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Extradição e prole brasileira

Extradição e prole brasileira

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Estabelece o enunciado da Súmula 421 do Supremo Tribunal Federal, aprovada em 1º de junho de 1964, que ter o extraditando filho brasileiro não impede sua extradição.

Entretanto, a promulgação da Carta Constitucional de 1988 indica que está tal entendimento a merecer reavaliação.

A atual Constituição estabeleceu como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, já em seu artigo 1º. Mais adiante, em seu artigo 5º, inciso LI, vedou a extradição, sem abrir exceção, do brasileiro nato. Por sua vez, afirmou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança todos os seus direitos fundamentais com absoluta prioridade, nos termos da expressão empregada no artigo 227 da Lei Maior.

Apesar do disposto pela CF/88, o Supremo Tribunal Federal continua a invocar, em seus julgados, o enunciado da citada súmula, cabendo transcrever, à guisa de confirmação do que ora se afirma, pequeno trecho da ementa da Extradição 1274, Relator Ministro Dias Toffoli, julgada pela Primeira Turma, acórdão publicado em 12/11/2012: “5. A circunstância de encontrar-se a extraditanda grávida, em vias de dar à luz uma criança que adquirirá a nacionalidade brasileira, não configura óbice ao deferimento da extradição, conforme preceitua o enunciado da Súmula nº 421 desta Suprema Corte: “não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro”.

A contradição, com a devida licença, parece evidente. Se a extraditanda terá filho brasileiro em questão de semanas, caso deferida a extradição, deverá ser a criança, ainda que indiretamente, extraditada juntamente com sua mãe ou, pior, mantida no Brasil longe de sua genitora? Qualquer das soluções acima encontra óbice na Carta Constitucional de 1988.

Não se admite, por um lado, a extradição de brasileiro nato, caso da criança que terá que acompanhar sua mãe – ainda que se trate de extradição indireta ou colateral, por óbvio, uma vez que o recém-nascido não responde a processo criminal no exterior. A opção de se manter o bebê no Brasil, longe de sua genitora, por outro lado, também agride a Carta da República, vez que prioriza a persecução penal movida por país estrangeiro em detrimento do melhor interesse da criança. Nem se argumente que a maternidade não impede a prisão. Todavia, no caso da extradição, a mãe é enviada para um país distinto do Brasil, muitas vezes distante, e, pior, no qual ela pode não ter qualquer vínculo de amizade ou familiar, pelo que resta a pergunta sobre quem seria o responsável pelos cuidados e criação daquele pequeno brasileiro, estando sua mãe encarcerada.

Calha ainda refutar outra objeção a ser eventualmente levantada por defensores do entendimento acolhido pela Suprema Corte. O indeferimento da extradição não indica a impunidade do estrangeiro que tenha filho brasileiro. Deve ser dado a ele o mesmo tratamento dispensado ao brasileiro nato que pratica crime no exterior, com a aplicação do disposto no artigo 7º, II, “b” e §2º do Código Penal, com invocação do princípio da extraterritorialidade penal.

Claro que a mera existência de filho brasileiro não deve impedir, por si só, a extradição, sendo parcialmente pertinente a solução dada pelo artigo 75 da Lei 6815/80 no caso de expulsão, qual seja, a existência de dependência, de convivência entre o expulsando e seu filho. Esclarece-se que a dependência econômica, exigida cumulativamente pelo artigo 75 do Estatuto do Estrangeiro com a guarda da criança, parece também não ser a melhor solução, uma vez que uma pessoa que exerça funções domésticas sem praticar atividade remunerada, cuidando de sua casa e de seus filhos com zelo deve também estar abrigada pela vedação da expulsão e da extradição, sob pena de se reduzir a criação e a educação de um filho a uma questão meramente econômica.

Por fim, há, ainda, outro aspecto a ser considerado na análise do tema em questão. Pode o extraditando não ter interesse em ficar no Brasil e ser aqui processado e julgado, por não manter qualquer vínculo com o país, sendo mais interessante para a própria criança que a mãe cumpra eventual condenação no exterior, em local em que tenha família que possa cuidar do filho. Nesse caso, deve-se ouvir a pessoa a ser extraditada e ponderado o melhor interesse do infante.

