Notas sobre julgados do STF – IV

Notas sobre julgados do STF – IV

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Prossigo comentando os julgados da 2ª Turma do STF em HCs e RHCs patrocinados pela DPU durante o 1º semestre de 2016.

Brasília, 31 de julho de 2016

 

Foi denegada a ordem em habeas corpus em que se discutia o direito de presença do acusado em audiência de oitiva de testemunhas de acusação. Entendeu-se, por maioria, que a presença do defensor constituído supriria a ausência do acusado. Ficou vencido o Ministro Celso de Mello. Recomendo a leitura do acórdão. Adianto trecho dos debates, mais especificamente, fala do Ministro Decano do STF:

“O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Negar ao réu preso o direito de comparecimento e de presença implica comprometer-lhe a plenitude do direito de defesa, que também compreende, em sua projeção global, a prerrogativa insuprimível da autodefesa.”

O resultado seria o mesmo fosse a paciente rica e poderosa? Quantos artigos já teríamos tratando do assunto? São apenas questionamentos.

HC 130328

 

Outro julgado interessante concluiu por diferenciar conduta social de antecedentes criminais, como circunstâncias judiciais distintas. A conduta social não se confunde com a existência de processos penais, mas sim examina o comportamento do acusado no ambiente familiar, de trabalho e no convívio com outras pessoas.

RHC 130132

 

 

Notas sobre julgados do STF – III

Notas sobre julgados do STF – III

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Continuo a destacar os julgados mais importantes da 2ª Turma do STF em HCs e RHCs patrocinados pela DPU, apreciados durante o 1º semestre de 2016.

Neste tópico, tratarei de temas institucionais, como prerrogativas e contagem de prazo.

Brasília, 30 de julho de 2016

 

Nos habeas corpus indicados abaixo, o STJ se esqueceu da prerrogativa da intimação pessoal com remessa dos autos conferida à Defensoria Pública, bem como da contagem em dobro dos prazos (LC 80/94, artigo 44, I). Em decorrência, iniciou o prazo para a interposição de recurso a partir da publicação no Diário Oficial, esquecendo-se ainda da dobra. O STF concedeu a ordem em ambos os feitos, afastando a intempestividade e determinando que a Corte Superior apreciasse os processos em seu mérito. Interessante observar que no caso do HC 132946, a intervenção da Defensoria Pública deu-se já no curso do prazo recursal, uma vez que antes o paciente era atendido por advogado particular.

HC 132336, HC 132946

 

A questão da intimação da Defensoria Pública para as sessões de julgamento, notadamente dos habeas corpus, sempre gera discussões. No writ apresentado abaixo, que teve sua ordem denegada, a Defensoria combatia sua não intimação para sessão de julgamento de apelação. A ordem foi indeferida por entender a 2ª Turma que tal nulidade não foi alegada no primeiro momento em que a defesa se manifestou após sua ocorrência, a saber, quando da oposição de embargos de declaração contra o acórdão da apelação, pelo que teria ocorrido a preclusão.

Faço aqui uma observação de caráter prático. Sempre que entendo haver erro, nulidade, equívoco que prejudique a defesa de meu assistido, alego na primeira oportunidade em que me manifesto no processo. O reconhecimento de nulidade não é algo fácil de ser obtido, pior ainda fica com a passagem do tempo e a sucessão de atos processuais que teriam que ser anulados.

HC 133476

Notas sobre julgados do STF – II

Notas sobre julgados do STF – II

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Prossigo no levantamento dos temas mais importantes para a Defensoria Pública analisados pela 2ª Turma do STF durante o 1º semestre de 2016.

