Lista de HCs e RHCs da DPU julgados pelo STF no 1º sem. de 2015

Segue abaixo tabela com a lista de Habeas Corpus e Recursos Ordinários em Habeas Corpus impetrados pela DPU, julgados colegiadamente pela 2ª Turma do STF durante o 1º semestre de 2015.

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º semestre de 2015
Número do processo Ministro Relator Resultado Data do Julgamento Tema
HC 124503 Gilmar Mendes Concedido de ofício 03/02/2015 Gravidade em abstrato do crime e dosimetria da pena
HC 125528 Teori Zavascki Negado seguimento 10/02/2015 Prisão cautelar e fundamentação
RHC 125112 Gilmar Mendes Provido o RHC 10/02/2015 Abandono de posto e consunção
HC 123211 Gilmar Mendes Denegado 24/02/2015 Prisão cautelar e fundamentação
HC 124035 Gilmar Mendes Denegado 24/02/2015 Prisão cautelar e fundamentação
RHC 126336 Teori Zavascki Negado provimento ao RHC 24/02/2015 Dosimetria de pena em crime de furto
HC 126592 Cármen Lúcia Concedido 24/02/2015 Rádio comunitária e princípio da insignificância
RHC 123085 Gilmar Mendes Negado provimento ao RHC 03/03/2015 Prisão cautelar e fundamentação
RHC 123894 Gilmar Mendes Negado provimento ao RHC 03/03/2015 Nulidade e vedação da reformatio in pejus
HC 103310 Teori Zavascki Concedido 03/03/2015 Vedação da reformatio in pejus
HC 124489 Teori Zavascki Concedido 10/03/2015 Substituição de pena privativa de liberdade
HC 125433 Gilmar Mendes Denegado 10/03/2015 Homicídio e qualificadora

 

HC 126385 Gilmar Mendes Concedido de ofício 10/03/2015

 

Regime de pena e fixação adequada
HC 126476 Gilmar Mendes Denegado 10/03/2015

 

Recurso e tempestividade
HC 126315 Gilmar Mendes Em julgamento –  pedido de vista 17/03/2015 Maus antecedentes e período depurador
HC 122268 Dias Toffoli Denegado 24/03/2015

 

Descaminho e constituição do crédito tributário
HC 125781 Dias Toffoli Concedido em parte 24/03/2015 Dosimetria de pena em tráfico e regime inicial
HC 125991 Dias Toffoli Denegado 24/03/2015

 

Dosimetria de pena em tráfico de drogas
HC 126242 Dias Toffoli Não conhecido 24/03/2015

 

Dosimetria de pena em tráfico de drogas
HC 125603 Gilmar Mendes Denegado 24/03/2015

 

Dano e insignificância
RHC 120598 Gilmar Mendes Negado provimento ao RHC 24/03/2015 Nulidade em julgamento de crime de Tribunal do Júri
HC 124022 Teori Zavascki Concedido em parte 24/03/2015 Aplicação de minorante no crime de tráfico de drogas
RHC 126919 Dias Toffoli Negado provimento ao RHC 07/04/2015 Falta grave na execução penal e ampla defesa
HC 126963 Teori Zavascki Denegado 07/04/2015

 

Posse de droga por militar
RHC 126763 Dias Toffoli Em julgamento – pedido de vista 14/04/2015 Vedação da reformatio in pejus
HC 127043 Gilmar Mendes Denegado 14/04/2015

 

Prisão cautelar e fundamentação
HC 126520 Teori Zavascki Denegado 05/05/2015

 

Termo de deserção e instrução provisória
RHC 127382 Teori Zavascki Provido em parte o RHC 05/05/2015 Circunstância agravante e dosimetria da pena
HC 126273 Teori Zavascki Negado seguimento 12/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
HC 126523 Teori Zavascki Negado seguimento 12/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
HC 126618 Teori Zavascki Negado seguimento 12/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
HC 126055 Dias Toffoli Denegado 12/05/2015

 

Dosimetria de pena no tráfico de drogas
RHC 127254 Dias Toffoli Negado provimento ao Recurso 12/05/2015 Dosimetria de pena no tráfico de drogas
HC 125589 Celso de Mello Denegado 19/05/2015

 

Regime de pena e circunstância judiciais
HC 123698 Cármem Lúcia Em julgamento – pedido de vista 16/09/2014

26/05/2015

Sursis e concessão de indulto
HC 123827 Teori Zavascki Em julgamento –  pedido de vista 26/05/2015 Sursis e concessão de indulto
HC 123828 Teori Zavascki Em julgamento -pedido de vista 26/05/2015 Sursis e concessão de indulto
HC 123973 Teori Zavascki Em julgamento –  pedido de vista 26/05/2015 Sursis e concessão de indulto
HC 127248 Gilmar Mendes Denegado 19/05/2015

 

Prisão cautelar e fundamentação
HC 127795 Dias Toffoli Negado seguimento 26/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
RHC 126507 Dias Toffoli Negado seguimento 26/05/2015 Competência e supressão de instância
HC 126779 Gilmar Mendes Concedido parcialmente 02/06/2015

 

Vedação do bis in idem na dosimetria do tráfico
HC 123857 Celso de Mello Denegado 02/06/2015

 

Prisão cautelar e novo título prisional
HC 127728 Teori Zavascki Negado seguimento 23/06/2015 Dosimetria de pena no tráfico de drogas
HC 127158 Dias Toffoli Denegado 23/06/2015

 

Dosimetria de pena e continuidade delitiva
HC 125270 Teori Zavascki Concedido 23/06/2015

 

Intimação pessoal da DPU e remessa dos autos
HC 112530 Teori Zavascki Concedido 30/06/2015

 

Correição parcial e cabimento
HC 120580 Teori Zavascki Concedido 30/06/2015

 

Dano e insignificância
HC 126202 Teori Zavascki Concedido em parte 30/06/2015 Dosimetria de pena em roubo
RHC 125435 Teori Zavascki Concedido em parte 30/06/2015 Aplicação de minorante no crime de tráfico de drogas
RHC 127657 Cármen Lúcia Negado seguimento 30/06/2015 Prisão cautelar, fundamentação e prazo
HC 125586 Dias Toffoli Concedido 24/03/2015

30/06/2015

Dosimetria, antecedentes e período depurador

 

 Deferidos total, parcialmente ou de ofício: 16

Julgamentos interrompidos por pedido de vista: 6

Indeferidos: 30

Total dos HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º sem. de 2015: 52

 

 Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

 

Liellen Santana da Cruz Telhado

Estagiária acadêmica

 

Giulyanna Dias de Oliveira

Estagiária acadêmica


Do Consumo e da Criminalidade

Escrevi o texto abaixo há nove anos. Entretanto, ele me parece bastante atual, vez que mesmo em momentos favoráveis da economia, o que vi foi um incentivo ao consumo em detrimento da produção e da melhoria da infraestrutura do país. Também me parece que a educação e a formação de valores foram menos estimuladas do que deveriam pela população em geral e pelos governantes.

