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Levando bronca

Levando bronca

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O que vou contar agora aconteceu no final de 2009, quando eu tinha quase três anos de atuação perante o STF, representando a DPU.

O Ministro Celso de Mello intimou a Defensoria Pública da União para o julgamento de um habeas corpus, o que era pouco comum, uma vez que ele sempre levava os processos em mesa, sem aviso prévio.

Antes do início da sessão da Segunda Turma, como é a praxe do STF, eu me inscrevi para fazer a sustentação oral no caso.

A Ministra Ellen Gracie presidia a sessão. Ao apregoar o HC, ela falou o número do processo, o relator, e o nome do paciente, mas não avisou que haveria sustentação oral.

Eu me dirigi à tribuna para aguardar a leitura do relatório pelo Ministro Celso de Mello.

O Ministro começou a ler de cabeça baixa, sem olhar para mim. O tempo foi passando e ele lia sem parar seu relatório.

De repente, uma dúvida me assaltou: e se ele estiver votando? Eu não ouvi ele falar que passaria ao voto, mas um relatório tão longo em um tema nem tão diferente assim? Devo interromper?

Enquanto isso, ele continuava sua leitura.

Pensei: não é possível, não existe relatório de HC desse tamanho, ele está votando.

Interrompi:

“Excelências, pela ordem, eu pretendo fazer sustentação oral.”

O Ministro:

“Eu sei, estou lendo o relatório.”

“Desculpe-me, Excelência, fiquei em dúvida.”

A partir daí, a cada 4 frases que o Ministro falava, ele levantava a cabeça, me olhava, e dizia:

“Ainda estou lendo o relatório.”

Foi bem embaraçoso, pois eu já tinha entendido, mas não tinha jeito:

“Ainda estou fazendo o relatório.”

Assim foi até ele acabar o relatório (votos longos não são exclusividade da TV Justiça, como já falei algumas vezes).

Quando a palavra foi passada a mim, iniciei pedindo desculpas pelo equívoco. Gaguejei um bocado, mais que nas primeiras vezes em que sustentei oralmente, mas depois me acalmei.

Estar ali é aceitar se expor, mas foi bem constrangedor, confesso.

Brasília, 2 de março de 2019

Atualização: faltou dizer que a ordem foi denegada.