Assim, deve ser superado o entendimento consolidado no enunciado da Súmula 421 do STF, analisando-se, em cada caso concreto, a possibilidade de extradição de estrangeiro que tenha filho nacional, dele dependente, para se evitar a colocação de brasileiro nato e de tenra idade em situação de completo abandono e carência em país estrangeiro.

Atualização.

O presente texto foi escrito em 2015, antes, portanto, da edição da Lei 13.257/2016, que estabeleceu que o Juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar para a mulher com filho de 12 anos de idade incompletos (artigo 318, V, do CPP), ou para o homem que seja o único responsável pelo cuidado do filho de até 12 anos incompletos (artigo 318, VI, do CPP).

A Extradição 1403, que pesa sobre mulher argentina com filho nascido no Brasil, a ser julgada na sessão de 25/10/2016, pela 1ª Turma, será ótima oportunidade para se verificar como o STF pretende enfrentar a preocupação crescente com encarceramento feminino (Regras de Bangkok) e a possibilidade de extradição e manutenção no cárcere de pessoa que tenha filho dela dependente, nascido no Brasil.

Além da questão prisional, resolvida pela Ministra Rosa Weber, relatora, com base no inciso III, do artigo 318 do CPP, ao menos em sede cautelar, calha saber se o STF concordará com uma “extradição” indireta de brasileiro nato, ou se optará pela mais adequada extraterritorialidade da Lei Penal.

Brasília, 25 de outubro de 2016

 

 

Os pobres não têm defesa?

Os pobres não têm defesa?

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

No HC 132.512, impetrado por René Ariel Dotti, perante o STF, em favor de paciente (ex-político) acusado de acidente automobilístico que resultou em morte e que responde por crime doloso contra vida, o Ministro Gilmar Mendes, relator, entendeu por bem afetar a discussão ao Plenário da Corte. A tese em debate versa sobre o prosseguimento dos processos de competência do Tribunal do Júri na pendência de recursos que impugnem a sentença de pronúncia.

Antes, a liminar no citado writ tinha sido deferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da presidência do STF, para que o processo em primeiro grau aguardasse a preclusão da discussão das teses defensivas contra a pronúncia.

No caso supracitado, o paciente encontra-se solto.

Ontem, 11 de outubro de 2016, dirigi-me à tribuna da 2ª Turma do STF para discutir tema assemelhado, com uma diferença. O assistido da DPU está preso há mais de 5 anos, desde agosto de 2011. O recurso especial interposto por ele perante o STJ está na Corte Superior desde outubro de 2014, há 2 anos, portanto. Trata-se do HC 134.900, também de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Sou crítico com relação às minhas sustentações orais, independentemente do resultado. Os colegas que convivem comigo podem confirmar isso. Quando acho que fui bem, falo; quando não gostei do desempenho, me cobro muito. A sustentação de ontem foi ótima, modéstia às favas.

Invoquei o ocorrido no HC mencionado no início do texto, bem como as consequências da decisão do STF nas ADCs 43/44 (execução provisória da pena) em relação às cautelares, para justificar que o novo entendimento da Corte esvazia o medo de que a demora no trânsito em julgado possa gerar sensação de impunidade (não estou a concordar com o resultado, apenas partindo do que estabelecido). Chamei a atenção ainda para prisões cautelares de anos em processos que resultaram em absolvição – tinha um exemplo lamentável e recente.

No caso do HC 134.900, impetrado pela DPU, o objetivo era obter a liberdade do paciente, que, como já mencionado, aguarda seu julgamento, preso, há mais de 5 anos (o processo na origem encontra-se parado). No caso, não há sequer pena provisória para se executar, uma vez que nem mesmo foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

A ordem foi denegada quanto à colocação em liberdade do paciente. Determinou-se que o STJ aprecie rapidamente o recurso especial lá interposto, bem como que o Juízo de primeiro grau tome as providências necessárias à realização do Júri. Volto a dizer, o relator do habeas corpus impetrado pela DPU é o mesmo do paradigma e o Ministro Ricardo Lewandowski, que concedera a liminar neste, estava presente à sessão.

