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Tráfico privilegiado e crime hediondo

Tráfico privilegiado e crime hediondo

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Ontem, 1º/06/2016, teve prosseguimento, no Plenário do STF, um julgamento muito importante para nossa atuação criminal, que terá, a depender do resultado, efeitos imediatos para os assistidos da Defensoria Pública.

Refiro-me ao HC 118533, em que se questiona a hediondez do chamado tráfico privilegiado.

Até a sessão de ontem estava 4 votos a 2 pela denegação da ordem, tendo sido o julgamento interrompido por pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes.

O Ministro Gilmar Mendes apresentou voto-vista concedendo a ordem. O julgamento prosseguiu e chegou a ficar 6 votos a 3 pela denegação.

Nisso, o Ministro Edson Fachin resolveu repensar seu voto pela denegação, pedindo vista. Outros Ministros, após ele se manifestar, endossaram que também pretendem refletir sobre a questão, pelo que ficamos com a impressão que temos boas chances de virar o resultado.

Foi fantástico. O afastamento da hediondez no tráfico privilegiado interfere na possibilidade de indulto, nos lapsos para progressão e livramento condicional e, destacadamente, no crescente encarceramento feminino.

Tomara tenhamos êxito, será mais uma vitória marcante para a DPU.

Segue, abaixo, a notícia extraída do site do STF.

 

 

“Quarta-feira, 01 de junho de 2016

Suspenso julgamento sobre natureza hedionda do crime de tráfico privilegiado

Pedido de vista do ministro Edson Fachin suspendeu o julgamento de Habeas Corpus (HC 118533) por meio do qual o Supremo Tribunal Federal (STF) discute se o chamado tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, deve ser considerado crime de natureza hedionda. Na sessão desta quarta-feira (1º), votaram os ministros Gilmar Mendes, que se manifestou por afastar o caráter de hediondez dos delitos em questão, e os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, que reconheceram como hediondo o crime de tráfico privilegiado.

O tráfico privilegiado prevê que as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

No caso concreto, Ricardo Evangelista Vieira de Souza e Robinson Roberto Ortega foram condenados a 7 anos e 1 mês de reclusão pelo juízo da Comarca de Nova Andradina (MS). Por meio de recurso, o Ministério Público conseguiu ver reconhecida, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a natureza hedionda dos delitos praticados pelos réus. Contra essa decisão foi ajuizado, no STF, o HC em julgamento.

O caso começou a ser julgado pelo Plenáruo em 24 de junho do ano passado, quando a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de conceder o HC. Para ela, o tráfico privilegiado de entorpecentes não se harmoniza com a qualificação de hediondez do tráfico de entorpecentes, definido no caput e parágrafo 1º do artigo 33 da norma. Ela foi acompanhada pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Naquela ocasião, o ministro Fachin chegou a se pronunciar pelo indeferimento do pedido, ao argumento de que a causa de diminuição de pena, prevista na Lei 11.343/2006, “não parece incompatível com a manutenção do caráter hediondo do crime”. Acompanharam esse entendimento os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux. O julgamento foi interrompido, então, por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Ao se manifestar na sessão desta quarta, o ministro Gilmar Mendes considerou que a Constituição Federal deu ao legislador espaço para retirar do âmbito dos crimes chamados hediondos algumas condutas de transação ilícita com drogas. Para ele, há casos em que não se pode fugir à hediondez, principalmente quando há habitualidade no delito. O caráter isolado do delito, a inexistência de crimes para além de uma oportunidade, por sua vez, salientou o ministro, autorizaria o afastamento da natureza hedionda do crime.

Já o ministro Dias Toffoli decidiu acompanhar a divergência aberta pelo ministro Fachin. O ministro citou, inicialmente, que no caso concreto os réus foram pegos com 772 kg de droga, em um caminhão escoltado por batedores, um indicativo de que estariam atuando para organização criminosa.

