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Encarceramento, facções e consequências

Encarceramento, facções e consequências

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Atualmente, há forte discussão sobre as causas e as consequências da superlotação prisional.

Não há resposta ou solução fáceis, muito menos são verdadeiras as posições maniqueístas e intransigentes.

No entanto, vale ler trecho do voto condutor do Ministro Gilmar Mendes, proferido no RE 641.320, julgado pelo Plenário do STF, em que se discutia a colocação do preso no regime prisional adequado, vedando-se seu agravamento por falta de vagas. O julgamento do citado recurso foi precedido de audiência pública, com participação diversificada, estando presentes a Defensoria Pública da União e outras Defensorias, membros do Ministério Público, Juízes, representantes da sociedade civil. Às fls. 19/20 do acórdão do mencionado recurso, afirmou o Ministro relator:

“Durante a audiência pública realizada neste processo, fiquei muito impressionado com o depoimento do juiz de execuções penais de Porto Alegre/RS, Sidinei José Brzuzka, a esse respeito. Narrou o magistrado que a declaração de inconstitucionalidade do regime integralmente fechado para os crimes hediondos e equiparados pelo STF produziu imediato déficit de vagas no regime semiaberto. Ou seja, o reconhecimento de um direito gerou um impacto até então impensado. Para administrar a questão, o magistrado relatou ter mantido, no regime fechado, os presos com direito ao regime semiaberto. O que aconteceu foi trágico – as facções de presos passaram a controlar o sistema de progressão de regime. Quando precisavam que um de seus membros progredisse, ordenavam a presos do regime semiaberto que não eram de facção que deixassem de retornar para serem recolhidos após saídas autorizadas. Com isso, passaram a dispor das vagas, como se de sua propriedade fossem. Ou seja, o Estado perdeu por completo o controle do sistema. 

Além disso, o Estado tornou-se incapaz de garantir minimamente os direitos e a própria segurança dos presos que não faziam parte de facções. Como já afirmado, o preso é pessoa, é um sujeito de direitos. Não pode ser visto perpetuamente como um inimigo. O Estado tem o dever de garantir aos presos em geral a oportunidade de ressocialização. Se não conseguimos garantir a segurança daquele que está em processo de ressocialização – progrediu ao regime semiaberto e está trabalhando –, estamos falhando em cumprir a principal função da execução penal: a ressocialização.”

Portanto, não me parece verdadeiro o argumento de que a superlotação dos presídios não favoreça o crescimento e o poder das chamadas facções. A série de mortes poderia ter ocorrido de qualquer maneira, não se ignora isso, no entanto, o estado calamitoso de muitos dos estabelecimentos contribui decisivamente para o incremento da violência. E, para o preso, muitas vezes, escolher um lado significa ter proteção, sobreviver.

Reitero o afirmado no início do presente. Não há solução nem resposta simplista.

Brasília, 18 de janeiro de 2017

 

 

 

 

Extradição e prole brasileira

Extradição e prole brasileira

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Estabelece o enunciado da Súmula 421 do Supremo Tribunal Federal, aprovada em 1º de junho de 1964, que ter o extraditando filho brasileiro não impede sua extradição.

Entretanto, a promulgação da Carta Constitucional de 1988 indica que está tal entendimento a merecer reavaliação.

A atual Constituição estabeleceu como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, já em seu artigo 1º. Mais adiante, em seu artigo 5º, inciso LI, vedou a extradição, sem abrir exceção, do brasileiro nato. Por sua vez, afirmou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança todos os seus direitos fundamentais com absoluta prioridade, nos termos da expressão empregada no artigo 227 da Lei Maior.

Apesar do disposto pela CF/88, o Supremo Tribunal Federal continua a invocar, em seus julgados, o enunciado da citada súmula, cabendo transcrever, à guisa de confirmação do que ora se afirma, pequeno trecho da ementa da Extradição 1274, Relator Ministro Dias Toffoli, julgada pela Primeira Turma, acórdão publicado em 12/11/2012: “5. A circunstância de encontrar-se a extraditanda grávida, em vias de dar à luz uma criança que adquirirá a nacionalidade brasileira, não configura óbice ao deferimento da extradição, conforme preceitua o enunciado da Súmula nº 421 desta Suprema Corte: “não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro”.

A contradição, com a devida licença, parece evidente. Se a extraditanda terá filho brasileiro em questão de semanas, caso deferida a extradição, deverá ser a criança, ainda que indiretamente, extraditada juntamente com sua mãe ou, pior, mantida no Brasil longe de sua genitora? Qualquer das soluções acima encontra óbice na Carta Constitucional de 1988.

Não se admite, por um lado, a extradição de brasileiro nato, caso da criança que terá que acompanhar sua mãe – ainda que se trate de extradição indireta ou colateral, por óbvio, uma vez que o recém-nascido não responde a processo criminal no exterior. A opção de se manter o bebê no Brasil, longe de sua genitora, por outro lado, também agride a Carta da República, vez que prioriza a persecução penal movida por país estrangeiro em detrimento do melhor interesse da criança. Nem se argumente que a maternidade não impede a prisão. Todavia, no caso da extradição, a mãe é enviada para um país distinto do Brasil, muitas vezes distante, e, pior, no qual ela pode não ter qualquer vínculo de amizade ou familiar, pelo que resta a pergunta sobre quem seria o responsável pelos cuidados e criação daquele pequeno brasileiro, estando sua mãe encarcerada.