Curioso. A liminar no HC 132.512, afetado ao Plenário, foi justamente no sentido contrário, para deter o andamento da ação penal na origem. Pelo que eu sei, neste caso o paciente encontra-se solto.

A decisão tomada pelo STF no HC 134.900, impetrado pela DPU, pareceu-me um reconhecimento da prisão exacerbada, com a fuga pela tangente de se determinar o prosseguimento do feito. Em outras palavras, há um excesso na prisão, mas como o crime é grave, buscaremos uma decisão “salomônica” para não soltar uma pessoa acusada de algo grave.

O problema é que o paciente do paradigma, também acusado de crime doloso contra a vida, está solto aguardando o dia em que o STF irá julgar seu habeas corpus e o STJ apreciará seu apelo especial. Se o Juízo de Primeiro Grau do assistido da DPU não precisa aguardar a conclusão da Corte Superior no recurso lá apresentado, por que o Juízo do paciente famoso precisa? Se alguém souber me explicar a diferença, agradecerei imensamente.

A mudança é de mentalidade. Não digam que o pobre não tem defesa. Nem que eu quisesse conseguiria achar caso tão semelhantes com desfechos tão distintos.

Brasília, 12 de outubro de 2016

 

 

Deserção é crime permanente?

Deserção é crime permanente?

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Mais cedo comentei no Twitter que postaria aqui uma preparação que fiz há alguns anos para sustentação oral realizada em habeas corpus impetrado perante o STF pela DPU, em que se discutia se o crime de deserção do militar seria ou não permanente.

A ordem foi denegada e posso dizer que o STF tem entendimento consolidado no sentido de que o crime em questão é permanente. A DPU entende ser a deserção delito instantâneo de efeitos permanentes.

Em fase de múltipla escolha, ou em concursos do MPM ou para Juiz-Auditor, não exitaria em marcar como resposta ser a deserção permanente.

Todavia, se questionado o tema em prova da Defensoria, com  margem para discussão, vale a pena ter em mente alguns pontos que apresento abaixo.

Brasília, 8 de outubro de 2016

 

Preparação para sustentação

1 – Cumprimentar Ministros e MPF

2 – Trata-se de habeas corpus impetrado pela DPU em favor do paciente, condenado pela Justiça Militar pela suposta prática de deserção.

3 – A discussão trazida nos autos diz respeito à prescrição da pretensão punitiva e, para que seja constatada sua ocorrência, importa analisar a natureza da deserção, se crime instantâneo ou permanente.

4 – A diferença no entendimento refletirá no reconhecimento da prescrição, visto que o paciente apresentou-se em sua unidade militar já com 21 anos, o que impediria a redução pela metade do prazo prescricional.

Entretanto, o 9º dia de seu afastamento, quando se configura a deserção, ocorreu quando ele ainda tinha 20 anos.

5 – A deserção tem sido reconhecida pela Corte como delito permanente, entretanto, importa trazer alguns aspectos que têm como objetivo alterar o entendimento até hoje adotado.

6 – O crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo. Exemplo disso é o seqüestro. O tempo todo em que uma pessoa mantém outra seqüestrada, o seqüestro está ocorrendo, a pessoa está em flagrante. Enquanto durar o seqüestro, portanto, não há que se falar em prescrição, em prazo prescricional, visto que o crime ainda está acontecendo.

7 – Em suma, durante a permanência do crime, não há prescrição.

8 – Entretanto, o artigo 132 do CPM que trata da prescrição diferenciada da deserção, estabelecendo que mesmo que decorrido o prazo prescricional, só será extinta a punibilidade quando o desertor atingir 45 anos se praça e 60, se oficial.