Ao votar pelo indeferimento do HC, o ministro lembrou que, apesar de ser a primeira vez que o Plenário do STF analisa o tema, as Turmas do STF têm assentado caráter da hediondez do tráfico privilegiado.

O ministro Marco Aurélio concordou com o ministro Toffoli. Para ele, o reconhecimento da hediondez foi uma opção normativa, pelo legislador, que partiu da premissa de que tráfico é um crime causador de muitos delitos, para chegar a um rigor maior quanto ao tráfico de entorpecentes.

Crimes hediondos

Além de serem inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça ou indulto, os crimes hediondos, previstos na Lei 8.072/1990, devem ter penas cumpridas inicialmente em regime fechado, e a progressão de regime só pode acontecer após o cumprimento de dois quintos da pena, se o réu for primário, e de três quintos, se for reincidente.

Dados estatísticos

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, trouxe ao debate dados estatísticos relativos aos resultados já alcançados a partir da implantação das audiências de custódia, mas que, nas palavras do presidente, ainda se mostram insuficientes para resolver o problema do sistema carcerário brasileiro. Mantida a proporção e o ritmo do encarceramento que temos hoje no país, disse o presidente, dentro de poucos anos alcançaremos o número de um milhão de presos. Para Lewandowski, é preciso se chegar a uma solução de natureza de política criminal. Nesse sentido, o ministro salientou que uma decisão voltada a conceder o HC no caso em julgamento, reconhecendo a não hediondez do tráfico privilegiado, levaria à soltura de 45% das mulheres presas.

Vista

Diante da complexidade do tema e dos argumentos levantados no debates, o ministro Edson Fachin, que havia se manifestado pelo indeferimento do HC abrindo a divergência, pediu vista dos autos para uma melhor análise do caso.”

As consequências da hediondez

As consequências da hediondez

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Muitas vezes anoto inúmeros temas sobre os quais gostaria de escrever de forma mais detalhada, completa, no entanto, a falta de tempo e o excesso de trabalho fazem com que eu acabe não tendo como tratar do assunto no momento adequado.

Falarei brevemente sobre o julgamento que deve ser terminado no Plenário do STF, quarta-feira próxima, dia 1º de junho de 2016, em que se discute a suposta hediondez do tráfico privilegiado. O tema será analisado no HC 118533, impetrado pela Defensoria Pública da União, cuja apreciação foi iniciada em 24 de junho de 2015. Até agora foram proferidos 6 votos, 4 pela denegação e 2 pela concessão da ordem, sendo a votação interrompida por pedido de vista formulado pelo Ministro Gilmar Mendes.

O que se convencionou chamar de tráfico privilegiado é aquele que preenche os 4 requisitos fixados na Lei 11.343/06, cumulativamente: ser praticado por acusado primário, com bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa. A coexistência desses requisitos permite a redução da pena de 1/6 a 2/3.

Em suma, uma pessoa condenada à pena mínima estabelecida para o tráfico (5 anos) e que, preenchendo as exigências acima, fixadas no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, receba a redução em seu grau máximo, sofrerá condenação de 1 ano e 8 meses de reclusão.

A partir dos julgados do STF que permitiram a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos e a fixação do regime inicial mais brando do que o fechado no tráfico de drogas, chega-se à conclusão que uma pessoa condenada a uma pena inferior a 2 anos, em regime aberto, com a pena convolada em restritiva de direitos, não pode ter praticado uma conduta considerada hedionda.

Hediondo, sem grande aprofundamento, deve ser algo que cause repulsa, horror, que apresente gravidade elevada. Parece difícil acreditar que pessoa que venda ínfima quantidade de droga para sustentar seu próprio vício se enquadre em tal definição. A análise dos outros crimes considerados hediondos reforça o ora afirmado: homicídio qualificado, latrocínio, estupro de vulnerável, etc.

São graves as consequências de se considerar um crime como hediondo (ou equiparado): fica vedado o indulto, a progressão de regime e o livramento condicional exigem prazos mais alargados.

