Arquivo da categoria: Direito

Pena excessiva e domiciliar*

Pena excessiva e domiciliar*

Não tenho conseguido tempo para escrever textos com calma, mas acho que alguns recursos que apresentam falam por si.

O agravo que colocarei abaixo é um desses casos.

Mãe de filho de 2 anos, condenada a pena bastante elevada que tenta a prisão domiciliar. Nenhum dos crimes pelos quais foi condenada foi praticado com violência.

O Ministro Ricardo Lewandowski indeferiu o pedido, Interpus agravo que deve ser julgado brevemente (RHC 217978/STF)

Brasília, 9 de agosto de 2022

Gustavo de Almeida Ribeiro

*atualização em 03/09/2022:

A votação do agravo chegou a estar 3 a 0 contra, quando o Ministro Edson Fachin mudou seu voto para a concessão, passando para 2 a 1. Em seguida, veio o voto do Min. Nunes Marques, formando 3 a 1 contra. Faltando poucas horas para o final da votação virtual, o Ministro Gilmar Mendes pediu destaque e tirou o agravo do sistema virtual.

O Ministro Ricardo Lewandowski reconsiderou a decisão anterior e concedeu a ordem. Algumas vitórias renovam o ânimo. Foi um caso bem conduzido, em vários aspectos.

Reformatio in pejus – caso interessante

Reformatio in pejus – caso interessante

O tema reformatio in pejus sempre chamou minha atenção, talvez por eu atuar há muito tempo exclusivamente no STF e analisar processos que passaram por todas as instâncias até chegarem às minhas mãos.

Com o devido respeito, parecem-me equivocados dois entendimentos muito repetidos sobre o assunto, quando se trata de definir o que é reformatio in pejus: o primeiro, que afirma que a apelação devolve tudo o Tribunal; o segundo, o que estabelece como limite único da reforma prejudicial ao recorrente a pena máxima fixada.

Não vou me estender sobre o tema, mas colaciono, abaixo, decisão do Ministro Gilmar Mendes em habeas corpus por ele relatado em que ele fez longa análise a respeito não só do assunto, mas das idas e vindas na dosimetria feita nas diversas instâncias do judiciário.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 20 de julho de 2022

Princípio da insignificância e proposta de súmula vinculante

Princípio da insignificância e proposta de súmula vinculante

Apresento, abaixo, a petição inicial da proposta de súmula vinculante ajuizada pela DPU perante o STF, tratando do princípio da insignificância.

A ideia surgiu após eu constatar que vários tribunais pelo país ainda insistem em negar a compatibilidade do princípio em questão com o ordenamento jurídico brasileiro, negando, sem analisar o caso concreto, sua aplicação.

As consequências desse entendimento não são difíceis de se imaginar: inúmeras causas que se arrastam até o STJ e o STF, versando sobre furtos de pacotes de biscoitos, fraldas, desodorantes e chinelos, muitas vezes com o acusado preso preventivamente por meses a fio.

Assim, se, por um lado, não é possível propor enunciado muito detalhista sobre a questão do delito de bagatela, por outro, o objetivo é que o STF diga, de forma vinculante, já que as outras decisões nem sempre são seguidas, que a insignificância é compatível com o direito brasileiro, devendo ser analisado o caso em concreto a partir dessa premissa.

A proposta de súmula vinculante está cadastrada no STF como PSV 144.

Brasília, 24 de junho de 2022

Gustavo de Almeida Ribeiro

A “federalização” da saúde

A “federalização” da saúde

Comentei mais cedo, em minha conta no twitter, que colocaria em meu blog petição elaborada pelo colega Antonio Ezequiel Barbosa sobre a chamada federalização da saúde, situação que em muito preocupa a Defensoria Pública.

Busca-se evitar um entendimento, ao ver da DPU, equivocado, de obrigar que todos os medicamentos não padronizados na lista RENAME do SUS sejam demandados em face da União, o que, dentre outras coisas, levaria todos os processos para a Justiça Federal.

É preciso destacar que o STJ tem posição consolidada contrária a essa federalização. Todavia, ela foi adotada recentemente pela 1ª Turma do STF.