A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que o referido artigo só é aplicável ao trânsfuga (HC 79432, Min. Nelson Jobim), ou seja, AQUELE QUE PERMANECE “NO ESTADO DE DESERÇÃO”.

ORA, EMINENTES MINISTROS, SE O CRIME FOSSE PERMANENTE, ENQUANTO NÃO FOSSE PRESO OU SE APRESENTASSE VOLUNTARIAMENTE O DESERTOR, O CRIME ESTARIA EM ANDAMENTO, PELO QUE NÃO HAVERIA PRAZO PRESCRICIONAL EM CURSO.

9 – Mais ainda, configurada a deserção, o desertor, PRAÇA ESPECIAL OU SEM ESTABILIDADE, perde sua condição de militar. ASSIM, NÃO PODE ALGUÉM QUE NÃO É MAIS MILITAR ESTAR PERMANENTEMENTE COMETENDO CRIME MILITAR PRÓPRIO.

10 – Além disso, o artigo 451 do CPPM diz expressamente “consumado o crime de deserção, nos casos previstos na lei penal militar, o comandante da unidade” – caso se tratasse de delito permanente, o dispositivo legal não trataria o crime como algo acabado e consumado, mas sim como algo que ainda se prolonga no tempo.

11 – Também o artigo 243 do CPPM indica claramente que a deserção não é crime permanente, ao usar a partícula indicativa de alternativa “ou”.

LER O ARTIGO

SE A DESERÇÃO FOSSE PERMANENTE, DURANTE TODO O TEMPO DE PERMANÊNCIA O DESERTOR ESTARIA EM FLAGRANTE, BASTANDO QUE A LEI DISSESSE QUE QUEM ESTÁ EM FLAGRANTE PODE SER PRESO SEM MENÇÃO AO DESERTOR.

A PRISÃO DO DESERTOR DECORRE DE EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PREVISTA NO ARTIGO 5º, INCISO LXI QUE RESSALVA A PRISÃO NO CASO DE CRIME MILITAR PRÓPRIO.

12 – Além disso, o crime de deserção é crime de mera conduta, sendo difícil se aceitar a permanência de um crime que sequer possui resultado naturalístico.

Assim, pugna a Defensoria Pública seja concedida a ordem em favor do paciente, reconhecendo-se a deserção como crime instantâneo e assim, a configuração da prescrição, visto que

ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM 16/4/07 E A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM 28/4/08 DECORREU MAIS DE UM ANO E O PACIENTE ERA MENOR DE 21 QUANDO DA CONSUMAÇÃO DA DESERÇÃO, PELO QUE O PRAZO PRESCRICIONAL DE 2 ANOS FICA REDUZIDO A 1.

 

 

ADCs 43 e 44 e Defensoria Pública: considerações

ADCs 43 e 44 e Defensoria Pública: considerações

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Conforme muitos certamente acompanharam, o Plenário do STF, em sessão realizada no dia 5 de outubro de 2016, indeferiu a medida cautelar nas ADCs 43 e 44, que pediam a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP. Em suma, continuou autorizada a execução da pena após a condenação imposta em segundo grau, mantendo-se o decidido no HC 126.292.

Embora tenhamos perdido, uma vez que militávamos, como não poderia deixar de ser, pela concessão das cautelares, cumpre tecer algumas considerações sobre a atuação da DPU.

Em primeiro lugar, marcamos nossa posição. Participamos ativamente de importante discussão jurídica que despertou debates, não só por parte do meio específico, mas da sociedade em geral.

Entendo perfeitamente as preocupações quanto à situação do Brasil e o posicionamento da maioria da população quanto ao tema, mas acho que nossa participação nos engrandeceu. Ouvimos coisas positivas dos Ministros, como a manifestação de que somos responsáveis em nossos recursos.

É preciso mostrar o outro lado, ponderar, tentar fazer refletir, o que, reconheço, não é fácil, mas alternativa não há.

Voltando ao tema, foi feito um trabalho concatenado, organizado, com a apresentação de peças e números, em atuação que contou com a participação de vários colegas na troca de ideias e sugestões.

