Participação ainda que tardia – julgamento

Participação ainda que tardia – julgamento

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Para atualizar a informação, comunico que o RE 841526 (responsabilidade do Estado pela morte de detento) foi julgado pelo Plenário do STF na sessão de 30/03/2016.

A voz do cidadão carente foi ouvida através da DPU na tribuna. Na verdade, ouso dizer que foi um trabalho em equipe bem legal em que cada um de nós que atua pela DPU no STF se encarregou de um papel para não deixar passar em branco discussão tão relevante (eu, Gustavo Zortéa e João Alberto Franco).

Melhor ainda foi o resultado, decisão favorável aos nossos assistidos por unanimidade: “Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.”

É inacreditável a discrepância entre a importância da DPU e a forma desrespeitosa como somos tratados pelo governo.

Continuamos na luta e nossa relevância será forçosamente reconhecida.

Brasília, 31 de março de 2016

 

Participação ainda que tardia

Participação ainda que tardia

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Alguns resultados, principalmente para quem trabalha com o que gosta, são muito satisfatórios e fazem compensar o esforço.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como regra, não permite a participação como amicus curiae após a inclusão do feito em pauta.

Esse entendimento pode trazer complicações, já que os processos não seguem ordem cronológica e muitas vezes feitos novos são pautados antes dos antigos, não havendo tempo, em muitas oportunidades, para que a Defensoria Pública identifique a matéria importante e peça sua admissão.

Foi exatamente o que aconteceu com o RE 841526. Calha transcrever a tese discutida no citado Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida:

“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. MORTE DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO. INDÍCIOS TANTO DE HOMICÍDIO QUANTO DE SUICÍDIO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, § 6º.”

O apelo extremo em questão entrou na pauta da sessão do Plenário do STF do dia 30/03/2016, sem que a Defensoria Pública da União tivesse pedido para ingressar no feito.

Mantivemos contato com o advogado da parte para saber se ele viria sustentar em favor do recorrido, que já terá contra si a fala do recorrente, Estado do Rio Grande do Sul e da União. Ele nos informou que não seria possível comparecer e apresentou tal manifestação nos autos.

Mesmo com o feito em pauta, pedimos para que fosse oportunizada à DPU a sustentação oral em Plenário, em homenagem ao princípio da paridade de armas, já utilizada para se admitir amicus curiae com processo pautado.

O Ministro Luiz Fux, relator, de forma célere, admitiu que a Defensoria profira sustentação oral, nos termos transcritos abaixo (fonte: sítio eletrônico do STF):

“Referente às Petições nº 14.070/2016 e nº 13.784/2016: “Trata-se de pedido formulado pela Defensoria Pública da União no qual pleiteia sua admissão no feito, na qualidade de amicus curiae. (…) Ex positis, ADMITO o ingresso no processo, na qualidade de amicus curiae, da Defensoria Pública da União, apenas para permitir a sustentação oral em Plenário de julgamento.”” 

Segue, abaixo, a petição apresentada ao STF para a admissão da Defensoria Pública da União como amicus curiae. Como se sabe, os processos com repercussão geral são públicos e sequer exigem assinatura digital para a consulta às suas peças. A observação dos fundamentos pode ser interessante para quem estuda o tema.

Brasília, 28 de março de 2016

 

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – RELATOR DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 841.526 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

 

RE 841.526

Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul

Recorrido: V J de Q (representado por Simone Jardim)

 

 

O DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., por intermédio do Defensor designado, conforme dispõe a Portaria 712, de 22 de novembro de 2011, requerer a sua admissão como AMICUS CURIAE, nos autos do RE 841.526, pelos motivos que passa a expor.

 

A matéria discutida no Recurso Extraordinário citado versa sobre a responsabilidade civil objetiva do Estado, em razão da morte de detento em estabelecimento penitenciário, tema que teve a repercussão geral reconhecida, para se discutir a tese abaixo (fonte: sítio eletrônico do STF):

 

“RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. MORTE DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO. INDÍCIOS TANTO DE HOMICÍDIO QUANTO DE SUICÍDIO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, § 6º.”