Brasília, 28 de julho de 2016

 

Furto e aplicação do princípio da insignificância. Apesar dos precedentes do Plenário do STF firmados nos HCs 123.108, 123.533 e 123734 estabelecerem que a reincidência, por si só, não impede a aplicação do delito de bagatela, tal circunstância tem sido invocada com frequência para afastar sua incidência. O mesmo se dá com relação a existência de inquéritos ou ações penais em andamento. No caso do descaminho, a mera existência de autuações fiscais em desfavor do acusado já tem sido invocada para se vedar a aplicação do princípio da insignificância. Os habeas corpus apresentados abaixo cuidavam de furtos de coisas com valores bastante irrisórios, mas, mesmo assim, foram rechaçados pela 2ª Turma:

HC 126174 (furto de coisa no valor de R$ 72,00), HC 127478 (furto de coisa no valor de R$ 23,50 e um pacote de biscoito), HC 134549 (furto de coisa no valor de R$ 100,00)

 

Tráfico, mula e organização criminosa. Embora já tenha comentado o tema no blog, chamo a atenção para a divergência existente entre o STJ e o STF. Para a Corte Superior, a mera condição de transportador da droga (mula) faz daquele que recebe dinheiro para a empreitada integrante de organização criminosa. Para o Supremo Tribunal Federal, destacadamente sua 2ª Turma, a condição de mula não torna a pessoa integrante desse tipo de organização. Dois aspectos merecem destaque na matéria: 1) a divergência entre STJ e STF; 2) a recente decisão do STF que afastou a hediondez do tráfico privilegiado, lembrando que integrante de organização criminosa não pode ser beneficiado com a redutora prevista no §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, pelo que, em suma, a importância do entendimento vai além da mera quantidade de pena.

HC 131795, HC 134597

Notas sobre julgados do STF – I

Notas sobre julgados do STF – I

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Pretendo fazer postagens rápidas sobre alguns dos HCs e RHCs, patrocinados pela Defensoria Pública da União, julgados pela 2ª Turma do STF no 1º semestre de 2016, apresentados em tabela já publicada no presente.

Serão breves observações, curiosidades e sugestões de leitura sobre os assuntos que entendo mais relevantes para quem se interessa por direito penal, processo penal e também por princípios da Defensoria Pública.

Inicio com 2 temas.

Brasília, 27 de julho de 2016

 

Maus antecedentes e período depurador – 5 anos após extinta a pena, a condenação anterior não pode mais ser utilizada como maus antecedentes – tal entendimento torna-se cada vez mais consolidado no STF:

HC 133077, HC 124017, HC 128153, HC 133978

 

Aplicação do princípio da insignificância no crime de porte de arma (Lei 10.826/03, artigo 16) – portar cartucho de munição como pingente é fato atípico, aplicando-se ao caso o princípio da insignificância – a conduta do paciente não gerou qualquer dano ou perigo relevante para a sociedade:

HC 133984

 

 

Tabela de HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º semestre de 2016

Tabela de HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º semestre de 2016

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Segue, abaixo, a tabela de HCs/RHCs, patrocinados pela DPU, julgados pela 2ª Turma do STF durante o 1º semestre de 2016.

Pretendo, em outro post, se possível, tecer comentários sobre alguns processos em especial, destacando decisões importantes ou situações curiosas.

De qualquer modo, vale observar que dos 57 feitos cujo julgamento já foi concluído (dos 59 iniciados, 1 está afetado ao Plenário e 1 foi interrompido por pedido de vista), obtivemos êxito, ao menos parcial, em 15, o que dá um percentual de 26,31%, mais que ¼, portanto.

 

 

Brasília, 19 de julho de 2016

 