Em tempo, costumo sempre repetir que cobro mais de quem teve mais oportunidade, mais chance, maior formação. Minha indignação é sempre maior com quem, querendo enriquecer facilmente, toma o caminho errado, mesmo tendo opções diferentes e sabendo as consequências de seus atos. De qualquer modo, a contribuição final deve ser de todos.

Brasília, 14 de julho de 2015

Gustavo

 

Do Consumo e da Criminalidade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Há poucos dias resolvi comprar um cartão de memória maior para a minha máquina fotográfica digital. Adquiri a referida faz dois anos, época em que era das melhores disponíveis para amadores, de uma marca das mais conceituadas.

Ao entrar na primeira loja, a vendedora, em tom de desprezo, disse que não tinha equipamento para aquela máquina “velha”. Espantado, saí do estabelecimento e entrei no próximo. O vendedor, dessa vez, era mais gentil, mas também disse, na linha do entendimento sobre durabilidade da colega anterior, que ainda tinha acessório para aquela máquina “antiga”. Cada vez mais espantado, retorqui que tinha comprado a câmera fazia dois anos apenas, sendo um equipamento caro, à época. Ele falou que as coisas evoluíam muito rapidamente – coisa por mim já sabida – e que hoje era comum as pessoas trocarem seus celulares e outros eletrônicos em questão de meses.

Aquilo me incomodou profundamente, não pela fala do vendedor. Se fosse essa a causa do mal estar, estaria tudo bem, mas pela veracidade de suas palavras.

Adianto, para que se evitem conclusões precipitadas, que não sou comunista, socialista, ou coisa que o valha. Também não reluto contra as inovações da tecnologia, ao contrário, adoro computadores, laptops, fotos digitais e toda essa parafernália tecnológica, procurando ter equipamentos novos e atualizados. Mas não pude deixar de ficar espantado com a excessiva fungibilidade das coisas e sua, ao menos ao meu sentir, inevitável conseqüência.

Sei que os avanços, atualmente, mesmo no Brasil, são muito velozes. Um computador ou um celular de ponta em um dia passam a ser intermediários três meses depois da aquisição. A minha conclusão, no entanto, foi o que me deixou preocupado. A situação econômica do brasileiro está pronta para todo esse consumismo? É evidente que não.

Somos um país com péssima distribuição de renda, isso é conhecido por qualquer pessoa que ligue a televisão e seja capaz de compreender minimamente o mais promíscuo jornal televisivo. Mas, além disso, temos uma classe média depauperada, achatada pelos planos econômicos, pelo abismo cada vez maior entre os estamentos superior e inferior da pirâmide sócio-econômica.

A evolução tecnológica voraz, que, em países como o Japão, Estados Unidos e aqueles situados na Europa Ocidental, é perfeitamente acompanhada e garantida pela remuneração adequada de boa camada da população, cria, em um país de renda baixa e de baixa escolaridade como o Brasil, necessidades que não podem ser satisfeitas pelos consumidores ávidos de novidades.

Tenho trinta e um anos. Digo minha idade com o fito de esclarecer que saí da adolescência há treze anos, não faz tanto assim. Hoje, um jovem tem inúmeras necessidades a mais que no meu tempo, um sem-número de sorvedouros de dinheiro inexistentes uma década atrás. Sejamos mais francos, um bebê dos anos dois mil já começa sua vida assim. Quem nunca foi a uma festa de criança digna de cinema? Os pais ensinam aos filhos os caminhos do consumo e das exigências, para depois reclamarem quando eles os trilham sozinhos, mas com as mãos estendidas pedindo dinheiro.

Isso tudo seria retórica e mera questão pessoal e familiar de cada um, se ficasse nisso.

Vemos o crescimento da criminalidade no país. Não só entre as camadas mais baixas, mas entre membros da classe média, sejam jovens violentos, servidores públicos corruptos ou profissionais liberais e empresários desonestos. Claro está que nenhum tipo de crime tem origem única, conclusão que seria simplista e falsa, mas o desespero consumista, a meu ver, ajuda a aumentar a avidez por dinheiro.

É preciso ter, comprar, exibir cada vez mais. Produtos com dois anos de fabricação são velhos, ultrapassados, não têm mais serventia. A questão é que custear isso foge da condição da maioria da população e quem não tem uma formação e caráter mais rígidos se perde em busca de um padrão de vida com o qual não pode arcar. É preciso um carro novo, um celular que fotografa, um computador ultra-moderno para serem exibidos aos amigos. Nessas novas urgências, muitos se perdem, em condutas criminosas catalisadas, é claro, pela expectativa de impunidade.

Não me pronuncio aqui contra a modernidade, repito, mas o consumo excessivo em um país de renda baixa e tênues padrões morais e éticos como o nosso é mais nefasto que em qualquer outro. Há alguns anos atrás, uma propaganda, que pecou por ser direta demais e dizer o que só pode ser mostrado de forma subentendida, foi retirada do ar por colocar crianças dizendo “eu tenho, você não tem”. A mensagem era incisiva e foi corretamente suspensa, até em decorrência da proteção constitucional ao destinatário, mas todas as propagandas nos dizem isso hoje, e o que é pior, quantas necessidades são criadas dia a dia, sem a correspondente condição financeira para o acompanhamento?

Certamente esse é um processo irreversível, agravado pela redução das distâncias entre os países; é uma conseqüência imediata da globalização, que, como quase tudo no mundo, tem aspectos positivos e outros negativos, não me oponho a ela. Deixo apenas registrada minha dúvida de como lidar com a modernidade e as inovações consumistas, sabendo que isso não fará nossa realidade sócio-econômica mudar e que o desespero dos compulsivos e fracos de caráter se voltará, cada vez mais, contra nós.

Vitória, 22 de julho de 2006

 

Direito de intervir

Direito de intervir

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Comentário rápido que costumo fazer com amigos a respeito das sustentações orais: trocaria parte do meu tempo de tribuna, 15 minutos, na maioria das situações, pelo direito de tecer comentários em breves segundos após os votos dos Ministros ou a manifestação do Procurador da República.