O encarceramento é cada vez maior, notadamente o feminino, sendo o tráfico a principal causa de prisão entre as mulheres. São famílias desfeitas por pouco, consequências gravosas para vários que dependem dessas pessoas e também para a sociedade.

Até quando será feita essa interpretação que talvez seja literal, mas está longe de ser sistemática e a que melhor atende à dignidade humana e à proporcionalidade? A resposta que o Estado tem dado até agora não me parece ser a correta. Precisamos punir menos e recuperar mais.

Brasília, 31 de maio de 2016

 

Discussões/decisões interessantes do STF em matéria penal

Discussões/decisões interessantes do STF em matéria penal

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Apresento, abaixo, algumas discussões interessantes em matéria penal ocorridas no STF em feitos patrocinados pela Defensoria Pública da União:

 

HC 128.299 – tema furto de codornas e insignificância – ordem concedida pela 2ª Turma do STF, por maioria – quando a Corte Italiana reconheceu o furto famélico isso foi notícia internacional – transcrevo, a seguir, a ementa:

“Habeas corpus. 2. Furto simples de codornas avaliadas em R$ 62,50. Condenação à pena de 1 ano de reclusão. 3. Réu, à época da condenação, primário. 4. Aplicação do princípio da bagatela. Possibilidade. Precedentes. Peculiaridades do caso. 5. Reconhecida a atipicidade da conduta. 6. Ordem concedida para restabelecer o acórdão do TJ/MS que aplicava o princípio da insignificância. (HC 128299, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 19-04-2016 PUBLIC 20-04-2016)”

 

HC 131.918 – a já conhecida, porém repetida situação em que a quantidade e a natureza da droga são utilizadas duas vezes para se majorar a pena, na primeira e na terceira fases da dosimetria:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA: FIXAÇÃO DA PENA-BASE E DEFINIÇÃO DO PERCENTUAL DE DIMINUIÇÃO. BIS IN IDEM. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS E DO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE REEXAME. ORDEM CONCEDIDA. 1. A natureza e a quantidade do entorpecente foram utilizadas na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, para a definição do patamar da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em um sexto. Bis in idem. Patamar de dois terços a ser observado. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou serem inconstitucionais a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena, em caso de tráfico de entorpecente. Precedentes. 3. Ordem concedida para determinar a redução da pena imposta ao Paciente, com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no patamar máximo de dois terços, e, de ofício, considerada a nova pena a ser imposta, o reexame dos requisitos para a a) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e b) fixação do regime prisional. (HC 131918, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 01-03-2016 PUBLIC 02-03-2016)”

Quanto ao tema, é interessante observar que há repercussão geral reconhecida no sentido acima adotado, firmado, aliás, pelo Plenário do STF no HC 112776, impetrado pela DPU. Refiro-me ao RE 666.334:

“Recurso extraordinário com agravo. Repercussão Geral. 2. Tráfico de Drogas. 3. Valoração da natureza e da quantidade da droga apreendida em apenas uma das fases do cálculo da pena. Vedação ao bis in idem. Precedentes. 4. Agravo conhecido e recurso extraordinário provido para determinar ao Juízo da 3ª VECUTE da Comarca de Manaus/AM que proceda a nova dosimetria da pena. 5. Reafirmação de jurisprudência. (ARE 666334 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014 )”

 

HC 130.952 – discussão muito interessante: pode o furto qualificado ter sua pena aumentada pelo repouso noturno? – o julgamento foi iniciado dia 03/05/2016, pela 2ª Turma do STF – claro, a tese da DPU é que a majorante do repouso noturno só incide sobre o furto simples, enquanto no feito em tela o aumento deu-se na conduta qualificada :

“Decisão: Após o voto do Ministro Relator, que denegava a ordem, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Teori Zavascki. Falou, pelo paciente, o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público Federal. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 3.5.2016.”

 

Brasília, 8 de maio de 2016