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º semestre de 2016
Número do processo Ministro Relator Resultado Data do Julgamento Tema
HC 130328 Dias Toffoli Denegada a ordem 02/02/2016 Cerceamento de defesa, audiência sem a presença da paciente.
HC 131887 Dias Toffoli Denegada a ordem 02/02/2016 Tráfico de drogas. Majoração da pena.  Valoração negativa da natureza e da quantidade da droga. Dosimetria.
HC 130899 Gilmar Mendes Parcialmente concedido 02/02/2016 Porte ilegal de arma de fogo sem autorização e resistência. Abrandamento do regime para cumprimento da pena.
HC 131761 Cármen Lúcia Denegada a ordem 02/02/2016 Tráfico ilícito de entorpecentes. Dosimetria da pena. Fixação de regime inicial para cumprimento de pena.
HC 131221 Gilmar Mendes Denegada a ordem 16/02/2016 Furto, roubos majorados, desacato e ameaça. Prisão preventiva.
HC 131918 Cármen Lúcia Concedida a ordem 16/02/2016 Tráfico internacional de entorpecente. Causa de diminuição da pena. Bis in idem. Substituição de pena, regime prisional mais brando.
HC 131222 Gilmar Mendes Denegada a ordem 23/02/2016 Tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. Superveniência de sentença condenatória. Requisitos para a custódia cautelar.
HC 131916 Cármen Lúcia Denegada a ordem 01/03/2013 Deserção. Crime militar.  Atipicidade e estado de necessidade.
RHC 133045 Cármen Lúcia Não provido 08/03/2016 Princípio da insignificância. Impossibilidade. Maus antecedentes.
HC 132909 Cármen Lúcia Denegada a ordem 15/03/2016 Tráfico internacional de entorpecente. Imprescindibilidade de perícia complementar. Grau de pureza da droga e dosimetria de pena.
HC 133252 Cármen Lúcia Denegada a ordem 15/03/2016 Princípio da insignificância. Impossibilidade. Maus antecedentes.
RHC 132270 Cármen Lúcia Não provido 15/03/2016 Tráfico de entorpecente. Prisão preventiva. Reiteração delitiva.
HC 126545 Cármen Lúcia Afetado ao Plenário 29/03/2016 Competência da Justiça Militar para julgar civis. Atividade de policiamento.
HC 132364 Cármen Lúcia Denegada a ordem 29/03/2016 Moeda falsa. Desclassificação da conduta.
HC 133002 Cármen Lúcia Denegada a ordem 29/03/2016 Tráfico internacional de entorpecente. Quantidade e natureza da droga. Dosimetria e substituição da pena.
HC 133077 Cármen Lúcia Concedida a ordem 29/03/2016 Condenação extinta há mais de cinco anos e maus antecedentes. Período depurador.
HC 128754 Dias Toffoli Denegada a ordem 05/04/2016 Tráfico privilegiado, organização criminosa. Dosimetria. Regime inicial de cumprimento de pena.
HC 133566 Cármen Lúcia Denegada a ordem 05/04/2016 Descaminho. Reiteração delitiva e princípio da insignificância.
RHC 128797 Dias Toffoli Não provido 19/04/2016 Tráfico internacional de drogas. Redução de pena. Supressão de instância.

Prisão preventiva e fundamentação.

RHC 132328 Dias Toffoli Não provido 19/04/2016 Tráfico   de drogas. Causa de diminuição e organização criminosa. Regime de cumprimento.
RHC 132860 Dias Toffoli Não provido 19/04/2016 Tráfico internacional de drogas. Dosimetria da pena.  Natureza e quantidade da droga.
HC 126174 Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo interno 26/04/2016 Furto.  Princípio da insignificância. Reincidência. (valor: R$ 72,00).
HC 127478 Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo interno 26/04/2016 Furto.  Princípio da insignificância. Maus antecedentes (valor: R$ 23,50).
HC 130952 Dias Toffoli Vista ao ministro

Teori Zavascki

03/05/2016 Furto qualificado.  Causa de aumento de pena pelo repouso noturno em furto qualificado.
HC 131795 Teori Zavascki Concedida a ordem 03/05/2016 Causa de diminuição da pena. Condição de mula e integrante de organização criminosa.
HC 125507 Gilmar Mendes Denegada a ordem 10/05/2016 Embriaguez ao volante e prazo para elaboração de laudo pericial.
HC 124017 Teori Zavascki Concedida a ordem 10/05/2016 Condenação extinta há mais de cinco anos e maus antecedentes. Período depurador.
HC 128153 Teori Zavascki Concedida parcialmente a ordem 10/05/2016 Condenação extinta há mais de cinco anos e maus antecedentes. Período depurador.
HC 133978 Teori Zavascki Concedida a ordem 10/05/2016 Condenação extinta há mais de cinco anos e maus antecedentes. Período depurador.
HC 133234 Cármen Lúcia Denegada a ordem 10/05/2016 Importação de medicamento proibido e princípio da insignificância.
RHC 133043 Cármen Lúcia Não provido 10/05/2016 Violência doméstica e princípio da insignificância.
RHC 133934 Cármen Lúcia Não provido 10/05/2016 Trânsito em julgado da última condenação e reinício do prazo para benefícios na execução penal.
RHC 130132 Teori Zavascki Provido 13/10/2015

10/05/2016

Maus antecedentes e conduta social. Distinção.
HC 133131 Gilmar Mendes Denegada a ordem 17/05/2016 Tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico.