 

É conhecida a atuação da Defensoria Pública na seara criminal, notadamente na defesa de uma ampla massa carcerária formada por pessoas carentes, em sua imensa maioria, bem como sua condição de órgão da execução penal, conforme disposto no artigo 61, inciso VIII, da Lei 7.210/1984, o que demonstra a sua representatividade para ingresso como amicus curiae, de modo a contribuir para a solução da demanda.

Some-se a isso a atividade desenvolvida pela Defensoria Pública na esfera cível, especialmente na tutela de interesses de hipossuficientes, dentre eles os que se lesionaram quando deveriam estar sob o pálio de proteção do Estado, atuando na busca de reparação pelos danos causados. Reforça esse argumento o RE 580252, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, com repercussão geral reconhecida, patrocinado pela Defensoria Pública, em que se discute indenização a ser paga ao preso em decorrência de superpopulação carcerária.

Claro está que a manifestação da Instituição será alinhada com a defesa dos direitos dos cidadãos que sofrem lesões e das famílias que têm seus entes mortos no cárcere.

Nesse sentido, estará em posição antagônica ao Estado recorrente, bem como a da União. Tal circunstância torna ainda mais importante a participação da DPU, levando à Suprema Corte a voz dos mais frágeis.

O subscritor conhece o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que incluído o feito em pauta não mais podem ser admitidos amici curiae. Entretanto, a Corte tem abrandado esse rigor, sendo relevante rememorar o ocorrido no julgamento do RE 635659 (discussão sobre a descriminalização das drogas para consumo), quando o Ministro Gilmar Mendes, relator, admitiu o ingresso de entidades para que interviessem no feito após sua colocação em pauta, no que foi seguido pelo Plenário. Calha transcrever o andamento do dia 19 de agosto de 2015, extraído da página eletrônica do STF:

 

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, resolveu questão de ordem no sentido de admitir o ingresso no feito na condição de amicus curiae, bem como o direito à sustentação oral, da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDF), da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), da Central de Articulação das Entidades de Saúde (CADES) e da Federação de Amor-Exigente (FEAE). Em seguida, após o relatório e as sustentações orais, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo recorrente, o Dr. Rafael Munerati, Defensor Público do Estado de São Paulo; pelo recorrido Ministério Público do Estado de São Paulo, o Dr. Márcio Fernando Elias Rosa, Procurador-Geral de Justiça; pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República; pelo amicus curiae Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, o Dr. Cristiano Ávila Maronna; pelo amicus curiae Viva Rio, o Dr. Pierpaolo Cruz Bottini; pelo amicus curiae Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o Dr. Augusto de Arruda Botelho; pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra Trabalho e Cidadania e pela Pastoral Carcerária, o Dr. Rafael Carlsson Custódio; pelo amicus curiae Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transgêneros – ABGLT, o Dr. Rodrigo Melo Mesquita; pelo amicus curiae Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos – ABESUP, a Dra. Luciana Boiteux; pelo amicus curiae Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL, o Dr. Wladimir Sérgio Reale; pelos amici curiae Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM e Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas – ABEAD, o Dr. David Azevedo; pelo amicus curiae Central de Articulação das Entidades de Saúde – CADES, a Dra. Rosane Rosolen Azevedo Ribeiro; pelo amicus curiae Federação de Amor-Exigente – FEAE, o Dr. Cid Vieira de Souza Filho, e pelo amicus curiae Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), o Dr. Paulo Fernando Melo da Costa. Ausente o Ministro Dias Toffoli, participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, da 2ª Assembleia Geral e Conferência Internacional da Associação Mundial de Órgãos Eleitorais, organizadas pela Associação Mundial de Órgãos Eleitorais (AWEB). Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.08.2015. grifo nosso

 

O informativo 795 do STF esclarece as razões da admissão aparentemente tardia:

 

Porte de droga para consumo pessoal e criminalização – 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica a conduta de porte de droga para consumo pessoal. Preliminarmente, o Colegiado resolveu questão de ordem no sentido de admitir, na condição de “amici curiae” e com o direito de realizarem sustentação oral, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDF), a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PRÓ-VIDA-FAMÍLIA), a Central de Articulação das Entidades de Saúde (CADES) e a Federação de Amor-Exigente (FEAE). As referidas entidades não teriam se inscrito até o momento em que o processo fora colocado em pauta. O Tribunal entendeu que a admissão dos referidos “amici curiae” seria importante do ponto de vista da paridade de armas e auxiliaria os trabalhos da Corte. Além disso, haveria dois grupos: os favoráveis à constitucionalidade da lei e os contrários a ela. Assim, ambos os grupos teriam o direito a 30 minutos de sustentação oral cada, e dividiriam o tempo entre as entidades como aprouvesse. No mérito, o Ministro Gilmar Mendes (relator) proveu o recurso, para: a) declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do referido dispositivo, de forma a afastar todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, manteve, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas, com natureza administrativa; b) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 11.343/2006, no sentido de que, tratando-se de conduta prevista no art. 28 do diploma, o autor do fato será apenas notificado a comparecer em juízo; c) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 50, “caput”, da Lei 11.343/2006, no sentido de que, na prisão em flagrante por tráfico de droga, o preso deve, como condição de validade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, ser imediatamente apresentado ao juiz; e d) absolver o acusado, no caso, tendo em vista a atipicidade da conduta. Ademais, determinou ao CNJ as seguintes providências: a) diligenciar, no prazo de seis meses, a contar desta decisão, por meio de articulação com tribunais de justiça, CNMP, Ministério da Justiça e Ministério da Saúde, sem prejuízo de outros órgãos, os encaminhamentos necessários à aplicação, no que couber, das medidas previstas no art. 28 da Lei 11.343/2006, em procedimento cível, com ênfase em atuação de caráter multidisciplinar; b) articulação, no prazo de seis meses, a contar desta decisão, entre os serviços e organizações que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e da rede de atenção a usuários e dependentes, por meio de projetos pedagógicos em campanhas institucionais, entre outras medidas, com estratégias preventivas e de recuperação adequadas às especificidades socioculturais dos diversos grupos de usuários e das diferentes drogas utilizadas; c) regulamentar, no prazo de seis meses, a audiência de apresentação do preso ao juiz determinada nesta decisão, com respectivo monitoramento; e d) apresentar ao STF, a cada seis meses, relatório das providências determinadas nesta decisão e resultados obtidos, até ulterior deliberação.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 19 e 20.8.2015. (RE-635659) grifo nosso

 

Assim, ante a ausência do advogado da parte autora no Plenário, conforme manifestação datada de 22 de março deste ano, juntada aos autos, o ingresso da Defensoria Pública da União, com a possibilidade de sustentação oral, agregaria equilíbrio ao debate, bem como resguardaria a paridade de armas no deslinde da questão.

Assim, preenchidos os requisitos previstos no artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei n. 9.868/1999, aplicáveis aos casos de Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal, a Defensoria Pública da União requer o seu ingresso como amicus curiae, bem como lhe seja facultada a sustentação oral em Plenário. 

 

Nestes termos,

Pede deferimento.

 

Brasília, 22 de março de 2016.

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

 

Sucessivas interrupções

Sucessivas interrupções

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Alguns entendimentos do Supremo Tribunal Federal precisam mudar urgentemente.

Em tempos em que tanto se discute o devido processo legal e outras garantias fundamentais, seria bom que a Suprema Corte revisasse entendimento consolidado, mas que, em meu sentir, fere completamente princípios como o da legalidade e da razoabilidade.

Vamos ao caso.

