Direito de visita e o cabimento de habeas corpus

Direito de visita e o cabimento de habeas corpus

 

Comentei há alguns dias sobre o cabimento de habeas corpus para se discutir o direito de visita à pessoa presa.

Como mencionei em meu Twitter, o STF já admitiu o uso do remédio heroico até mesmo para a volta de magistrado ao cargo.

Colocarei, abaixo, a peça de agravo apresentada por mim, naquilo que importa: fatos e fundamentação jurídica.

Para os que quiserem acompanhar no STF, trata-se do HC 177.485, impetrado pela DPU no STF.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 16 de dezembro de 2019

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS 

O agravante foi condenado à pena de 26 anos e 3 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

No curso da execução, o Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal indeferiu pedido de autorização de visita, formulado pelo irmão do agravante, WBP, cuja entrada no estabelecimento prisional foi proibida em decorrência de estar ele cumprindo pena em regime aberto.

Diante da decisão, a defesa interpôs agravo em execução, tendo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em decisão unânime, negado-lhe provimento.

Sobreveio recurso especial pela defesa, que restou inadmitido pelo Tribunal de origem.

Em seguida, a defesa interpôs agravo em recurso especial contra a mencionada decisão, a fim de dar seguimento ao recurso.

Já na Corte Superior, o Ministro Relator conheceu do agravo para lhe negar provimento. A decisão foi mantida pela Quinta Turma do STJ, após a interposição de agravo interno pelo agravante.

A defesa então impetrou habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal, o qual não foi conhecido, sob o fundamento de que o remédio heroico não é idôneo para se questionar a legalidade do ato impugnado, uma vez que se destina a amparar a imediata locomoção física das pessoas.

Com a devida vênia, a decisão não merece prosperar, pelos fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS 

1. Cabimento. Conhecimento. 

O presente agravo volta-se contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus. O Ministro Relator entendeu que a pretensão apresentada pelo agravante não apresenta ofensa ao direito de ir, de vir e de permanecer.

Ocorre que essa Segunda Turma, ao apreciar o habeas corpus 107.701, em decisão unânime, conheceu da ação e deferiu o pedido de habeas corpus para assegurar ao paciente o direito de visita dos filhos. A liberdade de locomoção foi entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento da liberdade de ir e vir.

Transcreve-se a ementa do mencionado julgado:

HABEAS CORPUS. 2. DIREITO DO PACIENTE, PRESO HÁ QUASE 10 ANOS, DE RECEBER A VISITA DE SEUS DOIS FILHOS E TRÊS ENTEADOS. 3. COGNOSCIBILIDADE. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO ENTENDIDA DE FORMA AMPLA, AFETANDO TODA E QUALQUER MEDIDA DE AUTORIDADE QUE POSSA EM TESE ACARRETAR CONSTRANGIMENTO DA LIBERDADE DE IR E VIR. ORDEM CONCEDIDA. 1. COGNOSCIBILIDADE DO WRIT. A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente. Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido. 2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes. 3. ORDEM CONCEDIDA. (HC 107701, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-061 DIVULG 23-03-2012 PUBLIC 26-03-2012 RT v. 101, n. 921, 2012, p. 448-461) (grifo nosso)

Além disso, a utilização do habeas corpus já foi admitida até mesmo para se garantir o retorno de pessoa ao cargo público por ela ocupado, como pode ser constatado através da leitura das ementas abaixo colacionadas:

Habeas Corpus. 2. Cabimento. Proteção judicial efetiva. As medidas cautelares criminais diversas da prisão são onerosas ao implicado e podem ser convertidas em prisão se descumpridas. É cabível a ação de habeas corpus contra coação ilegal decorrente da aplicação ou da execução de tais medidas. 3. Afastamento cautelar de funcionário público. Conselheiro de Tribunal de Contas. Excesso de prazo da medida. Ausência de admissão da acusação. Há excesso de prazo no afastamento cautelar de Conselheiro de Tribunal de Contas, por mais de dois anos, sem que a denúncia tenha sido admitida. 4. Ação conhecida por maioria. Ordem concedida. (HC 121089, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 16-03-2015 PUBLIC 17-03-2015) (grifo nosso)