Prisão cautelar e fundamentação idônea.

HC 128414 Teori Zavascki Concedida a ordem 17/05/2016 Incompetência da Justiça Militar. Uso de documento falso e licitação.
HC 131783 Cármen Lúcia Denegada a ordem 17/05/2016 Descaminho. Reiteração delitiva e princípio da insignificância.
HC 133814 Cármen Lúcia Denegada a ordem 17/05/2016 Estelionato tentado e inépcia da denúncia.
HC 133914 Cármen Lúcia Concedida a ordem 17/05/2016 Apropriação indébita previdenciária e quitação do débito.
HC 133984 Cármen Lúcia Concedida a ordem 17/05/2016 Porte de munição (um cartucho). Princípio da insignificância.
HC 134082 Cármen Lúcia Denegada a ordem 17/05/2016 Tráfico de entorpecente. Aplicação da minorante e organização criminosa.
HC 133468 Dias Toffoli Concedida a ordem de ofício 24/05/2016 Posse de arma com registro vencido. Ausência de dolo. Pedido de renovação formulado.
HC 129936 Dias Toffoli Denegada a ordem 31/05/2016 Crime militar.  Evasão de preso e não recepção pela CF/88.
HC 134108 Cármen Lúcia Denegada a ordem 31/05/2016 Posse de droga e condição de militar no processo. Imprescindibilidade do termo de apreensão da droga. Momento do interrogatório.
HC 130786 Cármen Lúcia Denegada a ordem 07/06/2016 Exploração de serviço de comunicação multimídia sem autorização. Princípio da insignificância.
HC 132904 Dias Toffoli Não conhecido 14/06/2016 Tráfico de drogas. Dosimetria, regime inicial e substituição da pena.
HC 133470 Dias Toffoli Denegada a ordem 14/06/2016 Tráfico de drogas. Dosimetria (fração da redutora).
HC 133834 Dias Toffoli Denegada a ordem 14/06/2016 Tráfico de drogas. Excesso prazo na prisão cautelar (desde 03/12/2014).
HC 133476 Teori Zavascki Denegada a ordem 14/06/2016 Ausência de intimação pessoal da Defensoria. Momento da alegação e preclusão.
HC 130533 Dias Toffoli Denegada a ordem 21/06/2016 Crime ambiental (pesca em reserva de desenvolvimento sustentável) e princípio da insignificância.
HC 125777 Gilmar Mendes Denegada a ordem 21/06/2016 Incompetência da Justiça Militar. Saque indevido de proventos de militar. Prescrição em perspectiva.
HC 132336 Gilmar Mendes Concedida a ordem de ofício 21/06/2016 Necessidade de intimação pessoal da Defensoria Pública para contagem de prazo.
HC 132946 Gilmar Mendes Concedida a ordem 21/06/2016 Necessidade de intimação pessoal da Defensoria Pública para contagem de prazo, que deve ser em dobro.
HC 134474 Celso de Mello Negado provimento ao agravo interno 28/06/2016 A impetração não tinha sido conhecida por voltar-se contra decisão monocrática. Tema de fundo: descaminho e insignificância.
HC 134549 Dias Toffoli Negado provimento ao agravo interno 28/06/2016 Furto.  Princípio da insignificância. Reincidência. (valor: R$ 100,00).
HC 134903 Cármen Lúcia Denegada a ordem 28/06/2016 Estelionato contra a Previdência. Bis in idem na dosimetria da pena.
HC 133602 Cármen Lúcia Negado provimento ao agravo interno 28/06/2016 Descaminho. Princípio da insignificância. Falta de prova de inexistência de reiteração delitiva. Agravo em que foi acostada farta documentação pela DPU.
HC 134974 Cármen Lúcia Denegada a ordem 28/06/2016 Soma das penas restritivas de direito para a concessão de indulto (obtenção da fração exigida).
RHC 124084 Gilmar Mendes Não provido 28/06/2016 Cerceamento de defesa e não realização de exame de dependência toxicológica.
HC 134597 Dias Toffoli Concedida a ordem 28/06/2016 Tráfico de drogas. Mula, organização criminosa e aplicação da minorante.

