Comentários sobre a estrutura e a autonomia da DPU

Comentários sobre a estrutura e a autonomia da DPU

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Há algum tempo vinha pensando em escrever breves linhas sobre questões atinentes à estruturação e à autonomia da Defensoria Pública da União.

Estimulado pela decisão favorável proferida na Suspensão de Tutela Antecipada 800, pelo Ministro Presidente do STF, em que a DPU pedia a suspensão dos efeitos de determinação judicial para que a Instituição prestasse atendimento em determinada subseção judiciária, tecerei alguns comentários sobre o assunto. Aliás, a matéria em destaque no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, na tarde de 10 de agosto de 2015, tratava justamente do deferimento do pleito defensorial, suspendendo decisão proferida pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul em ação civil pública, o que está a demonstrar seu relevo.

Com quase quatorze anos de carreira, não posso negar que a Instituição experimentou razoável crescimento em diversos aspectos nesse período. Em outros, entretanto, a evolução foi lenta ou, a bem da verdade, quase inexistente.

Começo com um exemplo da última situação descrita acima. Até a presente data, a Defensoria não tem quadro de apoio próprio. Ao contrário do que ocorre no Poder Judiciário Federal ou no Ministério Público da União, contamos com alguns cargos do chamado Plano Geral do Poder Executivo e, principalmente, com servidores cedidos por outros órgãos públicos. Em suma, passada mais de uma década desde que tomei posse, a DPU continua sem quadro próprio, o que faz com que o rendimento do trabalho caia enormemente, apesar de reconhecer a grande ajuda de muitos dos servidores oriundos de outros entes.

Poderia enumerar incontáveis situações bizarras que a falta de quadro de apoio me fez passar, mas duas delas bastam. Após algum tempo de estabilidade no gabinete, contando com servidores cedidos que ficaram por mais de um ano, em um período de seis meses experimentei três ou quatro trocas de pessoas que mal conseguiam aprender o trabalho e pediam para sair, por razões diversas – uma delas, por exemplo, formada em odontologia, tinha dificuldade natural em fazer qualquer atividade relacionada ao Direito. Certo é que entre a chegada e a saída de um desses servidores ficou trabalhando comigo apenas uma estagiária que tinha, na oportunidade, duas semanas de casa. Como costumo brincar, ela mal sabia onde estavam os interruptores e sequer tinha alguém, além de mim, para lhe ensinar qualquer coisa. Em suma, quando eu tinha que sair para realizar atividade externa, o gabinete ficava por conta de uma pessoa não só inexperiente em termos profissionais, mas sem qualquer conhecimento da Instituição.

O crescimento do número de membros, por sua vez, é inegável, mas não na velocidade necessária para o cumprimento da missão constitucional confiada à DPU. Por isso, ações civis públicas para se colocar Defensores em todos os locais em que haja sede da Justiça Federal, mais que inócuas, são contraproducentes, vez que desestruturam o planejamento da Instituição. Aliás, durante algum tempo, ajudei o Defensor Público-Geral Federal a redigir e ajuizar os pedidos de suspensão das decisões proferidas em ACPs, lembrando-me de uma em especial que chegava ao cúmulo de impor multa pessoal ao Defensor-chefe de Manaus, caso não instalada unidade da DPU em Tabatinga/AM. Ora, o Defensor-chefe apenas administra seu núcleo, não tendo qualquer ingerência sobre os locais em que serão instaladas novas sedes, além disso, as distâncias amazônicas impedem qualquer deslocamento periódico.

A estruturação material também experimentou incremento, não se pode negar, mas está longe do ideal, principalmente em localidades menores. Em algumas faltam coisas básicas, simples, cuja aquisição se arrasta por falta de servidores e quadro de apoio adequado. Em suma, as carências se somam e se auto-alimentam.

Por todas as razões acima, as falas contra a autonomia da DPU devem também ser rechaçadas. Em primeiro lugar, porque em alguns aspectos não houve o mínimo interesse por parte do Poder Executivo em estruturar a Instituição, como já narrado.

Em seguida, mesmo no que aparentemente só importaria aos membros, refiro-me especificamente à remuneração, a questão é bem mais complexa do que parece após uma leitura rápida.

A imensa discrepância remuneratória existente entre Juízes e Membros do Ministério Público de um lado e Defensores de outro traz consequências nefastas para a carreira. Lamentavelmente, cria desrespeito por parte de alguns que veem no contracheque o indicativo único da relevância da atividade. Em seguida, faz com que muitas pessoas vocacionadas acabem saindo à procura de vencimentos melhores, esvaziando os quadros da Instituição. Outros permanecem, mas infelizes, insatisfeitos com o tratamento desrespeitoso por parte do Estado e acabam por se dedicar menos, ter menos empenho no exercício de suas funções.

Neste ponto, impende afastar argumentos lamentáveis, para se dizer o mínimo, como: quem está insatisfeito tem é que estudar para outro concurso, se não está bom saia ou na iniciativa privada é ainda pior. Ora, a comparação a ser feita é com outras carreiras jurídicas de Estado que exigem os mesmos requisitos para ingresso e exercício. O abismo remuneratório em nada se justifica. Com relação à iniciativa privada, a comparação é impossível e tal conclusão dispensa maiores digressões. Duvido sinceramente que qualquer autoridade pública, principalmente aquelas que são eleitas pelo voto popular, tivesse coragem de justificar em rede nacional de televisão que acha correto que o membro do Órgão de acusação receba mais do dobro daquele que defende os direitos dos mais frágeis – em matérias penais e extrapenais.

Em suma, não se trata apenas de “diferença” remuneratória, mas sim de um verdadeiro fosso que acaba por desvalorizar o trabalho do Defensor Público. Por fim, o título a que é paga a verba pouco importa na prática (indenizatória, cumulação, auxílio, etc.), pelo que justificativas nesse sentido servem mais para irritar que para explicar.

Por isso, as tentativas de se minorar as discrepâncias remuneratórias, muito além de significarem exclusiva defesa dos interesses dos membros, representam também a valorização da carreira em si. Não sou hipócrita a ponto de dizer que não interessa a cada Defensor ganhar bem, mas importa também a quem é por ele atendido. Valorização, no sistema capitalista, passa inequivocamente pela remuneração. Os Defensores Públicos não obtêm descontos em suas contas pela nobreza da função.

São igualmente irritantes as falas no sentido de se defender os ajustes fiscais, a contenção de gastos, as contas públicas para se justificar o tratamento dado aos Defensores. Os mesmos argumentos foram ignorados, ao que parece, no momento da aprovação e concessão de aumento nos subsídios, adicional por substituição e auxílio-moradia para Magistrados e Membros do Ministério Público. A memória seletiva não me convence.

Por todas as razões acima, a autonomia da Defensoria Pública da União deve ser mantida (sofre impugnação, aliás, através de ADI ajuizada perante o STF pela Presidente da República), consolidada e efetivada em todos os seus aspectos. Isso interessa aos Defensores, é verdade, mas também a todos os que são por eles atendidos. Desculpas e simplificações não resistem a uma análise minimamente detida.

Brasília, 11 de agosto de 2015

 

 

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