EMENTA: Habeas Corpus. 1. Paciente que, na condição de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), foi denunciado pela suposta prática dos delitos de: a) tentativa de aborto sem o consentimento da gestante (CP, arts. 125 c/c 14, II, e 29); b) lesão corporal leve (CP, art. 129); c) aborto provocado sem o consentimento da gestante em concurso de pessoas (CP, arts. 125 c/c 29); d) roubo em concurso de pessoas (CP, arts. 157 c/c 29); e) ameaça e coação no curso de processo em concurso de pessoas (CP, arts. 147 e 344 c/c 29); f) seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz (CP, arts. 148, § 1º, III e § 2º, e 249, § 1º); g) falsidade ideológica (CP, art. 299 e parágrafo único); h) uso de documento falso (CP, art. 304); i) falso testemunho (CP, art. 342, § 1º); j) corrupção ativa de testemunha (CP, art. 343); l) denunciação caluniosa (CP, art. 339); e m) falsidade de atestado médico (CP, art. 302 c/c 29). 2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao receber a denúncia, determinou o afastamento do paciente do cargo de magistrado, nos termos do art. 29 da Lei Complementar no 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN). No STJ, a inicial acusatória não foi recebida quanto aos crimes de lesão corporal (CP, art. 129 – letra “b”) e ameaça (CP, art. 147 – letra “e”). 3. Com relação ao crime de roubo (CP, art. 157 – letra “d”), a ação penal foi parcialmente trancada, por maioria, pela 2ª Turma desta Corte, no julgamento do HC no 84.768/PE, DJ 27.5.2005, Rel. Originária Min. Ellen Gracie, Red. para o acórdão Min. Gilmar Mendes. 4. Quanto aos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299 e parágrafo único – letra “g”), uso de documento falso (CP, art. 304 – letra “h”), corrupção ativa (CP, art. 343 – letra “j”), denunciação caluniosa (CP, art. 339 – letra “l”), falso testemunho (CP, art. 342 – letra “i”), e falsidade de atestado médico (CP, art. 302 – letra “m”), a 2ª Turma deliberou novamente pelo trancamento parcial da ação penal (AP no 259/PE, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, do STJ) no julgamento do HC no 86.000/PE, DJ 2.2.2007, Rel. Min. Gilmar Mendes. 5. Alegações da defesa neste habeas corpus: i) inépcia total da denúncia recebida pelo STJ; ii) ainda que superada a alegação anterior, inépcia da peça acusatória ofertada em desfavor do paciente, em razão da aparente contradição que poderia advir em virtude da decisão tomada pela 2ª Turma no julgamento do HC no 82.982/PE, de relatoria do Min. Cezar Peluso (DJ 8.6.2007); e iii) excesso de prazo na instrução criminal, no que concerne ao afastamento cautelar do paciente, nos termos do art. 29 da Lei Complementar no 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN). 6. Com relação à alegação de inépcia da denúncia, verifica-se que a inicial atendeu ao disposto nos arts. 41 e 43 do CPP. Precedentes do STF. Nesse ponto, ordem indeferida. 7. No que concerne à alegação de inépcia da peça acusatória ofertada em desfavor do paciente, em razão da aparente contradição que poderia advir em virtude da decisão tomada pela 2ª Turma no julgamento do HC no 82.982/PE, Rel. Min. Cezar Peluso (DJ 8.6.2007) (item “ii” acima), em primeiro lugar, não há relação de vinculação entre o acórdão proferido pela 2ª Turma no HC no 82.982/PE (Rel. Min. Cezar Peluso) e a matéria discutida neste habeas corpus. Em ambos os casos, discute-se a validade, ou não, de imputações realizadas pelas respectivas peças acusatórias, as quais, não obstante guardem uma relação de conexão fático-probatória, dizem respeito a supostos agentes criminosos distintos. Ademais, eventual conclusão acerca da inépcia, ou não, da denúncia quanto ao crime de subtração de incapaz (CP, art. 249, § 1º) exigiria o reexame de fatos e provas, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes do STF: HC no 91.634/GO, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJ 5.10.2007; HC (AgR) no 90.247/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 27.4.2007; HC no 89.248/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; HC no 86.522/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 19.4.2006; HC no 85.089/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 18.11.2005; HC no 83.804/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, unânime, DJ 1º.7.2005; HC no 83.617/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 14.5.2004; HC no 81.914/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 22.11.2002; HC no 81.472/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 14.6.2002; HC no 79.503/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, maioria, DJ 18.5.2001; HC no 76.381/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 14.8.1998; HC no 75.069/SP, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ 27.6.1997; e HC no 71.436/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 27.10.1994. Quanto a essa segunda alegação, ordem indeferida. 8. Com relação à alegação de excesso de prazo (item “iii” acima), o STF tem deferido a ordem de habeas corpus somente em hipóteses excepcionais, nas quais a mora processual seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela atuação da acusação, ou ainda, em razão da ineficiência administrativa do próprio aparato judicial. Precedentes do STF: HC no 89.196/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1a Turma, maioria, DJ 16.2.2007; HC no 86.346/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ 2.2.2007; HC no 86.850/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ 6.11.2006; HC no 87.164/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2a Turma, unânime, DJ 29.9.2006; HC no 87.910/SP, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ 25.4.2006; HC no 85.068/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma, unânime, DJ 3.6.2005; HC no 85.237/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, DJ 29.4.2005; e HC no 85.400/PE, Rel. Min. Eros Grau, 1a Turma, unânime, DJ 11.3.2005. 9. Dos documentos acostados aos autos, observa-se, à primeira vista, que a defesa não deu causa ao excesso de prazo. No entanto, há indícios de que a suposta vítima teria contribuído para a mora processual (por meio da: criação de dificuldades para a realização de perícia por um período de cerca de 10 meses após a instauração da AP no 259/PE; da apresentação de sucessivos pedidos de substituição de testemunhas; e, por fim, da contribuição para que a instrução ainda não se tenha encerrado). 10. Paciente afastado do cargo de Desembargador do TJ/PE desde o recebimento da denúncia – 19.3.2003 (por mais de 4 anos e 6 meses ao momento da sessão de julgamento pela 2ª Turma em 30.10.2007), sem que a instrução criminal tenha sido concluída. Configurada excessiva mora da instrução criminal denominada como “excesso de prazo gritante”. Precedentes do STF: HC no 87.913/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJ 5.9.2006; HC no 84.095/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 2.8.2005; HC no 83.177/PI, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 19.3.2004; e HC no 81.149/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, unânime, DJ 5.4.2002. 11. Ordem deferida tão-somente para suspender os efeitos da decisão da Corte Especial do STJ no que concerne à imposição do afastamento do cargo nos termos do art. 29 da LC no 35/1979, determinando, por consequência, o retorno do paciente à função de Desembargador Estadual perante o TJ/PE. (HC 90617, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/10/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-02 PP-00354) (grifo nosso)