 

 

Deferidos total, parcialmente ou de ofício: 15

Julgamentos interrompidos por pedido de vista ou adiamento: 2

Indeferidos (não conhecidos, denegados, com seguimento negado): 42

Total dos HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º sem. de 2016: 59

 Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

 

 

Uma rápida explicação

Uma rápida explicação

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

É muito difícil discutir salário. Sempre. Por diversas razões. É mais complicado ainda quando ele, em valores absolutos, não é baixo para os padrões nacionais, apesar da defasagem crescente.

Ocorre que as carreiras assemelhadas andam juntas, pelo que as análises devem ultrapassar a frieza dos números.

Sou Defensor Público Federal há quase 15 anos. Confesso, para início de informação, que o salário da carreira quando ingressei na Instituição era bastante baixo. Passado algum tempo, ele foi igualado ao das carreiras da AGU, abaixo da Magistratura e do Ministério Público, mas digno.

Atualmente, desenha-se uma situação complicada em que a AGU vai obter ganhos, com a percepção de honorários, enquanto a Magistratura Federal e o MPU, ainda que não consigam novo aumento – além do obtido em 2014, que não nos abrangeu – já têm remuneração bem maior do que a Defensoria Pública da União.

Feita essa breve introdução, calha colocar algumas coisas em seu devido lugar para que as pessoas, ainda que discordem da insatisfação generalizada que tomou conta dos Defensores Públicos Federais, ao menos tenham noção da realidade.

Em primeiro lugar, importa dizer que os vencimentos de um Defensor Público Federal em início de carreira são, no máximo, a metade daqueles percebidos por um Juiz Federal ou Procurador da República também recém-ingressos. As vantagens existentes nestes cargos não se repetem na Defensoria, tais como férias de 60 dias ou o pagamento de substituições. Perdemos de longe também na comparação remuneratória com várias das Defensorias Estaduais.

Além disso, a DPU não conta, até hoje, com carreira de apoio, o que tem efeito duplo. Atrasa o trabalho, prejudicando enormemente o cidadão, pois o Defensor passa a ser responsável por toda a condução do gabinete, sendo ainda desgastante, não só pelo tempo dispendido, mas pelo cansaço que tarefas que poderiam ser resolvidas por outros geram. Como exemplo, informo que a única servidora que trabalha em meu gabinete, cedida de outro órgão, é formada em química, tendo natural dificuldade com questões simples ligadas ao Direito.

A remuneração do Defensor Federal, se comparada, por exemplo, à do Procurador da República, é bem inferior, gerando insatisfação e desânimo nos membros. Por isso, os valores não podem ser vistos isoladamente, devendo ser comparadas carreiras públicas com exigências de conhecimentos técnicos, dedicação e ingresso assemelhadas.

Cabe agora refutar outro argumento lamentável, para se dizer o mínimo. “Está insatisfeito, faça concurso para Juiz ou Procurador”. Tal questionamento é preconceituoso sob diversos enfoques: a) em termos de carreira pública, só o acusador e o julgador devem ser preparados?, b) a defesa daquele que pode escolher seu advogado e pagá-lo também pode ser qualificada, c) já para o cidadão carente que conta com a Defensoria Pública, qualquer coisa serve, seja porque muitos acabarão migrando para carreiras mais rentáveis, seja pelo desânimo normal que advém de um tratamento desigual. Embora discorde, até seria capaz de respeitar quem pensa assim, desde que tal manifestação fosse feita às claras, principalmente quando proveniente de políticos.

Também com relação àqueles que laboram na esfera privada, a explicação da situação dos Defensores não é fácil. Em primeiro lugar, lutamos contra a preconceituosa condição de “defensor de bandido”, enxergada por aqueles que se esquecem que todos têm direito à defesa, além de não militarmos apenas na matéria penal, longe disso. Em seguida, muitos querem julgar os salários apenas com base nos números absolutos, deixando de lado a comparação com as outras carreiras, o que se mostra inadequado, como já mencionado. Mais ainda, muitas pessoas, por desinformação, pensam que todas as carreiras percebem as mesmas vantagens, o que, como já indiquei acima, está muito longe de ser verdade.