A situação é preocupante, sendo, no entendimento da Defensoria, um alargamento indevido do quanto definido no tema 793 da repercussão geral pelo STF (fornecimento de medicamentos e solidariedade). A questão também não se confunde com o pedido de medicamentos não registrados na ANVISA. Para estes, a inclusão da União no polo passivo é obrigatória, conforme decidido pelo STF no RE 657718.

Caso prevaleça o entendimento de que os medicamentos não constantes da lista do SUS devem ser demandados em face da União, o acesso à Justiça por parte dos mais pobres e distantes dos grandes centros ficará ainda mais precário.

A leitura da peça abaixo dá boa noção da situação.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 10 de junho de 2022

Irretroatividade da jurisprudência mais gravosa

Irretroatividade da jurisprudência mais gravosa

Está sendo travada, no HC 192.757, em trâmite no STF, interessante discussão a respeito da irretroatividade de jurisprudência mais gravosa.

A questão específica é saber se o entendimento de que o acórdão que confirma a condenação interrompe a prescrição deve ser aplicado a processos julgados anteriormente à sua consolidação pelo Plenário do STF, ocorrido no julgamento do HC 176.473.

Em suma, no caso dos autos, tanto o Tribunal Regional Federal, quanto o STJ, entenderam ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva, uma vez que o acórdão confirmatório da condenação não seria capaz de interromper a prescrição. No STJ, tal posicionamento foi mantido em decisão monocrática e em sede de agravo interno, sendo alterado posteriormente , quando o MPF opôs embargos dizendo que, naquele meio tempo, o STF tinha firmado entendimento distinto.

Levada à discussão ao STF, inicialmente, o Ministro Gilmar Mendes denegou a ordem de habeas corpus (HC 192.757), mas, em seguida, em agravo defensivo, reconsiderou a decisão, afirmando que o entendimento mais gravoso não deveria retroagir.

A PGR, inconformada, interpôs novo agravo, ainda não julgado.

O tema é interessante, uma vez que, inequivocamente, a apreciação do processo se deu antes do julgamento do HC 176.473 pelo STF, que definiu o acórdão confirmatório de condenação como interruptivo da prescrição. Em resumo, quando julgado o tema de fundo, o STJ tinha seu próprio entendimento, aplicando-o ao caso.

A retroatividade de entendimento jurisprudencial mais gravoso é indevida, principalmente com o uso de embargos de declaração com efeitos infringentes para se rediscutir causa decidida.

A leitura das decisões e do agravo interposto por mim pode ser interessante.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 27 de maio de 2022

Retroatividade da lei benéfica e execução penal

Retroatividade da lei benéfica e execução penal

Aplicar leis distintas (ou redações distintas) na execução penal de uma pessoa referentes a crimes distintos (fatos distintos) constitui combinação de leis? É essa a questão trazida abaixo.

A situação discutida no RHC 212197/STF, provido pelo Ministro Dias Toffoli, pode ser resumida assim:

Quando uma pessoa estiver sofrendo execução de sua pena por diversos crimes, eles podem ser disciplinados por diferentes redações da Lei de Execução Penal, sem que isso signifique a criação de uma terceira lei que combine dispositivos de textos normativos diferentes.

No caso mencionado, o assistido da Defensoria Pública tinha executadas contra si duas penas: uma por tráfico, crime hediondo, outra por crime comum. Ele era reincidente, mas não reincidente em crime hediondo.

Assim, decidiu o STF que, para o tráfico, a fração correta é a de 40%, nos termos da nova Lei 13.964/19, mais benéfica que a anterior (que estabelecia 3/5 ou60%); para o crime comum, a fração correta é a de 1/6, já que a Lei 13.964/19 foi mais severa no caso (passou a fração do reincidente em crime comum sem violência para 20%).

Em suma, aplicar leis distintas na execução penal da mesma pessoa, quando voltadas a penas decorrentes de crimes diferentes (ou seja, fatos diferentes), não significa a criação da chamada Lex Tertia, uma vez que cada fato terá sua pena executada de acordo com a lei mais benéfica, sem todavia, haver combinação entre elas.