Foi impressionante a ampla adesão à nossa nota em tão pouco tempo, merecendo destaque também os contatos firmados, no período, com entidades diversas.

Na verdade, conforme comentei algumas vezes, em regra, os assistidos da Defensoria respondem presos cautelarmente, a não ser que a acusação seja leve o suficiente para que, ao final, a pena imposta seja convertida em restritiva de direitos. Ou seja, trate-se de execução provisória ou de prisão cautelar, muitas vezes eles estão presos, lamentavelmente. De toda sorte, precisávamos marcar nosso entendimento de forma qualificada e fundamentada.

Por fim, quanto ao resultado, penso que podemos extrair da decisão as consequências favoráveis possíveis em benefício da Defensoria e de seus assistidos:

a – falou-se muito no abuso recursal e na alternativa do habeas corpus, assim, essa manifestação só terá sentido se as restrições cada vez maiores ao remédio heroico forem repensadas;

b – alguns votos chegaram a dizer que o temor da impunidade decorrente das diversas instâncias recursais acaba fazendo com que os juízes imponham prisões cautelares em demasia; ora, o novo entendimento do STF deve ser invocado para se combater as prisões processuais excessivas em quantidade e em duração.

Não sou ingênuo de achar que essas consequências serão simples e matemáticas. Cabe a nós, contudo, cobrá-las.

Apesar de lermos e ouvirmos repetidamente a frase de que rico chega aos Tribunais Superiores, vale lembrar que boa parte das decisões relevantes em matéria penal e processual penal proferidas pelo STF, em tempo recente, decorreu da atuação das Defensorias. Os jornalistas não vão enxergar isso da noite para o dia, cedo ou tarde, contudo, tal será inevitável.

Cumprimos nosso papel com responsabilidade, respeito às divergências e denodo. Em suma, pensamos nos milhares a quem representamos no exercício de nosso mister.

Brasília, 7 de outubro de 2016

 

Cautelar interminável

Cautelar interminável

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Como um tuíte meu comentando uma prisão cautelar que perdurou por mais de 4 anos (prisão implementada em 18/05/2012), resultando na absolvição do acusado, teve bastante repercussão, divulgo agora os números correspondentes.

No STF, a prisão foi impugnada no RHC 136802, que teve seu seguimento negado pelo Ministro Dias Toffoli, de forma monocrática. Foi ao consultar o feito na origem para a eventual interposição de recurso que notei que o assistido tinha sido absolvido.

Já o STJ, por sua vez, não tinha conhecido da impetração lá ajuizada, vide HC 337.905 da Corte Superior.

A sentença absolutória, que resultou na soltura do assistido, foi prolatada no processo 0019073-87.2012.8.17.0001, após sessão do Tribunal do Júri ocorrida em 17/08/2016, e obtida junto ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Interessante que o próprio Ministério Público pugnou pela absolvição do acusado atendido pela Defensoria Pública, cujas iniciais são A.L.M.S.

Esse lamentável processo tem vários pontos a serem destacados: as prisões cautelares intermináveis, a luta das Defensorias para levar justiça ao assistido, o repúdio ao argumento “ficou preso porque não tinha defesa”, a restrição ao cabimento dos habeas corpus, matéria preferida do Tribunal da Cidadania.

Impressionante.

Brasília, 27 de setembro de 2016

 

 

STF mantém ação penal contra Calheiros

STF mantém ação penal contra Calheiros

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Primeira Turma do STF denegou, em sessão realizada em 20 de setembro de 2016, a ordem no HC 125721, em que figura como paciente G. M. Calheiros.

Buscava-se o trancamento da ação penal movida em desfavor do paciente, acusado da suposta prática de furto, qualificado pelo concurso de pessoas, de um capacete no valor de R$ 170,00. O bem foi recuperado e devolvido à vítima.

A ironia da vida às vezes é implacável, dispensando grande elucubração.

Ao se ler o título, poder-se-ia imaginar importante figura da República que responde a não sei quantos inquéritos perante a Suprema Corte. Todavia, que eu saiba, os procedimentos contra este ainda não foram apreciados.