Aqui, reitero: Defensor Público Federal recebe seu subsídio e nada mais. Não há adicionais, auxílios, férias extras, 14º salário. Nada disso. A carreira conta com pouquíssimos cargos em comissão, pelo que a maioria dos Defensores ganha o que está descrito na Lei, sem os famosos penduricalhos. Em tempo, concordo com essa situação. Defendo salários adequados, pagamento por substituições, e poucos cargos em comissão, como regra, para todas as carreiras.

A DPU vive diuturnamente a dificuldade de ser a responsável pela defesa dos mais fracos, do mais frágeis, quase sempre esquecidos pelos noticiários, pelos pensamentos dos políticos ou pela sociedade em geral.

O tratamento digno ao Defensor importa a este, claro, mas também a todos a quem ele representa, bem a como à sociedade, na medida em que promove a redução das desigualdades e a inclusão social.

O esforço, a dedicação e a vocação são fundamentais, mas precisam encontrar respeito por parte do empregador. As conquistas e os espaços são galgados aos poucos, mas a sensação de desprezo desanima qualquer guerreiro.

Em suma, a situação enfrentada pelos Defensores Federais deve ser olhada em conjunto, em cotejo com as demais carreiras, sendo feitas reflexões também no que representa a realidade que talvez se desenhe, não só para mim e meus colegas, mas para todos para quem atuamos. Havia mais a ser dito, mas por ora basta para uma compreensão da situação e da nossa insatisfação.

Brasília, 11 de julho de 2016

 

Regime prisional adequado (PSV 57 e RE 641.320)

Regime prisional adequado

(PSV 57 e RE 641.320)

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Importância da decisão quanto ao regime prisional

O Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente dois processos tratando da colocação de pessoas no regime prisional adequado.

Como participei ativamente, pela Defensoria Pública da União, das manifestações produzidas nos dois feitos, acho pertinente tecer alguns comentários, até em decorrência do que li sobre o tema.

Em primeiro lugar, por mais óbvio que possa parecer, o pedido formulado pela Defensoria, tanto na Proposta de Súmula Vinculante (PSV 57), quanto no RE 641.320, com repercussão geral reconhecida, era no sentido de que ninguém deve ser mantido em regime prisional para o cumprimento de pena mais gravoso do que o imposto na condenação, ou ter a progressão de regime obstaculizada pela falta de vagas.

O pleito principal era, portanto, bastante simples e direto, com o objetivo claro de que ninguém suporte condição mais severa em decorrência da inércia estatal em adequar os estabelecimentos prisionais à, infelizmente, crescente demanda.

Não havia pedido, calha esclarecer, de extinção do regime fechado, de progressão automática em qualquer situação, de concessão de prisão domiciliar de forma indistinta. O objetivo é bem mais simples: que a individualização da pena seja verdadeiramente implementada e cumprida, nos exatos termos do que dispõe a Constituição da República, ou seja, que a pessoa condenada desconte sua pena na forma adequada e, não havendo vaga para tanto, que não tenha sua situação piorada pelo descaso do Estado (mais um entre tantos, frise-se).

As explicações óbvias tecidas acima têm como objetivo refutar afirmações de excesso de liberalidade da Corte, ou de “agora ninguém mais fica preso”. O Estado cumprindo sua obrigação de manter estabelecimentos prisionais adequados, as decisões prolatadas no recurso extraordinário e na súmula vinculante tornam-se inaplicáveis.

A individualização da pena só existe na prática quando passa por todas as suas fases: a legislativa, com a fixação de limites diferentes para cada crime e parâmetros distintos dentro de cada conduta, a judicial com a fixação da pena, do regime e a análise da possibilidade de conversão e, por fim, a executória, com o efetivo cumprimento da reprimenda. Se não implementada efetivamente, a individualização torna-se letra morta para ser apenas um idealismo distante da realidade. O regime adequado é parte essencial da fixação da pena, na verdade, é uma de suas facetas mais sensíveis para o cidadão.

Por outro lado, também li alguns comentários no sentido de que as decisões foram menos diretas e assertivas do que deveriam. Sem discordar de tal entendimento, destaco que o avanço obtido, de qualquer maneira, foi muito relevante, um verdadeiro marco na busca pela dignidade das pessoas condenadas. Ainda que não tenha sido formulada a redação ideal na proposta de súmula, firmou-se entendimento pela vedação do regime mais gravoso, o que é bastante significativo.