Brasília, 16 de março de 2022

A questão ambiental

A questão ambiental

Gustavo de Almeida Ribeiro

Após algumas postagens no twitter que geraram discussão, resolvi tecer algumas considerações sobre os crimes ambientais e a aplicação da insignificância.

Mais que aspectos jurídicos, trago algumas ponderações sobre a realidade que aflige os assistidos da Defensoria Pública no que concerne ao tema.

Sou um sujeito muito preocupado com a questão ambiental. Meu pai é professor de geografia física da UFMG aposentado, com especialização em climatologia, pelo que desde bem novo ouvi muitas lições sobre preservação, sobre a importância de se evitar o desperdício de comida, sobre as consequências do consumismo exagerado. Todavia, a minha realidade não é a de todos.

Inicialmente, destaco que o que vou falar a seguir não se refere aos crimes ambientais de grandes proporções, normalmente praticados por mineradoras, madeireiras, latifúndios. Sequer vou gastar muitas linhas apontando o óbvio, ou seja, que os responsáveis por essas empresas raramente experimentam qualquer condenação criminal.

O que gostaria de destacar no presente, que talvez passe ao largo de quem comenta o tema é que, infelizmente, enquanto o Brasil for um país desigual e com crescentes fome e desemprego, algumas preocupações serão secundárias para boa parcela da população. Explico a seguir.

Esperar que uma pessoa, com filhos famintos em casa, desempregada, pense que se ela pescar no período de defeso, em cinco anos, o rio não terá mais peixes é ignorar completamente a realidade. Quem tem em casa familiares com fome, tem pressa, tem urgência. Para essa pessoa, não importa se o rio vai ter peixe em cinco anos, importa se os filhos terão o que comer amanhã. A necessidade prevalece.

Eu posso me dar ao luxo de me preocupar com o período de defeso, pessoas na minha condição podem, grandes empresas pesqueiras devem, o ribeirinho, com filhos pequenos e esposa desempregada, nem sempre.

Repito, não estou falando de grandes quantidades de pescado, de barcos de elevado calado, mas de pequenos pescadores, com seus barquinhos e seus poucos quilos de peixe.

Em suma, inocência ou indiferença das pessoas à parte, enquanto a fome e a desigualdade forem enormes no Brasil, tratamento penal para pequenos casos ambientais será inócuo e apenas mais uma punição para quem já está em situação precária.

Brasília, 5 de fevereiro de 2022  

Proximidade de escola e tráfico de drogas*

Proximidade de escola e tráfico de drogas*

*atualizado em 18/05/2022, com dados e anexos

O STF tem entendido que tráfico próximo a escolas faz incidir a causa de aumento prevista no inciso III, do artigo 40 da Lei 11.343/06, independentemente de haver oferta de drogas aos estudantes.

Em suma, a aplicação seria objetiva: tráfico perto de escola tem a pena aumentada.

Discordo de tal entendimento, achando mais razoável a posição adotada pela Corte no caso do aumento de pena pelo tráfico de drogas em transporte público: só incide a majorante se a pessoa tenta se valer da aglomeração gerada pelo transporte coletivo para vender mais droga.

Todavia, a peça que anexarei abaixo traz questão ainda mais interessante. E quando a escola fechou? Ainda vale a causa de aumento? Fui descobrindo as coisas através de pesquisas na internet e constatei que a escola parece não estar funcionando desde o início da pandemia até a data atual.

Aguardemos o que dirá a Segunda Turma do STF no HC 208654.

Brasília, 17 de dezembro de 2021

Gustavo de Almeida Ribeiro

* A Segunda Turma do STF negou provimento ao agravo interno por 3 votos a 2. O voto condutor, todavia, não abordou diretamente o fato de a escola ter encerrado suas atividades , e, portanto, não mais poder ser invocada para majoração de pena no tráfico.

Assim, opus embargos de declaração. Contei, para a verificação da situação da antiga escola, além da pesquisa via “Google”, com a colaboração de três colegas, Érica Hartmann, Wagner Neto e Rodrigo Tejada, além de servidores da DPU, que foram ao local e tiraram fotos atuais da barbearia que substituiu a escola.

Anexei ao post o acórdão do agravo interno e os embargos de declaração opostos.

Brasília, 18 de maio de 2022