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Importação de sementes de maconha e atipicidade – apontamentos

Importação de sementes de maconha e atipicidade – apontamentos

 

Colocarei abaixo o texto que elaborei como preparação para a sustentação oral em 2 habeas corpus julgados e concedidos, em 11/09/2018, pela 2ª Turma do STF (HC 144161 e HC 142987), tratando da questão atinente à importação de sementes de maconha.

Não se trata de uma petição, mas de um roteiro de sustentação oral, pelo que os aspectos de oratória fazem com que a estruturação seja um pouco distinta.

Achei que os Ministros que votaram pela concessão da ordem adotaram fundamentos diferentes cada um, por isso que em uma sustentação devemos tentar expor o máximo de fundamentos possíveis. Não há segunda chance.

Brasília, 15 de setembro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

SUSTENTAÇÃO ORAL – IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA

 

– 2 HCS em pauta sobre o tema: HC 144161 e HC 142987

– Há ainda 2 nas listas de agravo do Min. Dias Toffoli: HC 144762 e HC 143557

 

Tema: IMPORTAÇÃO DE POUCAS SEMENTES DE MACONHA E ATIPICIDADE

 

Matéria que encontra divergência no STJ entre suas 2 Turmas criminais, 5ª e 6ª, sendo esta favorável às teses defensivas.

No STF, a 1ª Turma foi contrária, não havendo julgado colegiado da 2ª Turma sobre o tema.

A sustentação oral tratará mais do HC 144161, mas abordará também aspectos do HC 142987, dada a enorme semelhança dos casos.

O HC 144161 discute a importação, pelo paciente, de 26 sementes de maconha, com o objetivo de uso próprio.

 

Pontos:

 

1) A denúncia narrou contrabando, todavia, foi recebida pelo TRF3 como tráfico internacional, apesar de tais fatos não serem imputados na inicial acusatória. Ao contrário, o MPF deixou claro não ver na conduta do paciente qualquer intenção de traficar drogas.

Em suma, houve ofensa ao princípio acusatório, pois a inicial descreve uma conduta e a denúncia foi recebida por outra (contrabando / tráfico internacional). Os fatos narrados no recebimento da denúncia estão divorciados desta, sendo até mesmo contrários ao quanto afirmado pela Procuradoria da República na exordial e no recurso em sentido estrito destinado ao TRF.

Ainda que a questão estivesse adstrita à capitulação jurídica, melhor sorte não restaria à decisão que recebeu a exordial. A capitulação jurídica não pode ser alterada na fase de recebimento de denúncia, conforme pacificamente assentado na jurisprudência do STF:

LER TRECHOS DO INQUÉRITO 3997 E CITAR QUE O INQUÉRITO 4146 segue a mesma linha.

“(…) Convém lembrar que: “Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar” (HC 87324, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 18.5.2007). (…)” (Inq 3997, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 21/06/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 23-09-2016 PUBLIC 26-09-2016)

 

No mérito:

 

2) A quantidade de sementes importadas indica que seu objetivo era o consumo próprio e não a venda.  Isso foi levado em conta pelo Min. Gilmar Mendes quando da concessão de liminar.

O STF está analisando o RE 635.659 que discute a descriminalização de posse de pequena quantidade de droga para uso próprio, com 3 votos favoráveis à tese esgrimida pela Defensoria Pública paulista.

Como invocado pelo Min. Roberto Barroso ao proferir voto no mencionado recurso, bem como ao deferir liminares em habeas corpus versando sobre o tema em análise sob sua relatoria, o uso de pequena quantidade de droga diz respeito à vida privada, à individualidade, sendo desproporcional sua punição na seara penal.

 

3) Há ainda outro aspecto que precisa ser considerado. Como a importação deu-se para consumo próprio, o artigo aplicável ao caso é o 28 da Lei 11.343/06, que não prevê entre as condutas típicas a importação de drogas. Por isso, a 6ª T do STJ tem entendido pela atipicidade de conduta.

“2. Todavia, tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato.” (AgRg no REsp 1658928/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017)

 

4) Além disso, semente de maconha não apresenta a substância proscrita THC. É a planta produzida a partir da semente que pode ser utilizada para a preparação da droga. No caso, seria punir a preparação da preparação, conforme observado em diversos pareceres ofertados pela PGR em habeas corpus versando sobre o tema, como, por exemplo, no outro que será apreciado hoje, o HC 142987:

“22. Nesse sentido afirmou o Laudo Pericial elaborado pelo Setor TécnicoCientífico do Departamento de Polícia Federal, juntado às fls. 22 dos autos: “Segundo publicação da UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime) “Recommended Methods for the identification and analysis of cannabis and cannabis products” os frutos aquênios (popularmente conhecidos como “sementes”) da planta Cannabis sativa não apresentam tetraidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, em sua composição, portanto, não são capazes de produzir efeitos entorpecentes e/ou psicotrópicos, nem causam dependência física ou psíquica” (fls. 25, grifos do original).”

A semente não é capaz de entorpecer, de causar dependência.

 

5) Por fim, cabe destacar a enorme desproporcionalidade em se condenar por tráfico internacional, crime que prevê penas elevadas, pessoa que importou algumas sementes de maconha para uso próprio.

Em momento algum se cogitou de objetivo de mercancia, de enriquecimento, de lucro, mas tão somente de uso pessoal.

Tratar quem importou sementes de maconha para si como traficante internacional significa, no mínimo, a imposição de mácula profunda, ainda que, eventualmente, a pena imposta venha a ser substituída por restritiva de direito. As pesquisas pela internet prestam-se a expor a vida de todos que buscam emprego, estudo.

Também não deve prevalecer a possibilidade de processo pelo contrabando em razão da internalização de duas dúzias de sementes, sendo a conduta incapaz de ofender o bem jurídico protegido.

 

Assim, pede-se a concessão da ordem, reconhecendo-se a atipicidade da conduta praticada.