Em suma, embora não mais prevaleça o entendimento extremamente ampliado sobre o cabimento do habeas corpus, como prevalecia na chamada doutrina brasileira do habeas corpus, situações em que a liberdade de locomoção seja atingida por medida do Estado podem ser tuteladas através do uso do remédio heroico.

2. Mérito

Não há fundamentação idônea que justifique a restrição do direito fundamental do agravante em receber a visita do irmão. A Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos LXIII, XLVII e XLIX, assegura ao preso assistência da família, veda tratamentos cruéis, trabalhos forçados e exige respeito à integridade física e moral dos presos.

Pior ainda quando se constata que essa vedação é imposta pelo Distrito Federal aos presos que cumprem pena nesse ente da federação sem qualquer análise casuística que justifique a medida constritiva.

É de suma importância conferir maior força normativa ao texto constitucional, sobretudo dentro do contexto reconhecido do Estado de Coisas Inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, causado por violações generalizadas e reiterada inércia estatal.

Além disso, como demonstrado anteriormente, a Corte já admitiu habeas corpus até mesmo para determinar o retorno de servidor ao cargo, situação menos ligada ao direito de liberdade que a visita a uma pessoa presa.

Conforme entendido no HC 107.701/RS, e apesar de algumas ressalvas na utilização da via eleita, reputou-se como adequada a utilização da ação constitucional quanto ao direito de visita, porquanto ser o direito de visita desdobramento do direito de liberdade, conforme se extrai do voto condutor do Min. Gilmar Mendes:

“Em linhas gerais, o direito de visitas nada mais é que um desdobramento do direito de liberdade. De fato, só há falar de direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Dessarte, tenho para mim que a decisão do juízo das execuções que indeferiu o pedido de visitas formulado teve diretamente o condão de repercutir na esfera de liberdade, na medida em que agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente.

Ademais, levando em conta que uma das finalidades da pena é a ressocialização, eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social.

Diante de todos esses dados, tenho para mim que as decisões formalizadas pelo Juízo de origem e demais tribunais não são idôneas para a adequada solução da controvérsia posta.” (grifo nosso)

O Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do Ministro relator, nos termos abaixo apresentados:

“Senhor Presidente, tenho algumas considerações a fazer. Inicialmente, acompanho o eminente Ministro Relator no que tange ao conhecimento do habeas corpus. Entendo que se está, sim, diante de uma limitação do direito de ir e vir, porque o habeas corpus, no caso, se insurge contra a execução da pena, ou seja, está se impondo, aqui, ao paciente, uma restrição maior, em tese, ao modo como é executada a sua pena. Aliás, é muito grave, porque ele foi condenado a mais de trinta e nove anos de reclusão, é uma pena grave, e ele se insurge contra o modo pelo qual lhe está sendo imposta essa execução”. (grifo nosso)

Em consonância ao princípio da humanização das penas, correlacionado ao princípio maior da dignidade da pessoa humana, é imperioso reconhecer que tal direito tem o objetivo de ressocialização do condenado, não podendo ser negado sob o fundamento genérico, repisa-se, de o visitante estar cumprindo pena em regime aberto, uma vez que os efeitos da sentença penal condenatória não podem ser ampliados para restringir o gozo de outros direitos individuais.

Aliás, parece contraditório buscar, sem razão concreta, afastar a aproximação de irmãos, sendo que a família sempre pode ser fator fundamental na reintegração do egresso.

Calha invocar, em reforço ao alegado, julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. DIREITO DE VISITA. COMPANHEIRA TAMBÉM CONDENADA POR TRÁFICO DE DROGAS. ART. 41 DA LEI N. 7.210/1984. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE ÓBICES LEGAIS.

  1. No presente caso, o Tribunal a quo decidiu que a condenação da companheira do recorrido, também por tráfico de drogas, em regime aberto, não é fundamento idôneo para justificar o indeferimento do pedido de visita.
  2. Assegurado expressamente pela Lei de Execução Penal, o direito de visitação, com o objetivo de ressocialização do apenado, não pode ser negado a companheira do condenado, por ela estar cumprindo pena sob o regime aberto, uma vez que este só lhe restringe os direitos atingidos pelo efeito da sentença condenatória, e não ao gozo dos demais direitos individuais. Precedentes: AgRg no REsp 1475961/DF, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 13/10/2015; AgRg no REsp 1556908/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 05/11/2015.
  3. Salienta-se que não se desconhece a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o direito de visita não é absoluto ou ilimitado. Ocorre que, no presente caso, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório, concluiu, diante das peculiaridades verificadas, que estavam preenchidos os requisitos para autorizar à companheira do apenado o direito de visita. Assim, acolher a pretensão recursal sob exame, que almeja a proibição de autorização do direito à visitação (a qual somente pode ser avaliada diante das peculiaridades do caso concreto), seria imprescindível revolver o conjunto fático-probatório, providência inviável na via estreita do recurso especial (Súmula 7 do STJ).
  4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1487212/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016) (grifo nosso)

Trata-se, portanto, de fazer valer o que impõe a Carta da República, isto é, a busca da ressocialização do apenado como sujeito de direito, em observância ao disposto artigos 10, 40 e 41, inciso X, da Lei de Execuções Penais.

 

Julgados de destaque II

Julgados de destaque II

 

Apresento, abaixo, mais dois habeas corpus, impetrados pela DPU e julgados pela 2ª Turma do STF, que entendo trazerem aspectos interessantes para reflexão.