Claro, após a sustentação, é possível rápida intervenção para esclarecimento de matéria fática, mas não é disso que se trata.

Já ouvi, após proferir sustentação oral perante o STF, algumas considerações invocando questões jurídicas – legislação ou jurisprudência – equivocadas, situação que acho normal, vez que ser humano algum sabe todo o ordenamento jurídico de seu país de cor. No entanto, seria consentâneo com a ampla defesa que certos comentários que não encontram esteio na jurisprudência tal como invocada ou na legislação pudessem ser indicados da tribuna.

Poderia citar alguns exemplos de que me lembro bem, mas ficarei com o último que ouvi. Certo Ministro falou sobre a aplicação de sursis em crime grave. Ora, não cabe sursis em crime grave, pelo que, como o antecedente não existe, menos ainda a consequência a que ele queria chegar como conclusão.

Nenhum dos demais Ministros falou nada a esse respeito e eu fiquei com a língua coçando, mas sabia que intervenção minha naquele momento, além de ser mal vista por todos, não mudaria o voto desfavorável.

Em outra vez, quando um Relator invocou jurisprudência já alterada, não resisti e apontei tal situação. Embora tenha sido informado de que só poderia falar dos fatos, usei a única frase que tinha antes de ser interrompido para simplesmente dizer que a jurisprudência tinha mudado. Deu certo. Um dos outros Ministros ouviu, pediu vista, juntei memoriais com a jurisprudência mais recente e o habeas corpus foi concedido. Confesso, entretanto, que dei sorte, pois se tal Ministro não estivesse prestando atenção, minha única frase antes de ouvir “Doutor, questão de direito, não pode” teria caído no vazio.

Por isso, trocaria, de bom grado, 5 minutos dos meus 15 de sustentação oral por 1 minuto para breves considerações sobre questões trazidas nos votos que, por vezes, destoam da legislação e da jurisprudência.

Quem sabe um dia seja assim!

Brasília, 10 de julho de 2015

Breve resumo

Breve resumo

Gustavo de Almeida Ribeiro

Há aproximadamente um mês e meio fiz um resumo dos principais temas em Direito Penal e Processual Penal levados pela DPU ao STF.

Publico-o agora em meu blog para ajudar quem tem interesse na carreira de Defensor Público.

Brasília, 6 de julho de 2015

 

Matérias mais frequentes no STF decorrentes do trabalho da DPU

 

Insignificância – aspectos gerais

furto – (HC 114723, TZ, 2ªT) – matéria decidida caso a caso, mas cada vez vista de forma mais restritiva

questão da reiteração e do furto qualificado pendentes de apreciação pelo Plenário do STF (HCs 123734 e 123108, RB, julgamento iniciado)

descaminho – diferenciar do contrabando e limite de R$ 20.000,00 no STF (no STJ o limite é R$ 10.000,00) (descaminho HC 126191, DT, 1ªT, favorável – contrabando HC 122029, RL 2ªT, denegado) – a questão da comprovação dos valores subtraídos aos cofres públicos ainda gera controvérsia

uso de droga por militar (HC 103684, AB, Plenário, denegado) – pacificado

contra o meio ambiente (HC 112563, RL>CP, 2ªT, favorável) – RHC 125566, DT, 2ªT, entra e sai da pauta: indício de tema polêmico

contra a administração (HC 107638, CL, 1ªT, favorável) – admitido, mas de forma excepcional – curioso observar que o citado precedente teve como paciente militar

moeda falsa (HC 111266, RL 2ª, denegado) pacificado no sentido no não cabimento da insignificância no crime de moeda falsa

Liberdade provisória

falta de fundamentação (HC 125827, RW, 1ªT; HC 114932, MA, 1ºT; HC 112487, CM, 2ªT – prisão e deserção) – matéria decidida caso a caso – enfrentamos algumas dificuldades decorrentes da condição econômica e/ou da nacionalidade dos nossos assistidos

Tráfico

liberdade provisória (RHC 123871, RW, 1ªT; HC 110844, AB, 2ªT, ambos favoráveis) pacificada a possibilidade, segundo precedente do Plenário do STF, HC 104339, GM

substituição de pena (HC 97256, AB, Plenário, concedido) pacificada a possibilidade

regime inicial mais brando que o fechado em crimes hediondos (HC 111840, DT, Plenário, DPE/ES) pacificada a possibilidade

causas de aumento e diminuição:

  1. transporte público (HC 120624, CL>RL, 2ªT, concedido) pacificado que o mero uso não configura a causa de aumento;
  2. redutora do §4º do artigo 33 (HC 123534, CL, 2ªT, concedido) decidido caso a caso, mas com boa aceitação no STF quando não há fundamentação adequada para afastá-la;
  3. dupla utilização da quantidade de droga em duas fases da dosimetria para aumentar a pena (HC 112776, TZ, Plenário, parcialmente concedido) – tema pacificado no sentido de se vedar a dupla invocação da quantidade de droga, que, entretanto, pode ser utilizada na primeira ou terceira fase da dosagem da pena
  4. internacionalidade e interestadualidade (HC 115893, RL, 2ªT, denegado) matéria bastante pacificada no sentido de se dispensar a ultrapassagem do limite do Estado/País para a configuração da causa de aumento (há um caso pendente de julgamento na 1ªT, HC 122791, vista ao Min. Luiz Fux)
  5. como regra, mula não é integrante de organização criminosa (HC 124107, DT, 1ªT, favorável) – também situação a se verificar caso a caso, mas prevalece o entendimento de que não integra – alguns elementos fáticos, entretanto, podem indicar o contrário (incontáveis carimbos de entrada em diversos países em passaportes de quem se declara pobre, por exemplo).

