Diário de Carreira: defensor público federal no STF*
Gustavo de Almeida Ribeiro
Inicio me apresentando. Sou Gustavo de Almeida Ribeiro, defensor público federal, cargo que anteriormente era chamado de defensor público da União[1]. Tomei posse em dezembro de 2001, na primeira turma do primeiro concurso realizado[2] para membro da Defensoria Pública da União (DPU).
A Defensoria Pública da União, assim como as Defensorias Estaduais, atua em prol dos hipossuficientes. Normalmente, o conceito de hipossuficiência está atrelado ao de carência econômica, o que, de fato, ocorre na maior parte das vezes. Há, todavia, outros tipos de necessidades que podem levar à atuação da Defensoria Pública, como ocorre em muitas das ações coletivas, por exemplo.
A DPU atua perante a Justiça da União em todos os seus níveis e em todos os seus ramos, ou seja: Justiça Federal, do Trabalho, Militar da União e Eleitoral. Infelizmente, em razão do diminuto número de defensores, se considerados a variedade dos órgãos de atuação e a extensão do Brasil, não existem ainda profissionais em todas as subseções judiciárias, nem atuando em todos os ramos da Justiça da União na totalidade das localidades – muito embora esse seja o objetivo da Instituição.
A carreira se divide em 3 níveis, o de ingresso, ocupado pelo defensor público federal de 2ª categoria, o intermediário, integrado pelo defensor público federal de 1ª categoria e o final, ocupado pelo defensor público federal de categoria especial.
A categoria inicial atua perante os órgãos de primeiro grau da Justiça da União. Por sua vez, os Defensores Públicos Federais da 1ª Categoria atuam perante as Turmas Recursais e os Tribunais Regionais. Já os Defensores de Categoria Especial atuam perante os Tribunais Superiores e a Turma Nacional de Uniformização.
O defensor público-geral federal é escolhido dentro os membros da carreira com mais de 35 anos, indicado por meio de lista tríplice, da qual o Presidente da República escolhe um nome que será sabatinado pelo Senado Federal, para mandato de 2 anos, permitida uma recondução. Cabe ao defensor público-geral federal a atuação perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do disposto no artigo 23 da Lei Complementar 80/94.
Como se pode imaginar, o defensor geral não conseguiria, sozinho, atuar amplamente perante o STF, além de desenvolver todas as demais atividades que estão sob sua responsabilidade como gestor. O DPGF atual, na linha do que tinham feito os anteriores, escolheu colegas para auxiliá-lo na condução dos processos perante a Corte. Eu sou um deles, sendo o responsável pela coordenação dos trabalhos. Além de mim, há mais 4 colegas no grupo de atuação[3], todos nós membros da categoria especial.
Por fim, uma informação que reputo relevante para os eventuais interessados e que todos nós sentimos, independentemente do local de atuação: é uma carreira que permite grande satisfação ao se conseguir a implementação de um direito em favor de alguém necessitado.
Faço agora um resumo da minha semana, colocando as atividades mais relevantes.
Segunda-feira (16/10)
Como acontece praticamente todos os dias, uma das primeiras atividades é a verificação dos prazos mais urgentes e da necessidade ou não da interposição de recursos. Como a atuação se dá no STF, em que a maioria dos processos que nele aportam já não permitem rediscussão fática aprofundada e não há instância superior para se recorrer, a análise de cada caso e da pertinência recursal é um pouco distinta das demais. Em suma, o principal a ser analisado em cada processo, em regra, é a tese jurídica.
A análise tem como objetivo evitar a interposição de uma profusão de recursos sem chance de êxito que acabariam por tornar repetitivos e cansativos nossos argumentos, além de tomar tempo desnecessário do STF. Há uma relação de lealdade com a Corte na qual se espera reciprocidade.
Feitas essas análises, peço aos estagiários para me ajudarem nas pesquisas de jurisprudência para eventual recurso, bem como para verificarem qual a situação da pessoa que é parte no processo. Às vezes, entre a chegada de um habeas corpus e seu julgamento, o objeto foi há muito perdido.