Eu vivo dizendo que a Justiça penal é completamente seletiva. Para o primo pobre, que furtou um capacete, devolvido, ela veio rapidinho. Sem surpresa da minha parte.

Brasília, 20 de setembro de 2016

HC 134474/STF – forma e conteúdo

HC 134474/STF – forma e conteúdo

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Comentei em um texto postado no início de agosto a uma situação lamentável em que uma formalidade estava impedindo a apreciação do mérito de um habeas corpus com jurisprudência favorável no STF. Transcrevo minhas observações à época:

“O HC 134474 pedia a aplicação do princípio da insignificância em favor dos pacientes, acusados da suposta prática de descaminho, deixando de recolher tributos no valor de R$ 10.729,44.

Quanto ao tema, há divergência clara entre o STJ e o STF. Este reconhece para a aplicação da insignificância no descaminho o limite de R$ 20.000,00, enquanto aquele aplica o teto de R$ 10.000,00 (vide ementa colacionada abaixo). A ordem foi indeferida na Corte Superior em razão do valor discutido, pelo que sobreveio a impetração na Corte Suprema.

O relator no STF, Ministro Celso de Mello, não conheceu da impetração, por voltar-se ela contra decisão monocrática. Cabe transcrever:

“Embora respeitosamente dissentindo dessa diretriz jurisprudencial, por entender possível a impetração de “habeas corpus” contra decisão monocrática de Ministro de Tribunal Superior da União, devo aplicar, em respeito ao princípio da colegialidade, essa orientação restritiva que se consolidou em torno da utilização do remédio constitucional em questão, motivo pelo qual, em atenção à posição dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não conheço da presente ação de “habeas corpus”, restando prejudicado, em consequência, o exame do pedido de medida liminar.”

Foi interposto agravo interno por um colega, reforçando que a decisão do STJ contrariava frontalmente o que tem sido adotado pelo STF como limite para a insignificância, devendo prevalecer o mérito, até mesmo com a possibilidade de concessão da ordem de ofício. Importa dizer que não havia notícia de reiteração delitiva por parte dos pacientes, sendo a discussão dos autos totalmente ligada à questão dos valores supostamente sonegados.

A Segunda Turma do STF negou provimento ao agravo, em acórdão ainda não publicado. A não ser que tenha ocorrido inovação na decisão colegiada, foi privilegiada a jurisprudência restritiva que se preocupa mais com a forma do que com o conteúdo (inadmissibilidade de HC contra decisão monocrática).

Por isso, sempre digo ser a insegurança jurídica um grande mal e que irresignações abruptas não me impressionam. Lembram-se da decisão do Ministro Dias Toffoli em famosa reclamação, concedendo HC de ofício? E das decisões do Ministro Celso de Mello e do Ministro Ricardo Lewandowski concedendo liberdade a quem já fora condenado pela segunda instância? Elas contrariavam o que decidido pela maioria do STF, quanto à supressão de instância e no que respeita à execução provisória, respectivamente. Se o Ministro Celso, a quem muito admiro, é contrário à jurisprudência que limita o conhecimento de HC, por que não se insurgiu também, ainda mais em situação em que a matéria de fundo é tão tranquila na Segunda Turma do STF? Exemplifico:

“Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda, que, por se tratarem de normas mais benéficas ao réu, devem ser imediatamente aplicadas, consoante o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna. II – Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau, que reconheceu a incidência do princípio da insignificância e absolveu sumariamente o ora paciente com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal.” (HC 121408, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-186 DIVULG 24-09-2014 PUBLIC 25-09-2014)

Notícias sobre o mencionado acima:

“Prisão de Paulo Bernardo foi ilegal, diz Toffoli, ao conceder HC a ex-ministro” (Conjur, 29/06/2016)

“Prisão após decisão de 2º grau ofende presunção de inocência, diz Celso de Mello” (Conjur, 04/07/2016)

“Jurisprudência do STF proíbe prisão antes do trânsito em julgado, diz Lewandowski” (Conjur, 27/07/2016)

Só eu acho essas coisas bem contraditórias?

