O Tribunal do Júri como ele é

O Tribunal do Júri como ele é

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Ao ter a ideia de escrever o texto abaixo, refleti se deveria tratar dos aspectos mais jurídicos do Tribunal do Júri ou das curiosidades que fazem parte desse procedimento tão peculiar.

Resolvi cuidar mais do caso em si que das discussões jurídicas, embora haja pontos de contato entre os enfoques.

Há quem adore o júri pela participação popular, outros detestam-no pela falta de conhecimento técnico de quem decide. Quanto a este segundo aspecto, penso que ao se fazer a opção pela decisão de acordo com a íntima convicção, dá-se plena liberdade ao julgador, devendo ser respeitada a soberania dos veredictos (CF/1988, artigo 5ª, XXXVIII, “c”). Assim, a apelação com base na contrariedade à prova dos autos sempre me pareceu permitir indevida ingerência do Tribunal togado na decisão dos jurados (CPP, artigo 593, III, “d”). Ninguém chega à conclusão de contrariedade entre a decisão e as provas sem examiná-las de maneira aprofundada[1].

Feita a introdução, vou ao caso. Alguns amigos de faculdade faziam defesas em processos de competência do tribunal júri na Comarca de Belo Horizonte/MG, na condição de estagiários da DAJ – Divisão de Assistência Judiciária da UFMG, devidamente acompanhados por um professor.

Assistindo o trabalho deles, três acusados de um homicídio ocorrido em uma cidade do interior de Minas ficaram bem impressionados e resolveram contratá-los para sua defesa.

Eles, colegas e professor, aceitaram a empreitada.

No caso, os acusados, pai e dois filhos, tinham sido denunciados pelo homicídio de um homem em sua cidade.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia anulado o primeiro julgamento em razão de vício na quesitação. Já no segundo, o conselho de sentença votou pela absolvição de todos. Interposta apelação pelo Ministério Público, o TJMG acolheu a tese de contrariedade à prova dos autos, determinando a submissão dos apelados a um terceiro julgamento, que ocorreria 10 anos após a morte da vítima.

Nesse ponto entraram em cena os colegas.

Eles se prepararam, foram para o interior, e lá atuaram com grande desenvoltura, obtendo nova absolvição dos acusados.

A nota curiosa veio ao final. Já na saída do fórum, após encerrados os trabalhos, um jurado chamou um dos meus amigos e disse:

“Doutor, nós sabemos que os seus clientes mataram a vítima. Aqui não tem bobo não. Nós votamos pela absolvição porque achamos que eles fizeram um favor para a nossa cidade.”

Brasília, 2 de agosto de 2019

 

 

[1] Já tinha em mente escrever o presente, quando li, no site do STF, a decisão do Min. Celso de Mello proferida no RHC 117076, versando sobre tema bastante semelhante: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=418063>

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