 Dosimetria de pena e discussão na via do habeas corpus

admitida a discussão, mas em caso de flagrante excesso na fixação da pena (RHC 122469, CM, 2ªT)

Reformatio in pejus – questão atual

enfrentamento da reformatio in pejus (HC 103310, TZ>GM, 2ªT, HC 123251, GM, 2ªT, favoráveis; contrário RHC 123115, GM, 2ªT questão da fundamentação da constrição cautelar não invocada expressamente na sentença, mas supostamente constante da decisão e utilizada pelo Tribunal em recurso exclusivo da defesa)

Estelionato previdenciário

instantâneo para o servidor do INSS, permanente para recebedor do benefício (RHC 107209, DT, 1ªT) tema pacificado

Possibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal com a aplicação de circunstância atenuante

 tema pacificado no STF contrariamente ao entendimento da Defensoria para se vedar a aplicação da atenuante caso a pena-base já esteja fixada no mínimo legal (RE 597270, CP, Plenário) – pessoalmente, não me lembro de sequer um voto favorável em qualquer dos nossos incontáveis feitos sobre o tema

Perda de objeto do habeas corpus pela superveniência de nova decisão penal capaz de gerar novo título prisional

 caso a nova decisão não traga fundamento diverso para justificar a prisão cautelar, o habeas corpus não resta prejudicado (HC 119183, TZ, 2ªT, favorável; HC 104954, MA>RW, 1ªT, desfavorável) – como regra, prevalece o prejuízo do habeas corpus com a superveniência de novo título, entretanto, a 2ª Turma por vezes afasta tal entendimento quando a decisão posterior não invoca nenhum fundamento novo para justificar a constrição cautelar

Penal militar*

a. insignificância (HC 107638, CL, 1ªT – peculato-furto, favorável) cada vez menos aceito em favor do militar em qualquer crime

b. competência

b1.carteira de aquaviário(CIR) – a insistência do STM gerou a SV 36 quanto à competência da Justiça Federal comum para julgar a falsificação de carteira de aquaviário

b2. estelionato/furto entre colegas fora de serviço (RHC 123660, CL, 2ªT) prevalece a incompetência da Justiça Militar

b3. falsificação de documentos atinentes às Forças Armadas para a obtenção de empréstimos junto a instituições bancárias (HC 110038, MA, 1ªT, favorável; HC 110249, TZ, 2ªT, desfavorável – o mais bizarro deste caso: um dos pacientes dos dois habeas corpus é o mesmo) – em meu entender, clara insegurança jurídica

b4. competência para julgar civis quando os militares estão em atividade de policiamento (HC 112936, CM, 2ªT, favorável; HC 113128, RB, 1ªT, contrário) – matéria afetada ao Plenário HC 112848, RL

interrogatório ao final da instrução – essa matéria precisa ser novamente afetada ao Plenário do STF por completa divergência das Turmas (HC 121907, DT, 1ªT, favorável; HC 122673, CL, 2ª Turma, desfavorável) – o Min. Dias Toffoli removeu-se para a 2ª Turma recentemente levando seu entendimento favorável à tese, vide liminar concedida no HC 127900 – atualização: o HC 123228 inicialmente afetado ao Pleno do STF sobre o tema continha uma questão processual prejudicial que impediu a análise do mérito da questão

* certamente é a matéria que mais gera insegurança jurídica

Nulidades

 exigência de prova de prejuízo que praticamente torna impossível o reconhecimento de nulidade (vide, nesse sentido, RHC 106461, GM, 2ªT) – o Ministro Marco Aurélio, isoladamente, tem entendimento mais favorável sobre o tema, reconhecendo configurado o prejuízo quando há falhas no curso do processo e sobrevém condenação (vide voto vencido proferido no HC 98434, CL, 1ªT)

Maus antecedentes e inquéritos e ações penais em andamento

 matéria consolidada no RE 591054, com repercussão geral reconhecida, no sentido de se afastar a consideração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes. Participação da DPU no julgamento do RE na condição de amicus curiae

Limitação de 5 anos como período depurador para a consideração de maus antecedentes

 a jurisprudência do STF parece caminhar para a consolidação no sentido de que passados 5 anos do cumprimento ou extinção da pena, a condenação anterior não mais pode ser invocada como maus antecedentes (HC 119200, DT, 1ªT) – em julgamento o HC 126315, relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T, com 2 votos favoráveis, dele e do Ministro Dias Toffoli e pedido de vista da Min. Cármen Lúcia – o Min. Celso de Mello proferiu decisão monocrática recentemente acolhendo a tese (HC 123189)

Compensação da atenuante confissão com a agravante reincidência

 embora exista um precedente isolado do Min. Ayres Britto acatando a tese (HC 101909, AB, 2ªT), hoje é completamente pacifico no STF que a reincidência prepondera (HC 105543, RB, 1ªT; HC 112774, RL, 2ªT, ambos desfavoráveis)

situação pouco comum em que o STJ tem entendimento mais favorável que o STF: EREsp 1.154.752 e REsp 1.341.370

Cabimento de habeas corpus 

a. as duas Turmas do STF atualmente restringem a aceitação do habeas corpus voltado contra decisão monocrática de Tribunal Superior (HC 119943, DT, 1ªT; HC 119115, RL, 2ªT) – salvo, claro, situações de flagrante ilegalidade

b. a 1ª Turma do STF exige a interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão em habeas corpus, refutando o HC substitutivo (HC 114512, RW, 1ªT) – a 2ª Turma, como regra, é menos rigorosa quanto a isso

c. para a 1ª Turma, contra acórdão em recurso ordinário em habeas corpus só caberia recurso extraordinário e não HC originário (HC 119927, LF, 1ªT) – aqui também, como regra, a 2ª Turma é menos rigorosa

em nosso favor, contrários à exigência da interposição de recurso ordinário: HC 111074, CM, 2ªT; 110270, GM, 2ªT e contra a exigência do recurso extraordinário: RHC 117138, RL, 2ªT

 

O álibi

O texto abaixo é uma adaptação do conto de mesmo nome do escritor francês Tristan Bernard (1866-1947), ajustado para os dias atuais, para a realidade e direito brasileiros. A ideia central vem do original francês, os floreios são meus.

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O álibi

 

Belo Horizonte, setembro de 1993

 

Maicon estava cansado de sua vida monótona e quase miserável. Ser Office-boy de um escritório de cobrança e percorrer a cidade inteira buscando e entregando documentos por um ínfimo salário-mínimo não estava em seus planos como trabalho por muito tempo.

A falta de estudos, de condições, de pessoas que pudessem apadrinhá-lo para que conseguisse coisa melhor deixavam-no muito desanimado.

A idéia surgiu quando ele entregava documentos em um sítio de uma senhora idosa em Santa Luzia, nas proximidades de Belo Horizonte. A casa era grande, desprotegida, com um muro baixo e aparentemente nenhum sistema de alarme.

A criada, única pessoa que fazia companhia à proprietária, abriu a porta com uma boa vontade e uma inocência só encontradas em localidades menores.

Deixou-o esperando na sala para chamar a patroa. Enquanto isso, ele pôde perceber que se tratava de uma casa com objetos interessantes, coisas que talvez tivessem valor, ou ainda, quem sabe, existissem jóias no quarto da dona.