O STF e também o Superior Tribunal de Justiça têm jurisprudência pacificada no sentido de que o trânsito em julgado de sentença penal condenatória por um segundo crime é capaz de interromper (causando seu reinício) o prazo para a obtenção de benefícios na execução penal daquele que já cumpre sua reprimenda.

Tal entendimento, com a devida licença, além de não consentâneo com a disposição expressa do artigo 111 da Lei de Execução Penal, que não prevê tal consequência, mas tão somente a soma das penas, gera situações de extrema injustiça, que serão brevemente enumeradas a seguir:

1 – em primeiro lugar, possibilita a ocorrência de bis in idem quando o segundo crime pelo qual responde o apenado já foi cometido após sua prisão, pois ele será punido com a falta grave na data do fato e depois sofrerá nova interrupção do prazo quando do trânsito da condenação;

2 – prejudica àquele que simplesmente exerceu seu direito de recorrer, uma vez que o trânsito em julgado da condenação demorará mais, causando atraso na interrupção do lapso com seu posterior reinício;

3 – desestimula os condenados que cumprem adequadamente sua reprimenda, uma vez que por fatos há muito ocorridos podem sofrer danos na execução de sua pena, mesmo que ostentem comportamento prisional exemplar (além da soma das condenações, esta prevista em lei) – importa dizer que o fato que gera a segunda condenação pode ser anterior à prisão do apenado;

4 – dificulta a reinserção do condenado, prorrogando, além do devido, sua manutenção no cárcere.

Há ainda outras contradições, como as situações que entram em conflito com o disposto na súmula 716 do STF. Calha transcrever o enunciado: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.” Ou seja, segundo a súmula, a pessoa poderá progredir de regime no curso do processo. Mantida a condenação imposta e transitada a decisão desfavorável, deverá a pessoa regredir de regime e ter zerado o interregno anterior? Tal solução parece ir de encontro ao disposto no citado enunciado sumular, mas é a que tem prevalecido.Diante de tamanhas contradições, interpus ontem agravo interno no RHC 133038, relator Ministro Dias Toffoli. Conheço a jurisprudência e a diminuta chance de êxito, mas não desisto facilmente.

Brasília, 22 de março de 2016

Decisões quase colegiadas

Decisões quase colegiadas

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Mais de uma vez já questionei a postura atual da maioria dos Ministros do STF em julgar de forma monocrática grande parte dos habeas corpus e recursos ordinários em habeas corpus que tramitam na Corte.

Posso dizer, com nove anos de atuação perante o Tribunal, que até pouco tempo atrás, não era assim.

No começo de minha atuação pela Defensoria Pública da União perante o STF, em 2007, tínhamos bem menos feitos em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Com o passar o tempo, devido ao crescimento da carreira, além dos processos oriundos de algumas Defensorias Estaduais que patrocinamos perante os Tribunais Superiores, o número foi crescendo bastante.

Assim, houve sessão em que foram julgados dezoito HCs/RHCs da DPU pela Segunda Turma do STF, que eu acompanho mais de perto. A regra, claro, não era essa quantidade, mas uns oito ou dez processos era uma quantia bem frequente.

As Defensorias foram ocupando cada vez mais tempo e espaço nos trabalhos da Suprema Corte com seus inúmeros habeas corpus. Nesse ínterim, para imprimir maior celeridade a alguns feitos que muito demoravam a serem julgados, o Tribunal alterou seu regimento, passando processos que antes eram da competência do Plenário para as Turmas, como, por exemplo, as extradições e, um pouco depois, os inquéritos e as ações penais originárias.

A soma dos fatores acima resultou na cada vez maior utilização das decisões monocráticas nos remédios constitucionais, situação que chegou ao extremo na atualidade.

A DPU continua impetrando inúmeros habeas corpus, mas hoje, quando muito, tem um ou dois julgados em cada sessão da Segunda Turma.

Aparentemente, a interposição de agravo interno solucionaria o problema, uma vez que tornaria colegiada a decisão. Se na teoria é verdade, na prática está longe de ser a mesma coisa.