Posso (poderia) embargar, sem dúvidas. Chances de êxito ínfimas, todavia.

HC 134474”

Resolvi embargar. Ciente de que embargos declaratórios são apreciados em lista, despachei com o gabinete do Ministro Celso de Mello, que, embora tenha sido atencioso e gentil, deu a entender que o Ministro não irá voltar atrás em sua decisão.

Informo o capítulo final depois.

Brasília, 14 de setembro de 2016

 

Execução provisória da pena – participação da DPU

Execução provisória da pena – participação da DPU

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Já comentei isso aqui algumas vezes, mas cabe a repetição. Não são só os grandes escritórios que podem desempenhar uma atuação concatenada.

Sabendo da importância do resultado das ADCs 43 e 44, que tratam da execução da pena após a condenação em segundo grau e da constitucionalidade do artigo 283 do CPP, a serem julgadas pelo STF, traçamos uma linha de ação para a participação destacada da DPU e para a obtenção de resultados profícuos.

Após feito o pedido de intervenção como amicus curiae nos dois processos, começamos a estudar o que acrescentar que fosse além do já invocado pelos advogados e trouxesse algo de próximo à Defensoria.

O julgamento da cautelar estava marcado para o dia 1º de setembro de 2016, no Plenário do STF.

De um lado, um colega começou a fazer o levantamento de casos em que houve alteração da decisão tomada pela segunda instância em processos patrocinados pela DPU, indicativos da insegurança em se tomar como definitivo o que poderia ainda sofrer impugnação perante as altas Cortes em Brasília.

Em outro caminho, debatemos ideias que podem ser utilizadas como subsidiárias, caso o pleito principal não prevaleça. Fizemos uma reunião, dia 25 de agosto, para trocarmos sugestões sobre o assunto em questão. Além da tese subsidiária apresentada pelo Partido Político autor de uma das ADCs (PEN), para que se esperasse o trânsito em julgado ao menos no STJ; pensamos em duas outras: não se executar a pena após o segundo grau em caso de decisão contrária ao entendimento consolidado do STJ ou do STF; aguardar-se o trânsito em julgado no caso de penas iguais ou inferiores a 4 anos – por causa do regime aberto e da substituição da privativa, mesmo que negados estes por alguma razão.

No dia 26 de agosto, nós nos reunimos com uma Defensora do Rio de Janeiro e um Defensor de São Paulo para mais uma troca de sugestões e, principalmente, dividirmos as falas de cada um para que o escasso tempo fosse o mais proveitoso possível. Naquele momento, não sabíamos se o STF dobraria o tempo de sustentação (o que, de fato, não ocorreu). Os Defensores Estaduais apresentaram como sugestão subsidiária a prisão apenas no caso de crimes contra a administração pública não havendo ressarcimento do dano (com base no artigo 33, §4º do CP), além exibirem números oriundos das Justiças dos respectivos Estados.

Com esses dados e propostas, a peça contendo nossa manifestação no mérito foi elaborada, e também estabelecido contato com os advogados dos demais amici, para a adequada divisão do tempo e da fala que caberia a cada um.

A sustentação oral na sessão foi feita pelo Gustavo Zortéa. Votou apenas o relator, Ministro Marco Aurélio, manifestando-se favoravelmente à constitucionalidade do artigo 283 do CPP e mantendo, portanto, seu entendimento contrário ao firmado no HC 126.292.

Talvez sejam tomadas ainda outras medidas, como contatos com entidades, por exemplo. De qualquer modo, foi um trabalho digno de registro, não por vaidade pessoal, mas para mostrar que a Defensoria pode, sim, fazer um trabalho diferenciado.

Dia 8 de setembro o julgamento deve ser retomado.

Brasília, 5 de setembro de 2016

 

 

HCs de agosto de 2016 e acesso à Justiça

HCs de agosto de 2016 e acesso à Justiça

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Apenas em agosto de 2016, a DPU impetrou/interpôs 127 HCs/RHCs perante o STF.