Durante vários dias pensamentos ruins povoaram sua mente. No dia seguinte à entrega na casa dessa senhora, Maicon foi humilhado por seu chefe na frente de todos, ridicularizado sem qualquer razão.

Para piorar, estava sentindo imenso ciúme da companheira, com quem, apesar de ter apenas 19 anos morava há aproximadamente 6 meses. Dançarina de uma boate de strip tease de segunda categoria, Maicon sabia que o trabalho dela não se resumia a isso. Estava acostumado e não era isso que o feria. Ela era profissional, não sabia o nome de ninguém, dançava, fazia algo mais e pronto. Mas havia um safado, um bicheiro, para ser mais exato, que estava mexendo com Mariele. Ela não falava muito para evitar os ciúmes, mas pelas conversas dela, esse velho estava prometendo dinheiro e uma casa melhor para ela ser uma espécie de exclusividade dele.

Mariele estava se interessando e começava a humilhá-lo dizendo que não poderia sustentar a casa sozinha por muito tempo, que ele precisava crescer, ganhar mais. Ela era mais mulher que ele homem, ambos sabiam disso e ela fazia questão de deixar isso claro nos últimos tempos.

Maicon tomou sua decisão. Iria assaltar a casa da velhinha. Não queria fazer disso meio de vida, mas precisava de um capital inicial para começar qualquer coisa. Planejou tudo.

Agiria na sexta. Primeiro por ter folga no sábado, segundo por Mariele trabalhar até de manhã nesse dia.

Chegada a sexta, pôs o plano em ação. Chegou do trabalho no horário normal. Falou com a dona da pensão miserável que ele dividia no subúrbio de Belo Horizonte com Mariele que estava com muita dor de cabeça e por isso se deitaria cedo aquele dia. A dançarina já tinha saído para a boate.

Subiu, vestiu uma camisa e um casaco do qual pudesse se livrar para evitar se reconhecido caso alguma coisa saísse errado e pôs em execução seu plano.

Saiu pela janela por volta de 11 da noite, para que ninguém notasse. Pegou um ônibus até a entrada de Santa Luzia, não daria tão na vista a ponto de descer perto de seu destino, mesmo por que por lá não passava ônibus a uma hora daquelas. Esgueirou-se pelas ruas até chegar à estradinha que levava à propriedade e, ao chegar na casa da vítima, calçou luvas e certificou-se de que a região estava vazia, antes de pular o muro.

Dentro da propriedade, conseguiu abrir uma janela antiga, de madeira, de acordo com o estilo colonial da construção. Começou a colocar a prataria em um saco quando, por causa da fraca claridade que entrava da rua, esbarrou em um abajur derrubando-o. Próximo que estava do quarto da velha, acordou-a. A senhora chamou pela criada, achando que fosse ela. Maicon torceu para que ela desistisse e tornasse a dormir. Mas, curiosa, a mulher levantou-se. Com o descontrole típico dos amadores, Maicon pegou um abridor de cartas que ele tinha selecionado como objeto a ser levado, por estar incrustado de pedras, e cravou no ventre da idosa. Sua queda acordou a empregada, que veio ver o que estava acontecendo. Ela viu Maicon e lembrou-se do entregador daquele outro dia. Sem opção, ele a golpeou com um peso de papéis. Ela caiu e ele acreditou que estivesse morta.

Com o caminho livre, ele vasculhou a casa, encontrando ainda R$ 500,00 em dinheiro, além de algumas jóias.

Saiu da casa por volta de 2 da manhã e na claridade da lua percebeu que seu paletó estava manchado com o sangue da vítima. Com exceção do dinheiro, colocou tudo, casaco, arma do crime e objetos roubados no saco e os escondeu em uma pedra afastada 200 metros da estrada que liga Santa Luzia a Belo Horizonte. Com medo, voltou para casa a pé.

Ao chegar em seu hotel miserável já de manhã, viu alguns carros de polícia em volta da porta. Assustado, imaginou se eles estariam lá por sua causa. Sentiu seu sangue gelar. Pensou em fugir, mas antes que tivesse tempo de fazer qualquer coisa, viu a dona da pensão reconhecê-lo e apontar para ele. Sabia que se corresse após ter sido visto seria pior. Com uma frieza que não esperava ter, continuou caminhando em direção à sua casa, sabendo que a sorte estava lançada.

Foi abordado por um investigador que imediatamente o algemou. Ficou calado, sem conseguir entender como já poderia ter sido descoberto seu crime. Maldisse seu azar, não acreditava no que estava acontecendo.

O investigador perguntou porque ele havia feito aquilo. Antes que ele respondesse, conduziu-o a seu quarto.

Mariele estava morta, a facadas, deitada na cama. A arma do crime não estava lá. Não havia arrombamento ou sinal de luta. Ela não se defendera, conhecia o agressor. Maicon, calado, foi preso em flagrante. A polícia encontrou com ele o dinheiro subtraído da casa da velha, o que aumentou a suspeita contra o rapaz. Ele teria matado a companheira para ficar com o dinheiro dela, além do ciúme.

A dona da pensão disse que Mariele voltara cedo aquela noite. Ela passou pela entrada da pensão onde a proprietária e o marido terminavam de assistir a um filme por volta de 1 da manhã. Alegara estar passando mal.

Dias depois, Maicon conseguiu deixar a cadeia por meio de liberdade provisória.

Enquanto isso, começavam as buscas do assassino da velha. A empregada sobreviveu e fez boa descrição do homem. No entanto, a polícia estava preocupada em provar a culpa de Maicon no assassinato da companheira, ocorrido aproximadamente no mesmo horário, em lugares distantes um do outro. Assim, a empregada nunca teve a chance de ver o rosto de Maicon na televisão – culpados de assassinar dançarinas de cabaré não são manchetes de jornal. O assassino de Santa Luzia não foi encontrado.

Maicon respondeu ao processo em liberdade. Era primário, tinha bons antecedentes. Foi pronunciado, mesmo assim continuou livre. Quando ouvidas as testemunhas em seu processo, elas foram assentes em afirmar que ele estava com ciúmes de um possível romance da namorada e que ele estava sem dinheiro, piorando sua situação. Foi condenado. O curso do processo demorou 6 anos, aproximadamente. Ele apelou, também em liberdade. Quando o Tribunal de Justiça confirmou a condenação, mantendo a pena de 14 anos, Maicon foi finalmente preso. No dia em que ele foi conduzido à prisão já haviam se passado 8 anos e seis meses do fatídico dia 13 de setembro de 1993.