Muitas vezes, os agravos internos são julgados em intermináveis listas, misturados a feitos de todas as naturezas.

Em segundo lugar, não permitem sustentação oral, ato fundamental em alguns processos. Com o tempo que tenho de atuação perante o STF, os Ministros já sabem que nunca me prestei a sustentar qualquer coisa, repetindo a mesma fala incansavelmente. Ouvi de funcionários do Tribunal que minhas sustentações são ouvidas justamente por eu não cansar a Corte com temas repetitivos. Aprendi a respeitar a jurisprudência consolidada, mesmo que contrária ao entendimento da DPU, por saber ser a insistência perda de tempo e, pior, de credibilidade.

Minha experiência demonstra inequivocamente que agravo interno e julgamento colegiado com sustentação oral (ou mesmo sem, mas do habeas corpus em si e não do agravo) são situações completamente distintas.

Não tenho como fazer prova negativa, mas, salvo engano, com exceção de retratações exercidas pelo próprio Ministro relator, não me lembro de ter ganhado um agravo interno sequer na Turma – o máximo que consegui foram votos favoráveis e perder por três a dois.

Por outro lado, inúmeras vezes, ganhei HCs/RHCs em que proferi sustentação oral, mesmo contra o voto do relator (RHC 126763, HC 103310, RHC 122469, HC 120624, HC 114060, HC 108373, HC 110118, HC 95379, entre outros).

Os exemplos acima parecem demonstrar de forma clara que o agravo interno nem de longe é a mesma coisa que o julgamento colegiado em que não houve apreciação prévia do relator sobre a causa, piorada a situação por aquele sequer permitir a sustentação oral.

Há mais. Em inúmeras oportunidades em que o writ é decidido de forma monocrática, invoca-se a existência de jurisprudência consolidada do STF. Nem sempre é o que se verifica. Só para ficar em tempo recente, fui obrigado a interpor alguns agravos internos, um deles para discutir matéria então afetada ao Plenário, justamente para consolidar a jurisprudência então dividida da Corte, e outros para impugnar decisões monocráticas proferidas em tema que ainda pendia de julgamento, interrompido mais de uma vez por sucessivos pedidos de vista. Em suma, não havia, com a devida licença, nada consolidado quando proferida a decisão singular.

Prossigo. Muitas das vezes, quando se cogita da proposição e edição de súmula vinculante em matéria penal, ouve-se o argumento de que as questões fáticas, as nuances de cada caso impediriam a criação de um enunciado geral. Concordo, em parte. Há temas de direito, mas outros que realmente têm que ser resolvidos casuisticamente. A aplicação do princípio da insignificância talvez seja o melhor exemplo da dificuldade em se estabelecer uma posição apriorística. Ora, esse mesmo raciocínio deve valer então para se evitar, em casos que fujam à mera matéria de direito, a decisão monocrática. Como mencionado acima, o agravo interno não tem nem parte do alcance e da força de um julgamento inicialmente colegiado. Ou seja, se alguns temas são muito casuísticos para a edição de súmula vinculante, a mesma lógica vale para o julgamento singular. O que acaba ocorrendo é que o resultado do feito torna-se uma espécie de loteria a depender do Ministro relator e de seu entendimento.

Para reforçar o agravo, procuro ofertar memoriais e despachar junto ao gabinete, mas a profusão de processos da DPU nem sempre permite essas medidas. Além disso, muitas vezes o feito aguarda meses até ser julgado, ficando o trabalho solto no meio de tanta coisa relevante apreciada pela Corte. A sustentação oral é imediata, olho no olho.

Das inúmeras questões levantadas acima, vem minha grande preocupação com o julgamento monocrático de quase todos os habeas corpus ou recursos ordinários em habeas corpus ajuizados pela DPU atualmente.

Sinto-me de mãos amarradas, pois minha experiência me ensinou que alguns detalhes só ganham vida quando agitados da tribuna ou, pelo menos, em um julgamento com ampla discussão.