Gosto de comentar esses números por muitas vezes ler que os pobres não têm defesa adequada, ou que não conseguem fazer suas causas chegarem aos Tribunais de Brasília.

Lógico que as carências da Defensoria Pública, em seu ramos Federal e Estadual, não permitem que o atendimento atinja todas as pessoas que dele necessitam, isso é inegável. No entanto, as teses esgrimidas pela Defensoria são variadas, versando sobre diversos temas, notadamente aqueles mais ligados à população carente, não só na seara penal. Ou seja, o problema não é só falta de acesso à Justiça, ao contrário do que pensam alguns.

Seguimos na luta.

Brasília, 4 de setembro de 2016

Contravenção penal e substituição da pena

Contravenção penal e substituição da pena

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Compartilho, para quem estuda o tema, meu roteiro de sustentação oral no HC 132342, julgado e concedido pela 2ª Turma do STF na sessão de 30/08/2016.

Sequer cheguei a sustentar a impetração, pois, tão logo assomei à tribuna, o Ministro Dias Toffoli, relator, avisou que estava concedendo a ordem, pelo que abri mão da minha manifestação oral.

Após concedido o habeas corpus, o tema parece simples e indiscutível, mas, em minha opinião, não era bem assim.

 

HC 132342

O paciente foi condenado pela suposta prática de contravenção – vias de fato – a 20 dias prisão simples, por episódio ocorrido no âmbito de relação familiar.

A pena privativa de liberdade no regime aberto foi substituída pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul pela restritiva de direitos.

O STJ proveu recurso ministerial para restabelecer a pena corporal.

Inicialmente, importa lembrar que o artigo 44 do Código Penal veda a substituição da pena para crimes praticados com violência ou grave ameaça. As contravenções não estão inseridas na vedação, sendo a extensão indevida na seara do Direito Penal, em obediência ao princípio da legalidade estrita.

Não se desconhece, todavia, o precedente firmado pelo Plenário do STF, no HC 106.212, em que a vedação da aplicação dos dispositivos da Lei 9.099/95 aos crimes cometidos no âmbito de proteção da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi estendida também às contravenções penais, por unanimidade.

Por sua vez, a ADI 4424 entendeu que a ação penal relativa à lesão corporal resultante de violência doméstica é pública incondicionada.

Ambos os precedentes, HC 106.212 e ADI 4.424, indicam preocupação em se proteger a mulher, seja dispensando a representação, seja afastando os institutos despenalizadores da Lei 9099/95.

Já no caso do HC 132.342 a situação é distinta, já tendo sido imposta condenação em desfavor do paciente, recaindo a discussão tão somente sobre a forma de execução dos 20 dias de pena fixados.

Além da legalidade estrita, considerando-se que a vedação refere-se somente aos crimes e não às infrações penais em geral, a impossibilidade de substituição ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, principalmente em um país com graves problemas em seu sistema prisional, reconhecidos em recentes julgados da Suprema Corte.

O voto condutor do Ministro Gilmar Mendes no RE 641.320 observou que 17 Estados da Federação não possuem regime aberto para o cumprimento de pena.

Por sua vez, a súmula vinculante 56, recentemente editada, vedou a colocação do preso em regime mais gravoso que o da condenação.

No exame da cautelar na ADPF 347, o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros em decorrência da violação massiva dos direitos fundamentais.

Em suma, não há sentido em se colocar uma pessoa condenada a 20 dias a prisão simples nessa condição.

Pior ainda, parte da doutrina defende que tal conduta sequer deveria ser tipificada pelo Direito Penal, a ser invocado apenas em ofensas mais relevantes.

No habeas corpus em questão já há imposição de pena, não questionada na impetração. A discussão trazida diz respeito apenas à forma de execução da pena fixada, em NADA enfraquecendo a proteção à mulher, sem deixar, contudo, de se observar a legalidade e a razoabilidade em favor do paciente.

Brasília, 2 de setembro de 2016