 

Ribeirão das Neves, presídio da região metropolitana de Belo Horizonte, outubro de 2003

 

Trancado em sua cela, Maicon escreveu a seguinte carta para o Juiz da Execução. Ele está preso há aproximadamente 1 ano e meio.

“Ribeirão das Neves, 2 de outubro de 2003”.

Sr. Juiz,

Na noite de 13 de setembro de 1993, eu saí de casa para furtar o sítio de uma velha em Santa Luzia, distante aproximadamente 35 km da capital. Ela me surpreendeu na hora e acabei matando-a. Ataquei também a empregada que, felizmente, não morreu. Fugi com os objetos do crime e os escondi, bem como minha camisa suja com o sangue da velha.

Ao chegar em minha casa, fui acusado e depois condenado por ter supostamente cometido o crime pelo qual estou hoje preso, ou seja, matado minha mulher.

Pois bem, com os objetos do crime, a arma, a camisa ensangüentada, bem como o testemunho da sobrevivente, posso provar que sou inocente quanto ao crime pelo qual me prenderam, pois naquele mesmo horário estava longe, cometendo outro na região rural de Santa Luzia, e não tinha como voltar tão rápido.

Acontece, Sr. Juiz, que a maior prescrição no Direito Penal Brasileiro é de 20 anos. Nós temos tempo de estudar na cadeia, sabe? Só que na época do fato eu tinha apenas 19, o que faz o prazo de prescrição cair pela metade. Assim, aquele crime está prescrito e desse pelo qual fui preso, sou inocente. Quero ser ouvido oficialmente pelo Sr. para que possa demonstrar meu álibi na presença do Ministério Público.

Serei um homem livre, Sr. Juiz.

Maicon

Um mínimo de sensibilidade

Um mínimo de sensibilidade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Já compartilhei com colegas e amigos, por inúmeros meios, incontáveis julgamentos de habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União em que se discutia a aplicação do princípio da insignificância em favor de pessoas acusadas de furtos de itens de ínfimo valor, como espigas de milho, sucata, gêneros alimentícios, peças de roupa.

Há quem discorde da aplicação do instituto, quem diga que ele é um estímulo à criminalidade, em suma, discursos que veem no delito de bagatela um crime como outro qualquer e, portanto, passível de condenação penal.

Certamente influenciado pela minha condição de Defensor Público Federal, não vejo na condenação e no encarceramento de acusados da prática de pequenos furtos qualquer vantagem para a sociedade brasileira, mesmo que pudéssemos – e não podemos – por um instante, olvidar dos direitos do próprio réu.

Mas o excesso punitivo que devasta determinada parcela da população parece não ter limite.

Foi julgado, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 30 de junho de 2015, o HC 120580, impetrado pela DPU, e trazido até Brasília pela atuação da Defensoria Pública Estadual de Minas Gerais. Buscava-se a anulação de condenação imposta ao paciente pela suposta prática de dano qualificado, por ter ele supostamente quebrado a lâmina de vidro de uma porta de um posto de saúde com um pontapé.

O caso merece ser detalhado.

O paciente da impetração citada acima foi acusado da prática de dano por ter, supostamente, chutado a porta de vidro de um centro de saúde em Belo Horizonte/MG. Foi absolvido pelo Douto Juízo de Primeiro Grau. O Ministério Público aviou recurso, provido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A defesa interpôs recurso especial, não admitido, e, em seguida, agravo. O apelo especial teve seu seguimento negado em decisão monocrática lavrada pela Ministra Relatora no Superior Tribunal de Justiça, posteriormente confirmada por sua Quinta Turma, em julgamento de agravo regimental. Segundo a Corte Superior “(…) a conduta praticada pelo Agravante possui expressividade jurídica, na medida em que atenta contra serviço essencial à comunidade, qual seja, a assistência pública à saúde.”

Foi impetrado, em seguida, habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal, postulando-se a aplicação do princípio da insignificância. Reitera-se, o alegado dano foi ínfimo, em nada prejudicando o atendimento no posto de saúde.

Mais que palavras minhas, cumpre invocar o parecer da Procuradoria-Geral da República, lavrado pela Subprocuradora-Geral Deborah Duprat, disponível no sítio eletrônico do STF, sem a necessidade de qualquer espécie de senha ou assinatura digital para seu acesso:

“Pois bem, a sentença consigna que o réu, insatisfeito por esperar cerca de 8 horas por atendimento de serviço de saúde, desferiu um chute contra a porta do centro de saúde municipal, o que levou ao fragmento de parte de sua lâmina de vidro. Também registra o péssimo estado da porta.

 As circunstâncias que cercam o caso permitem concluir pela sua irrelevância penal. A conduta do agente, se não justificada, ao menos absolutamente compreensível: a espera tão longa por atendimento em situação de doença e/ou dor pode levar muitos de nós ao desespero.

 De mais a mais, chega a ser possível afirmar a ausência de dolo, diante da informação da sentença sobre o estado da porta. O dano, ao que tudo indica, foi muito mais resultado deste do que propriamente da conduta do agente – um chute, e nada mais.

 Ainda que de aplicação excepcional, a hipótese é típica de incidência do princípio da insignificância, razão por que o parecer é pela concessão da ordem.”

Nem se pode dizer, como se faz muitas vezes quando a Defensoria pede a aplicação do princípio da insignificância em favor de acusados de furto ou descaminho, que o increpado escolheu a maneira mais fácil, a via mais rápida para a obtenção de bens. A conduta imputada ao paciente do habeas corpus em tela decorre principalmente da precariedade dos serviços de saúde pública, situação amplamente divulgada em todos os meios de comunicação diuturnamente.

Em resumo, o cidadão carente paga, no país, inúmeras vezes pela mesma exclusão: arca com incontáveis e elevados tributos diretos e indiretos em tudo o que consome e faz, recebe serviços públicos que baixa qualidade – por razões diversas, mas que decorrem da subversão do valor maior da supremacia do interesse público, e, por fim, quando se irrita e se desespera em situação em que sua saúde está debilitada, enfrenta a severidade penal sempre mais implacável contra os mais pobres.