Ainda não sei o que fazer.

Brasília, 13 de março de 2016

Uma surpresa a cada dia – complementação

Uma surpresa a cada dia – complementação

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Escrevi alguns comentários sobre o HC 123.494, julgado pela 2ª Turma do STF, a partir do que foi publicado no Informativo 814 do Tribunal.

Redigi o texto na madrugada do dia 1º para 2 de março, sendo o acórdão publicado no mesmo dia 2, horas após eu ter divulgado minhas observações em meu blog.

Completo, portanto, o que falei, com agora base no acórdão em si.

Entendo pertinente, de início, transcrever a ementa do citado julgado:

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DEFENSORIA PÚBLICA. DEFENSOR PÚBLICO NATURAL. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. PEDIDO DE REDESIGNAÇÃO. ATO REALIZADO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. MATÉRIA NÃO ARGUIDA OPORTUNAMENTE. 1. À Defensoria Pública, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, compete promover a assistência jurídica judicial e extrajudicial aos necessitados (art. 134 da Constituição Federal), sendo-lhe asseguradas determinadas prerrogativas para o efetivo exercício de sua missão constitucional. 2. O art. 4º-A da Lei Complementar 80/1994 estabelece que são direitos dos assistidos pela Defensoria Pública “o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural” (designação por critérios legais), o que não se confunde com exclusividade do órgão para atuar nas causas em que figure pessoa carente, sobretudo se considerada a atual realidade institucional. 3. No caso, o indeferimento do pedido de adiamento de audiência designada não configura cerceamento de defesa, pois, à falta de defensor público disponível para atuar na defesa técnica do paciente, foi-lhe constituído advogado particular, que exerceu seu mister com eficiência e exatidão, precedido de entrevista reservada e privativa com o acusado. 4. Ademais, à luz da norma inscrita no art. 563 do Código de Processo Penal, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional. Questão, outrossim, suscitada a destempo, após a prolação de sentença condenatória. 5. Ordem denegada.” (HC 123494, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 16/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 01-03-2016 PUBLIC 02-03-2016)

Calha, agora, tecer algumas considerações a respeito do afirmado acima.

Em primeiro lugar, concordo integralmente com a ausência de exclusividade da Defensoria Pública para atuar em favor de carentes. Ora, o cidadão pode optar por ser atendido por núcleos de prática de faculdades de Direito, por advogados particulares que queiram patrocinar a causa gratuitamente, por advogados de associações e sindicatos, sem qualquer problema. A questão torna-se diferente, entretanto, quando a pessoa já era assistida pela Defensoria Pública, quando entregou o patrocínio de sua causa à Instituição.

É direito do acusado escolher seu defensor e não sou eu quem o afirma, mas sim o artigo 8º, 2, “d” do Pacto de San José da Costa Rica. O paciente do citado habeas corpus escolheu a Defensoria Pública.

Fundamentou-se: mas foi nomeado dativo que interveio adequadamente no processo. Repito a pergunta do texto anterior: pedido de adiamento de advogado particular, devidamente sério e justificado, seria acatado?

Fui Defensor Público perante a primeira instância por 5 anos. Muitas vezes, ao participar de interrogatório, naquela época, primeiro ato da instrução, anotava na pasta do assistido perguntas e estratégias a serem tomadas quando do prosseguimento do feito. Assim, mesmo que a próxima audiência caísse em período de férias, o colega que me substituísse já tinha em mãos elementos para conduzir uma defesa mais concatenada. Ao se nomear advogado dativo, essa possibilidade fica esvaziada.