Já fiz alguns comentários sobre eles em meu Twitter, mas aproveito para destacá-los agora já com os respectivos acórdãos publicados.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 10 de dezembro de 2019

 

HC 152001 – tráfico de drogas e dosimetria penal

“Penal e Processual Penal. 2. Tráfico de drogas e aplicação do redutor previsto no art. 33, §4º da Lei 11.343/2006. 3. A habitualidade e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados, não valendo a simples presunção, de modo que o acusado tem direito à redução se ausente prova nesse sentido. 4. A quantidade e natureza da droga são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição de pena, por si sós, não são aptas a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação à atividade criminosa. Precedente: RHC 138.715, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 9.6.2017. 5. Ordem de habeas corpus concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau.” (HC 152001 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 29/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 27-11-2019 PUBLIC 28-11-2019)

Questão que aporta com alguma frequência no STF, levada pela Defensoria Pública. Diz respeito à dosimetria penal no tráfico de droga. Houve longo debate na apreciação da causa, sendo a ordem concedida após empate por 2 a 2 na votação.

Em suma, o STJ entendeu que a quantidade de droga, por si só, serviria para afastar a causa de diminuição de pena prevista no §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, uma vez que ela comprovaria o envolvimento do acusado com organização criminosa, mesmo esse entendimento tendo sido afastado pelas instâncias ordinárias.

Os Ministros que concederam a ordem, Gilmar Mendes e Edson Fachin, discordaram do posicionamento do STJ, que havia afastado a causa de diminuição de pena acima mencionada pela mera presunção.

Transcrevo trecho do voto do Min. Gilmar, redator do acórdão:

“O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Isso. E aí eu cito a mesma doutrina. Conforme assentado na doutrina, a habitualidade e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados, não valendo a simples presunção. Não havendo prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução da pena.

Assim, a quantidade e natureza são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição, por si sós, não são aptos a comprovar envolvimento com o crime organizado ou a dedicação a atividades criminosas.”

Colaciono abaixo parte do voto do Min. Edson Fachin:

“Nesse diapasão, afora as conjecturas genéricas declinadas no acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, não se verifica a indicação de qualquer evento concreto, dentro da cadeia factual, que demonstre que o ora agravante efetivamente se dedique a atividades delituosas ou, ainda, que integre organização criminosa. Ademais, importa salientar que se trata de réu primário e inexistem antecedentes desabonadores, como registrou a sentença primeva.”

Como mencionado acima, houve longo debate, pelo que vale a pena ler a íntegra do acórdão da 2ª Turma do STF.

 

HC 157014 – internet – serviço de valor adicionado e insignificância

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL. AGRAVANTE CONDENADO EM RECURSO ESPECIAL NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/1997. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO E SEGUNDO GRAUS DE JURISDIÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RAZÃO DO MÍNIMO POTENCIAL OFENSIVO DA CONDUTA. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. I – Agravante condenado no Superior Tribunal de Justiça pela prática do delito tipificado no art. 183, caput, da Lei 9.472/1997 (desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação), por considerar que a conduta de disponibilizar o acesso à internet a terceiros sem a autorização da Anatel configura crime formal e de perigo abstrato. II – A questão de saber se esse serviço de internet é ou não uma atividade de telecomunicações ou simples serviço de valor adicionado, embora relevante, não é decisiva. Isso porque, ainda que se considere uma atividade de telecomunicações e que tenha sido exercida de forma clandestina, é necessário examinar se trata-se de atividade de menor potencial ofensivo ou não. III – Na específica situação dos autos, a jurisdição ordinária, que está vis-à-vis com o réu e diante de todo o contexto probatório, concluiu pela aplicação do princípio da insignificância, em razão do mínimo potencial ofensivo da conduta, sendo indevida, portanto, a invocação pura e simples da gravidade em abstrato do delito. IV – Agravo regimental a que se dá provimento para conceder a ordem de habeas corpus, com o restabelecimento da sentença absolutória de primeiro grau de jurisdição.” (HC 157014 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 17/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 27-11-2019 PUBLIC 28-11-2019)

Discutiu-se nesse habeas corpus se a conduta praticada pelo paciente, fornecimento de internet, é, ou não, serviço de telecomunicação (ou de valor adicionado) ou se, ainda, pode ser abarcada pelo princípio da insignificância. Após empate na votação, a ordem foi concedida.