Para os arautos do rigor, que logo gritarão que as mazelas do sistema de saúde pátrio não dão ao cidadão o direito de se rebelar e chutar uma porta, indago se a mesma inflexibilidade por eles pregada volta-se também contra os administradores em geral que, no trato da coisa pública, subvertem completamente as prioridades. Questiono também se a única solução que eles têm para todos os problemas do Brasil é a penal, resposta que, aliás, me parece cada vez mais evidente. Nem se diga que o paciente responde a um processo por furto, vez que as condutas em nada guardam relação.

Não consigo deixar de me perguntar se o membro do Ministério Público que recorreu da decisão absolutória de Primeiro Grau acha mesmo que a obtenção da condenação do paciente do citado habeas corpus traz algum benefício, ínfimo que seja à sociedade, lançando mácula em uma pessoa que se irritou em um momento de extrema fragilidade. A mesma indagação deve ser formulada ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais que proveu o recurso para impor condenação, bem como ao Superior Tribunal de Justiça, que manteve incólume a decisão anterior.

Foi necessário que o feito chegasse ao STF para que restasse restaurada a decisão primeva, com o apoio da Procuradoria-Geral da República, pela absolvição do paciente.

Poderia falar dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mas irei mais longe. Os concursos públicos que selecionam os membros das mais diversas carreiras jurídicas são cada vez mais difíceis e exigentes, indiscutivelmente. Lamento que sensibilidade com a miserável e frágil condição humana não seja mensurável e, ainda que fosse, muitas vezes sequer seria exigida nessas provas. Já afirmei isso antes, mas sempre impressionado com as obras que li de Victor Hugo, escritor francês nascido no início do século XIX, mas que parece viver no Brasil do século XXI, repito: Javert ficaria perplexo com certas coisas que acontecem por aqui.

Brasília, 3 de julho de 2015

Fio da navalha

Fio da navalha

Gustavo de Almeida Ribeiro

Cada carreira jurídica tem seus desafios e dificuldades e só quem as vivencia pode mensurá-las.

Ontem passei por essa situação no Plenário do Supremo Tribunal Federal.

A Defensoria Pública da União, que tem militância intensa perante a Justiça Militar da União, passou a alegar, valendo-se da alteração ocorrida em 2008 no Código de Processo Penal, que a mudança do interrogatório para o final da instrução processual, implementada pela Lei 11.719/08, deveria ser também aplicada aos feitos em trâmite perante a Justiça Castrense.

Os processos versando sobre o tema que aportaram no Superior Tribunal Militar obtiveram resposta negativa, pelo que a DPU passou a recorrer ao STF para reverter tal entendimento.

Como por vezes acontece, as duas Turmas da Suprema Corte trilharam caminhos diferentes, a Primeira concedendo os pedidos, em regra veiculados em habeas corpus, a Segunda denegando-os.

Após sustentar no RHC 123473, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, na sessão da 2ª Turma de 2 de setembro de 2014, com resultado desfavorável, percebi que apenas 10 dias depois a Ministra Cármen Lúcia tinha concedido liminar no HC 123228, versando exatamente sobre o mesmo tema.

Naquela oportunidade, já conhecia a divergência entre as Turmas, sabendo que a Primeira era favorável à tese esgrimida pela DPU, ao contrário da Segunda.

Em 11 de novembro de 2014, a Ministra Cármen Lúcia levou o HC 123228 para julgamento perante a Segunda Turma. Já tinha acontecido em outro feito sobre a mesma matéria de ela conceder a liminar e depois denegar a ordem, pelo que fiz questão de chamar a atenção para a frontal divergência entre as Turmas.

Assim, sustentei muito mais para destacar os entendimentos divergentes do que preocupado em repetir o que já havia dito – matéria exclusivamente de direito – há pouco mais de dois meses, para evitar deixar os Ministros enfadados.

A Turma resolveu então afetar o processo ao Plenário do STF para pacificar a questão.

O habeas corpus foi pautado para a sessão do Plenário do STF de 10 de dezembro de 2014, juntamente com diversos outros da DPU. Pouco antes de começar a sessão, me dei conta de que o habeas corpus tinha um problema sério: os interrogatórios tinham acontecido em 2007, antes mesmo da mudança ocorrida no Código de Processo Penal. Em suma, como as normas processuais não retroagem, ainda que os pacientes do citado HC 123228 tivessem sido interrogados na Justiça comum, não seria aplicável a regra do novo procedimento.

Pensei: se eles tiverem notado essa situação vou ser execrado em praça pública, embora os documentos estejam acostados aos autos. Torci muito para que o feito não fosse a julgamento naquele dia. E, de fato, não foi.

Por uma questão de lealdade com a Corte e para evitar problemas posteriores, avisei que os interrogatórios tinham sido antes da alteração legislativa logo após a sessão.

Achei que o feito fosse ser desafetado e denegado monocraticamente ou na Turma mesmo.

Nada disso, ele continuou na lista do Plenário.

Passei então a viver uma situação incômoda, por um lado, ter um processo com um tema relevante para a DPU com um caso concreto desfavorável, por outro, saber que a liminar estava deferida, suspendendo o andamento da ação penal militar, ou seja, uma vez avisada a situação, tinha cumprido meu dever ético, mas não poderia desistir do HC em respeito aos assistidos.

Quando o feito voltou à pauta, novamente entrei em contato com o gabinete da Ministra Cármen Lúcia. Ela insistiu em manter o processo afetado, pelo que nada mais me restava a fazer.

Aqui, faço outra ponderação. Não queria deixar a matéria ser julgada sem sustentar pelo medo de, em um tema totalmente antagônico entre as Turmas, os Ministros resolverem entrar no mérito sem que a Defensoria fosse ouvida. Por isso, não havia, em meu sentir, a opção de não sustentar.

Foi uma sensação estranha. Sabia que estava perdido, que nada poderia fazer, vez que a lei processual não retroagiria nem mesmo para o processo penal comum, por outro lado, tinha coisas relevantes a dizer e não poderia simplesmente ignorar que, bom ou não era aquele o precedente afetado e isso não depende de nós.

A ordem restou denegada, mas dei o recado em nome da DPU. Fui leal com a Corte, avisando a situação, vez que não poderia afirmar que os interrogatórios tinham ocorrido em data posterior àquela em que realmente se deram; por outro lado, a liminar foi mantida enquanto possível e as portas continuam abertas quanto ao tema de fundo. Foi cansativo e um pouco frustrante, mas dentro das possibilidades, era o que dava para fazer.