Em seguida, analisei os processos da DPU pautados para serem julgados nas sessões das Turmas do STF no dia seguinte. Pela minha divisão com meus colegas, sou o responsável, fora substituições, pelos HCs, RHCs, ações penais originárias e inquéritos que correm perante a 2ª Turma do STF, atuando em outros processos por substituição, quando alguém está em férias. Na 2ª Turma não havia nada para ser julgado, enquanto na 1ª Turma havia alguns processos que seriam levados em mesa. Sempre que há processos de meu interesse, me preparo para a realização de sustentação oral.
O STF tem optado, cada vez mais, pelos julgamentos monocráticos, em que os ministros decidem sozinhos, permitindo a interposição de agravo.
Terça-feira (17/10)
Terça foi um dia sem prazos vencendo. Utilizo esses dias — quando não estou em sessão, claro — para adiantar prazos ou fazer petições mais complexas, que demandam mais trabalho, pesquisa.
Foi o que fiz. Há um tema importante sob meus cuidados, que tem sido tratado por mim todos os dias. Trata-se do habeas corpus coletivo impetrado em favor dos presos do sistema federal, tema amplamente divulgado na imprensa recentemente (HC 148459/STF).
Gosto de pensar essas peças. Refletir, raciocinar as vantagens e desvantagens de cada alegação. Mais que tamanho, preocupo-me com o conteúdo.
Quando tenho processos na Turma que acompanho, procuro sempre estar presente para acompanhar os julgamentos. Audiências são raras (ocorrem em extradições e ações penais originárias), mas as sessões são frequentes.
Além disso, cuidei do ordinário, prazos e despachos.
Quarta-feira (18/10)
Durante o dia, cuidei dos prazos de sempre.
No final da tarde, fui a uma reunião com defensores públicos estaduais que atuam em Brasília. As Defensorias Estaduais podem manter representações na capital do país para atuarem perante o STJ e o STF. Aquelas que não possuem tal representação têm seus processos acompanhados pela DPU quando estes aportam em Brasília.
O objetivo da reunião era trocar informações, discutir temas de interesse de todos as Defensorias em favor de seus assistidos. Foi também uma oportunidade de conhecer alguns colegas dos estados que acabaram de chegar.
Lutamos pelos mais frágeis, pelo que a soma de esforços é essencial.
Quinta-feira (19/10)
Sempre que possível assisto às sessões plenárias do STF. Quando não estou no Tribunal, vejo pelo YouTube, enquanto trabalho. Assistir aos debates ensina direito e também o comportamento, os modos da Corte. Acreditem, isso faz diferença.
Nesse dia tinha razão especial para acompanhar, pois meu colega proferiu sustentação oral como amicus curiae, em nome da DPU, na ADI 5543, que questiona a vedação da doação de sangue por homossexuais.
Essa semana eu não fiz sustentação oral, cada vez mais raras, aliás, em razão dos julgados monocráticos. Para os que estudam ou se iniciam na advocacia digo, dá um certo nervosismo, principalmente no começo, mas a sensação é gratificante ao se produzir uma boa defesa oral.
Havia muitos prazos vencendo no dia, que começou cedo e acabou tarde, com o envio do último agravo interno já à noite. O peticionamento eletrônico é uma benção e um fardo. Benção por estender o prazo até o final do dia, independentemente de horário forense; fardo por que isso sempre me faz ler e reler as coisas até tarde. Enquanto há prazo há vida e reflexão.
Sexta-feira (20/10)
Na manhã de sexta-feira tive uma reunião com o defensor público-geral federal para tratar da atuação em processos relevantes e de maior destaque, dentre eles, a questão da transferência dos presos dos estabelecimentos federais.
A elaboração de estratégias de atuação, além de peças e manifestações processuais é importante e pode até mesmo alterar o resultado dos processos.
À tarde, dei continuidade à verificação de prazos, processos, andamentos.
Brasília, 23 de outubro de 2017
[1] A LC 132/09 alterou a LC 80/94, mudando o nome do cargo de Defensor Público da União para Defensor Público Federal.
[2] Os Defensores Públicos da União mais antigos que eu vieram da carreira de Advogado de Ofício, tendo optado pela carreira da Defensoria.
[3] AASTF: Assessoria de Atuação no Supremo Tribunal Federal.
*publicado no site jota.info em 23/10/2017