Calha ainda refutar outra objeção a ser eventualmente levantada por defensores do entendimento acolhido pela Suprema Corte. O indeferimento da extradição não indica a impunidade do estrangeiro que tenha filho brasileiro. Deve ser dado a ele o mesmo tratamento dispensado ao brasileiro nato que pratica crime no exterior, com a aplicação do disposto no artigo 7º, II, “b” e §2º do Código Penal, com invocação do princípio da extraterritorialidade penal.

Claro que a mera existência de filho brasileiro não deve impedir, por si só, a extradição, sendo parcialmente pertinente a solução dada pelo artigo 75 da Lei 6815/80 no caso de expulsão, qual seja, a existência de dependência, de convivência entre o expulsando e seu filho. Esclarece-se que a dependência econômica, exigida cumulativamente pelo artigo 75 do Estatuto do Estrangeiro com a guarda da criança, parece também não ser a melhor solução, uma vez que uma pessoa que exerça funções domésticas sem praticar atividade remunerada, cuidando de sua casa e de seus filhos com zelo deve também estar abrigada pela vedação da expulsão e da extradição, sob pena de se reduzir a criação e a educação de um filho a uma questão meramente econômica.

Por fim, há, ainda, outro aspecto a ser considerado na análise do tema em questão. Pode o extraditando não ter interesse em ficar no Brasil e ser aqui processado e julgado, por não manter qualquer vínculo com o país, sendo mais interessante para a própria criança que a mãe cumpra eventual condenação no exterior, em local em que tenha família que possa cuidar do filho. Nesse caso, deve-se ouvir a pessoa a ser extraditada e ponderado o melhor interesse do infante.

Assim, deve ser superado o entendimento consolidado no enunciado da Súmula 421 do STF, analisando-se, em cada caso concreto, a possibilidade de extradição de estrangeiro que tenha filho nacional, dele dependente, para se evitar a colocação de brasileiro nato e de tenra idade em situação de completo abandono e carência em país estrangeiro.

Atualização.

O presente texto foi escrito em 2015, antes, portanto, da edição da Lei 13.257/2016, que estabeleceu que o Juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar para a mulher com filho de 12 anos de idade incompletos (artigo 318, V, do CPP), ou para o homem que seja o único responsável pelo cuidado do filho de até 12 anos incompletos (artigo 318, VI, do CPP).

A Extradição 1403, que pesa sobre mulher argentina com filho nascido no Brasil, a ser julgada na sessão de 25/10/2016, pela 1ª Turma, será ótima oportunidade para se verificar como o STF pretende enfrentar a preocupação crescente com encarceramento feminino (Regras de Bangkok) e a possibilidade de extradição e manutenção no cárcere de pessoa que tenha filho dela dependente, nascido no Brasil.

Além da questão prisional, resolvida pela Ministra Rosa Weber, relatora, com base no inciso III, do artigo 318 do CPP, ao menos em sede cautelar, calha saber se o STF concordará com uma “extradição” indireta de brasileiro nato, ou se optará pela mais adequada extraterritorialidade da Lei Penal.

Brasília, 25 de outubro de 2016

 

 

Resolução 113/2010 CNJ – contribuição da DPU

Resolução 113/2010 CNJ – contribuição da DPU

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

É uma pena que alguns feitos da Defensoria Pública não recebam o destaque e a valorização que merecem.

Pior, muitas vezes, temos que assistir na TV e ler em matérias escritas que os pobres não têm defesa de qualidade de modo geral, sem que sejamos lembrados. Não nego, por óbvio a ausência da Defensoria Pública, Federal e Estadual, em vários locais sede de órgão do Judiciário, mas em termos qualitativos, nosso trabalho destaca-se cada vez mais, inclusive com atuações que podem multiplicar seus efeitos, beneficiando incontáveis pessoas.

Trago agora um ótimo exemplo do afirmado.

A Defensoria Pública da União requereu ao Conselho Nacional de Justiça que determinasse aos Tribunais que informem imediatamente aos Juízos da Execução Penal decisões que modifiquem o julgamento. O objetivo era evitar prisões excessivas, por mera falta de comunicação entre as instâncias do Judiciário.

O pedido foi acatado, sendo inserido o parágrafo único no artigo 1º da Resolução 113/2010 do CNJ:

“Art. 1º …

[…]

Parágrafo único. A decisão do Tribunal que modificar o julgamento, deverá ser comunicada imediatamente ao juízo da execução penal.”

A medida tomada pelo CNJ é fundamental em um país de dimensões continentais como o nosso, com sistemas de informações ainda precários em certos locais, para se evitar prisões excessivas, falta de comunicação com relação ao regime prisional, encarceramento exagerado. Ou seja, havendo redução da pena, sua substituição, mudança de regime, a nova situação deve ser imediatamente comunicada, o que trará celeridade na colocação do condenado em sua nova condição, evitando esperas intermináveis, principalmente para quem está recolhido ao cárcere.

A DPU luta para que o cumprimento da pena, por aquele que já foi condenado em definitivo, se dê de forma adequada, no regime indicado e pelo tempo certo.

Brasília, 24 de agosto de 2016