Nem se diga, como se infere da leitura do corpo do voto condutor, que o Defensor Público respondia por duas Comarcas, dividindo-se entre elas e que isso justificaria a medida tomada. Em primeiro lugar, embora não possa afirmar que isso ainda aconteça, lembro-me, até pouco tempo atrás, de colegas de faculdade que, aprovados Promotores de Justiça em Minas Gerais, respondiam por mais de uma Comarca simultaneamente. A mesma situação ocorria no Ministério Público Federal, uma vez que nem todas as Subseções Judiciárias já contavam com unidades do MPF instaladas na localidade. Pergunto: a mesma conduta ocorreria em relação a eles ou as audiências seriam designadas de acordo com sua disponibilidade?

Não faltava Defensor, pelo que se depreende da leitura do acórdão. Faltaram acordo, razoabilidade. Se infelizmente há menos Defensores Públicos no país do que seria necessário, a solução deveria ser inversa, no sentido da compreensão e da colaboração por parte da Instituição mais estruturada. Não se trata de homenagem ao Defensor, nem mesmo à própria Defensoria, mas, antes de tudo, ao assistido, cidadão carente e com poucas possibilidades de opção. Para reforçar o que ora afirmo, transcrevo trecho do voto condutor:

“2. No caso, o Defensor Público Thieres Fagundes de Oliveira foi designado para atuar, duas vezes por semana, na 2ª Defensoria Criminal de São Mateus/ES, sem prejuízo das suas funções na Comarca de Linhares/ES, razão pela qual requereu a esse último Juízo a redesignação da audiência de instrução designada para 12/4/2012, data em que estaria oficiando na comarca de São Mateus. Não obstante, o Juízo singular realizou o ato, no qual foi interrogado o paciente e inquiridas três testemunhas de acusação. Na oportunidade, foi nomeado o Dr. Leandro Freitas de Sousa para prestar-lhe assistência, tendo-lhe sido assegurado, inclusive, “contato privativo com seu advogado”.”

Aliás, o excerto acima indica que houve, sim, pedido de adiamento em tempo adequado, indeferido, portanto.

Quanto à demonstração de prejuízo, parece que sempre se impõe à defesa provar o futuro do pretérito: “o que aconteceria de diferente se o que foi feito equivocadamente fosse realizado na forma correta”. É uma solução simplista que, além de tudo, chancela e perpetua a falha.

Feita a última consideração acima, chego ao ponto em que invoco minha experiência pessoal. Atuei por 4 anos e 6 meses na primeira instância em Vitória, Espírito Santo, como Defensor Público Federal. Na maior parte desse tempo éramos 2 Defensores (3 no final do meu período na cidade). No início eram 8 Varas Federais, que, depois passaram a ser 15 (12 Varas comuns e 3 Juizados Especiais) que ocupavam 3 edifícios diferentes. Em suma, não é preciso muito para se constatar que, caso desejassem os Juízes, nossa atuação seria completamente inviabilizada.

Trabalhávamos com seriedade e afinco dentro de uma estrutura ainda mais lamentável do que hoje (perdi as contas das vezes em que comprei papel com dinheiro próprio) e isso era reconhecido pelos Juízes e pelos Procuradores da República. Assim, com exceção de um Magistrado que, no final da minha passagem por Vitória, criou um pouco mais de caso, mesmo assim contornado, sempre contamos com a colaboração dos Juízes ao pedirmos adiamento de audiências, ou que não fossem enviados todos os processos de cada Vara Federal com carga de uma só vez.

Presenciei, aliás, um Juiz, que me respeitava, mas não era meu amigo, falando com uma pessoa que dizia não ter advogado: vá para a Defensoria Pública, você será muita bem atendida.

Por outro lado, no que podíamos, buscávamos colaborar com os trabalhos das Varas, aceitando intimações inopinadas, quando ocorria algum imprevisto (lembro-me do caso de uma testemunha que era comandante de navio e não ficaria muito tempo na cidade).

Em suma, apesar de todas as dificuldades enfrentadas pela DPU na época em que estive em Vitória, havia um ambiente de respeito e compreensão entre nós, os Magistrados Federais e os Procuradores da República.

O problema da decisão acima é colocar a Defensoria, na maioria das vezes menos estruturada do que o desejável, à mercê dessa razoabilidade, nem sempre presente, por razões diversas.

