longe, cometendo outro na região rural de Santa Luzia, e não tinha como voltar tão rápido.

Acontece, Sr. Juiz, que a maior prescrição no Direito Penal Brasileiro é de 20 anos. Nós temos tempo de estudar na cadeia, sabe? Só que na época do fato eu tinha apenas 19, o que faz o prazo de prescrição cair pela metade. Assim, aquele crime está prescrito e desse pelo qual fui preso, sou inocente. Quero ser ouvido oficialmente pelo Sr. para que possa demonstrar meu álibi na presença do Ministério Público.

Serei um homem livre, Sr. Juiz.

Maicon