Pelo que entendi, o Min. Ricardo Lewandowski, primeiro a divergir da Ministra Cármen Lúcia, relatora, acabou por entender mais relevante a consideração da baixa ofensividade da conduta. Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes destacou que o fornecimento de internet não se enquadra como serviço de telecomunicação, não sendo, portanto, aplicável o artigo 183 da Lei 9472/97.

Achei relevante a fala do Min. Ricardo Lewandowski sobre a criminalização cada vez maior das condutas cotidianas:

“O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Vogal): Senhora Presidente, e também Relatora, estamos diante de uma situação que me parece preocupante.

Tenho reafirmado, vez ou outra, que estamos criminalizando os fatos e os atos da vida cotidiana. Parece-me que o caso sob exame enquadra-se nessa circunstância.”

Julgados de destaque I

Julgados de destaque I

 

Apresento, abaixo, alguns habeas corpus impetrados pela DPU e julgados pela 2ª Turma do STF que entendo trazerem aspectos interessantes para reflexão.

Já fiz alguns comentários sobre eles em meu Twitter, mas aproveito para destacá-los agora já com os respectivos acórdãos publicados.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 9 de dezembro de 2019

 

HC 148766 – furto e insignificância

“E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR” – RELAÇÕES DESSA CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SUA DIMENSÃO MATERIAL COM OS PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO EM MATÉRIA PENAL – NECESSIDADE DE CONCRETA IDENTIFICAÇÃO, EM CADA SITUAÇÃO OCORRENTE, DOS VETORES QUE LEGITIMAM O RECONHECIMENTO DO FATO INSIGNIFICANTE (HC 84.412/SP, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) – DOUTRINA – PRECEDENTES – FURTO QUALIFICADO – INOCORRÊNCIA, NO CASO, DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO – RESSALVA DA POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR DESTA CAUSA – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELO NÃO PROVIMENTO DESTA ESPÉCIE RECURSAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.” (HC 148766 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 11/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 27-11-2019 PUBLIC 28-11-2019)

Esse é um caso que ficou conhecido, tendo sido, inclusive, divulgado na imprensa, do furto de um rádio no valor de R$ 70,00, posteriormente restituído, por paciente primário.

Como mencionei, a ordem foi denegada simplesmente pela conduta ter sido praticada em concurso de pessoas (furto qualificado). A votação foi unânime na 2ª Turma do STF.

Cheguei a achar que poderia haver outra razão para a denegação da ordem, mas, ao que parece, foi mesmo pela presença da qualificadora concurso de pessoas. Em suma, se duas pessoas caminhando na rua, subtraírem uma camiseta velha pendurada em um portão, no valor de R$ 5,00, será o bastante para o afastamento da insignificância e a imposição de condenação por furto qualificado. Esse é um dos casos que me incomodam, sobretudo quando comparado aos discursos contrários ao excesso de encarceramento e ao punitivismo exagerado.

 

HC 155245 – Justiça Militar e competência

“E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR – ILEGITIMIDADE PARA ATUAR, EM SEDE PROCESSUAL, PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRINCÍPIO DA UNIDADE INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 127, § 1º) – PARECER DA PROCURADORIA- -GERAL DA REPÚBLICA PELA AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE RECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR – RECURSO NÃO CONHECIDO. – O Ministério Público Militar não dispõe de legitimidade para atuar, em sede processual, perante o Supremo Tribunal Federal, eis que a representação institucional do Ministério Público da União, nas causas instauradas na Suprema Corte, inclui-se na esfera de atribuições do Procurador-Geral da República, que é, por definição constitucional (CF, art. 128, § 1º), o Chefe do Ministério Público da União, em cujo âmbito acha-se estruturado o Ministério Público Militar. Precedentes.” (HC 155245 AgR-AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 11/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 27-11-2019 PUBLIC 28-11-2019)

Já comentei sobre esse caso algumas vezes. Ele traz aspectos importantes em seu bojo, como competência da Justiça Militar, atuação do MPM perante o STF e possibilidade de intervenção de assistente de acusação em habeas corpus.

Ao final, acabou por prevalecer a tese esgrimida pela DPU no sentido de ser incompetente a Justiça Militar para o julgamento da causa, mesmo em se tratando de crime praticado por militar contra militar, por não haver relação com a caserna.