Volto a dizer, a situação seria completamente diferente se não houvesse Defensor nenhum disponível na Comarca, o que não ocorria, mas tão somente a divisão de seu trabalho entre duas cidades – situação que, repito, salvo engano, ocorre (ou, no mínimo, ocorria até bem pouco tempo) também com o Ministério Público.

Assim, após ler o acórdão, mantenho minha opinião inicial. Seria possível fixar as datas das audiências para que o Defensor atendesse às duas Comarcas sem prejuízo aos seus assistidos. Atribuir a isso qualquer atraso na prestação jurisdicional me lembra a fundamentação usada para afastar o prazo em dobro das Defensorias nos Juizados Especiais: homenagem à celeridade. Convenhamos…

Brasília, 6 de março de 2016

 

 

Uma surpresa a cada dia

Uma surpresa a cada dia

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Vale a pena ler, e, em minha opinião, lamentar o trecho do Informativo 814 do STF transcrito abaixo:

Defensoria Pública e defensor público natural
A Segunda Turma denegou a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia a incidência do princípio do defensor natural. No caso, defensor público fora designado para exercer suas funções em duas comarcas distintas, em dias da semana predeterminados. Por sua vez, o juízo no qual processado o paciente determinara a realização de audiência em dia no qual o defensor estaria em comarca diversa, e designara outro advogado para prestar-lhe assistência na oportunidade. Por essa razão, alegava-se, no “habeas”, que haveria ofensa à ampla defesa e ao defensor público natural, e que o juízo deveria redesignar a audiência para dia em que o defensor público estivesse disponível. A Turma afirmou que fora assegurado ao paciente o direito de contato prévio e privativo com seu defensor “ad hoc”. Este exercera seu mister com eficiência e exatidão, pois participara ativamente dos depoimentos, formulando perguntas tanto para o acusado quanto para as testemunhas do Ministério Público. Além disso, a Defensoria Pública deveria se acomodar ao Poder Judiciário, e não o contrário, pois a atuação da Defensoria ainda seria insuficiente em alguns locais.  HC 123494/ES, rel. Min. Teori Zavascki, 16.2.2016. (HC-123494)

Questões a partir da decisão tomada:

1 – O pobre, aquele que depende da Defensoria Pública, não tem o direito de ter a defesa patrocinada por um Defensor com quem estabeleceu confiança e contato prévio?

2 – A mesma solução seria tomada em caso de pedido de adiamento de advogado particular em havendo colidência de horários ou qualquer outro motivo sério e justificado?

3 – Transcrevo a última frase do texto: “Além disso, a Defensoria Pública deveria se acomodar ao Poder Judiciário, e não o contrário, pois a atuação da Defensoria ainda seria insuficiente em alguns locais.”

Chego a uma conclusão totalmente diversa daquela adotada pela 2ª Turma do STF. A carência estrutural da Defensoria Pública em diversos lugares, em nível federal ou estadual, não deveria ser razão de maior compreensão para com suas dificuldades? Com o devido respeito, e teço os comentários a partir do Informativo, uma vez que até a data de hoje o acórdão do habeas corpus a que ele se refere ainda não foi publicado, não seria uma isonomia ao contrário? Maior rigor, intransigência, com uma Instituição relevantíssima mas que, infelizmente, ainda não foi adequadamente estruturada para atender a contento o cidadão mais frágil?

Poderia trazer mais questionamentos, mas esses me bastam.

Vou aguardar o acórdão. Se seu conteúdo for distinto do que indica o Informativo, serei o primeiro a admitir que o resumo do julgamento não representou o quanto decidido. Se for fiel à decisão, vou reconhecer a insignificância do Defensor e daqueles a quem ele representa, uma vez que para estes, a defesa pode ser feita por qualquer um e confiança, contato, estratégia nada valem, ao que parece.

Brasília, 2 de março de 2016