Assim, penso que o STF acertou e promoveu avanço em favor do respeito aos direitos humanos, notadamente no que concerne à individualização da pena e à não colocação de pessoas em presídios abarrotados, destacadamente quando autoras de condutas menos graves. Critico quando necessário, mas acho que foram dados passos, mesmo que menos largos que o desejado, no sentido de que o encarcerado não deve perder sua dignidade.

Feitas tais considerações, comento agora a atuação da Defensoria Pública da União tanto no RE 641.320, quanto na PSV 57.

 

Atuação da DPU na PSV 57 e no RE 641.320

A Proposta de Súmula Vinculante 57 foi apresentada pela Defensoria Pública da União, em decorrência de provocação levada ao Defensor Público-Geral Federal pela ANADEF – Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais e pela Pastoral Carcerária, em fevereiro de 2011.

Sua apreciação teve início em março de 2015, oportunidade em que o Defensor Geral proferiu sustentação oral no Plenário do STF. O Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente, votou pelo acolhimento da proposta tal como apresentada pela DPU (de minha lavra, aliás). Em seguida, o Ministro Roberto Barroso, após fazer relevantes considerações, pediu vista.

Com base nessas ponderações do Ministro, eu, um colega e o Defensor Geral elaboramos petição em que procuramos ajudar a Corte a estabelecer critérios para a colocação de presos em regime menos gravoso em caso de falta de vaga, acostada tanto à PSV 57, quanto ao RE 641.320. Cabe dar um exemplo de sugestão: havendo apenas uma vaga no semiaberto e duas pessoas para ocupá-la, deve receber o regime aberto ou domiciliar aquele que estiver mais próximo de obter o próximo benefício.

Meses depois, em dezembro de 2015, teve início a apreciação do RE 641.320, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. O pedido de ingresso da DPU no feito foi redigido por mim. O tema discutido no citado apelo extremo também cuidava da questão do regime prisional adequado. Novamente, o Defensor Geral Federal manifestou-se no Plenário, em atuação articulada com o Defensor Público do Rio Grande do Sul.

Aliás, a DPU já tinha sido ouvida na audiência pública promovida pelo Ministro Relator em que discutidas as condições prisionais do Brasil.

Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, dando parcial provimento ao recurso ministerial, acompanhado pelo Ministro Edson Fachin, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.

Em maio de 2016, a vista foi devolvida, restando parcialmente provido o recurso, fixando-se, entretanto, as condições para se evitar o cumprimento de pena em condição mais gravosa do que a condenação, nos termos abaixo transcritos:

“Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, observe-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao recorrido após progressão ao regime aberto, vencido o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o recurso. Em seguida, o Tribunal, apreciando o tema 423 da repercussão geral, fixou tese nos seguintes termos: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, alíneas “b” e “c”); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 11.05.2016.” (fonte: sítio eletrônico do STF)

Em junho de 2016, a PSV 57 voltou à pauta, sendo aprovada, não mais com a redação original, mas com as indicações formuladas quando do julgamento do RE 641.320:

“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS” (Súmula Vinculante 56)

Em suma, houve relevante participação da DPU nos dois feitos que podem conduzir a uma situação mais humana para os condenados. Se o resultado não foi perfeito, foi bastante satisfatório para que as pessoas não sejam deixadas indefinidamente em condições ainda piores do que aquelas que decorrem das condenações. Eu diria que foi, sim, uma grande vitória da dignidade e da cidadania. Um dia de cada vez.

Brasília, 4 de julho de 2016

Ponderações sobre o cabimento de habeas corpus

Ponderações sobre o cabimento de habeas corpus

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Gerou muita discussão a decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli, do STF, na Reclamação 24.506 através da qual ele concedeu habeas corpus de ofício ao ex-Ministro Paulo Bernardo.

Houve manifestações contrárias e favoráveis ao decisum, da lavra de Juízes, Procuradores, Advogados.

De minha parte, penso que quando o Magistrado se depara com prisão que considera ilegal deve mesmo relaxá-la, não prorrogando o constrangimento. O grande problema, todavia, é a comparação da decisão proferida com o que ocorre na grande maioria dos feitos, situação fomentadora da polêmica.

O que percebo enquanto Defensor Público Federal, com militância de anos perante o Supremo Tribunal Federal, é que a Corte tem sido cada vez mais restritiva quanto ao cabimento do remédio heroico.

Vou me dispensar de colacionar vários precedentes, mas o STF não tem admitido HC contra decisão monocrática da instância anterior (HC 119.115), a depender da Turma não admite HC originário quando cabível o recurso ordinário em habeas corpus (HC 120.027), a mesma Turma tem exigido o RE contra o RHC, afastando nova impetração (HC 130.916) e, recentemente, começou a discutir a análise de ofício do mérito dos habeas corpus não conhecidos (HC 134.320):

“HC de ofício

Durante a sessão, os ministros chegaram a cogitar a possibilidade de mudar a jurisprudência da Corte para passar a aceitar ou negar Habeas Corpus de ofício.

Essa questão é frequente na Turma: Se pela Súmula a Corte não poderia nem conhecer do recurso, por que os ministros acabam analisando o mérito do pedido?

O presidente da 1ª Turma, Luís Roberto Barroso afirmou que não estava preparado para analisar a proposta na sessão desta terça-feira (28/6), mas prometeu levar a questão à Turma.” (fonte: <http://jota.uol.com.br/stf-mantem-prisao-preventiva-de-silval-barbosa-ex-governador-de-mato-grosso&gt;)

Um dos exemplos apontados acima indica que a Corte deixa ainda de apreciar parte das alegações em decorrência de supressão de instância (HC 120.027):

“ (…)4. Caracteriza-se indevida supressão de instância o enfrentamento de argumento não analisado pela instância a quo. 5. Habeas corpus não conhecido, revogando-se a liminar anteriormente deferida.” (HC 120027, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 17-02-2016 PUBLIC 18-02-2016)

Como se vê, há restrições cada vez maiores e mais limitadoras. Aqui calha perguntar se a análise de ofício faz o mesmo efeito que o conhecimento da impetração, pois em caso de resposta positiva fica completamente incompreensível e despicienda tal distinção; por outro lado, a resposta negativa torna ainda mais flagrante a restrição ao uso do remédio constitucional.

Por isso, sem adentrar no mérito da decisão, fico incomodado ao notar que a concessão tão célere e a admissão dos habeas corpus são infrequentes em um Tribunal cada vez mais restritivo. Desejo que tais limitações sejam repensadas em favor de todos e que o formalismo recue em defesa da celeridade e da liberdade.

Brasília, 4 de julho de 2016

 

Conduta social e maus antecedentes – circunstância judicial

Conduta social e maus antecedentes – circunstância judicial

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Foi julgado e provido, pela 2ª Turma do STF, o RHC 130132, em que havia uma discussão interessante a respeito do que seria a circunstância judicial “conduta social”.

As instâncias anteriores tinham considerado como conduta social negativa a existência de antecedentes criminais.

A DPU refutou tal entendimento, sustentando no recurso ordinário que tal circunstância deve observar a relação da pessoa no ambiente familiar, de trabalho, cotidiano enfim, não guardando pertinência com questões processuais.

A tese da Defensoria foi acolhida, nos termos da ementa abaixo transcrita:

“Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP. EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÕES ANTERIORES COM TRÂNSITO EM JULGADO. FUNDAMENTO PARA DESVALORAR OS MAUS ANTECEDENTES E A CONDUTA SOCIAL. MOTIVAÇÃO INADEQUADA. 1. A circunstância judicial conduta social, prevista no art. 59 do Código Penal, compreende o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Vale dizer, os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes criminais. São vetores diversos, com regramentos próprios. Doutrina e jurisprudência. 2. Assim, revela-se inidônea a invocação de condenações anteriores transitadas em julgado para considerar a conduta social desfavorável, sobretudo se verificado que as ocorrências criminais foram utilizadas para exasperar a sanção em outros momentos da dosimetria. 3. Recurso ordinário em habeas corpus provido.” (RHC 130132, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-106 DIVULG 23-05-2016 PUBLIC 24-05-2016)

 

Brasília, 3 de julho de 2016