Brasília, 25 de junho de 2015

A importância da Defensoria Pública na construção de teses

A importância da Defensoria Pública na construção de teses

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Existem temas no Direito que são intimamente ligados à Defensoria Pública. Não que não importem à advocacia particular, mas, por não terem apelo econômico ou envolverem pessoas incapazes de arcar com as despesas decorrentes de uma demanda judicial, situação essencial – e natural, frise-se – para a iniciativa privada, acabam por ser tratados, na maioria das vezes, pela defesa pública.

Além disso, há questões que se repetem à exaustão, pelo que a legitimidade da Instituição decorre da pletora de feitos por ela patrocinados e, consequentemente, da experiência adquirida pelos seus membros por todo o país no trato do assunto.

Isso ocorre tanto em matérias de natureza extrapenal, quanto em algumas de natureza penal.

Por isso, nas discussões desses temas, é fundamental seja chamada a Defensoria Pública para que possa dar voz ao lado mais frágil da relação processual.

Essa participação cresce em importância quando o feito a ser julgado tem os contornos típicos da repercussão geral, que acaba por fazer com que seu resultado ultrapasse o mero interesse das partes envolvidas.

Como dito acima, as causas que não proporcionam ganho econômico, ainda que patrocinadas graciosamente por advogados particulares, não permitem, em regra, que eles viajem para, por exemplo, proferir sustentação oral em localidade distante daquela em que exercem sua profissão. Cabendo destacar, ainda, a importância da experiência angariada na atuação maciça dos Defensores.

Por isso, faz-se essencial que em casos como estes, as Cortes Superior e Suprema tenham sensibilidade, permitindo e até mesmo açulando a participação da Defensoria Pública na defesa de teses que lhe sejam caras, frequentes na sua atuação diária por todo o país.

O Superior Tribunal de Justiça vem tomando esta medida, intimando a Defensoria Pública em processos em que entende ser o tema veiculado em sede de recurso repetitivo relevante para a atuação da Instituição. Já o Supremo Tribunal Federal não provoca a atuação da Defensoria, mas, como regra, permite sua participação, salvo uma ou outra exceção. Espero que a Suprema Corte também dê esse passo final fundamental para a formação de uma decisão com amplo acesso de todos os atores, chamando a Instituição a participar.

Como dito, há casos em que não se pode esperar que um advogado, que muitas vezes atuou de forma gratuita, saia de sua cidade e se desloque até Brasília para proferir sustentação oral. A participação da Defensoria permite que se ouça a voz do cidadão, principalmente nas causas mais relacionadas aos carentes, como de as de natureza assistencial, previdenciária, de saúde, ou, ainda, atinentes à execução penal, por exemplo. Quando do outro lado está a Fazenda Pública, em regra, fazem-se presentes Procuradores Federais e Advogados da União, quando é de natureza penal, lá está o Procurador da República à direita do Ministro Presidente. Por isso, a Defensoria deve assegurar o equilíbrio entre as posições sustentadas. São exemplos do afirmado os Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963, versando sobre benefício assistencial e o Recurso Extraordinário 591.054, impugnando a consideração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes. Em todos eles, a palavra em favor da tese mais favorável aos assistidos em geral foi lançada da tribuna pela Defensoria Pública da União.

É preciso dizer ainda que, muitas vezes, o Ministério Público acaba por ter, principalmente em matérias não ligadas ao Direito Penal, entendimento assemelhado ao da Defensoria Pública. Entretanto, está em posição diferente, na condição de custos legis, menos vinculado, portanto, ao interesse daqueles que serão atingidos pela tese a ser consolidada. Em suma, não está limitado à posição do hipossuficiente, tal como ocorre com aquele que ingressa no feito justamente para defender o entendimento mais favorável ao carente.

Em vista do afirmado, entendo que a Justiça Brasileira precisa ser acessível a todos e, em muitos casos, a Defensoria Pública é a única voz audível de milhares de pessoas espalhadas pelos diversos rincões do país, principalmente em processos que ultrapassem os interesses apenas das partes nele envolvidas e signifiquem a esperança final de um entendimento jurisdicional favorável.

Brasília, 19 de junho de 2015

Reformatio in pejus e consequências indiretas

Reformatio in pejus e consequências indiretas

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O tema reformatio in pejus pode parecer, à primeira vista, simples e isento de maiores reflexões. Entretanto, um olhar um pouco mais aprofundado demonstra que ele ultrapassa a mera questão do quantitativo de pena em si, trazendo outras nuances a serem apreciadas conforme o caso.

Um exemplo é a invocação, pelo Tribunal de apelação, de aspectos negativos contra o acusado recorrente que, em razão do acolhimento também de teses favoráveis, não torna a pena maior que a da primeira instância, mas a deixa maior do que a que seria devida.

Outro indicativo da complexidade do tema ocorre no recurso defensivo em que não há qualquer alteração ou redução na quantidade de pena fixada, mas com a imposição de circunstâncias que alteram, de alguma forma, a pena, seja pela mudança do enquadramento no tipo penal, seja pela invocação de circunstâncias judiciais antes neutras ou favoráveis.

Um caso concreto, extraído do HC 123251, julgado pela 2ª Turma do STF, demonstra de forma cristalina o que ora se afirma:

“Habeas Corpus. 2. Emendatio libelli (art. 383, CPP) em segunda instância mediante recurso exclusivo da defesa. Possibilidade, contanto que não gere reformatio in pejus, nos termos do art. 617, CPP. A pena fixada não é o único efeito que baliza a condenação, devendo ser consideradas outras circunstâncias para verificação de existência reformatio in pejus. 3. A desclassificação do art. 155, § 4º, II, para o art. 312, § 1º , ambos do Código Penal, gera reformatio in pejus, visto que, nos crimes contra a Administração Pública, a progressão de regime é condicionada à reparação do dano causado, ou à devolução do produto do ilícito (art. 33, § 4º, CP). 4. Writ denegado nos termos em que requerido, mas, de ofício, concedido habeas corpus.” (HC 123251, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 10-02-2015 PUBLIC 11-02-2015)

Em suma, a acusada havia sido condenada por furto. Em recurso exclusivo seu, o Tribunal entendeu por alterar o tipo penal de furto para peculato-furto, sem qualquer mudança na pena. Aparentemente, seria uma emendatio libelli sem maiores consequências, vez que mantida a pena imposta em primeiro grau. Ocorre que o peculato é crime praticado contra a administração pública, pelo que a ele é aplicado o disposto no artigo 33, §4º do Código Penal que impõe a reparação de dano para a progressão de regime, exigência inexistente no crime de furto. Ou seja, ainda que sem o agravamento do quantitativo de pena, a situação da acusada tornou-se mais gravosa, pois, precisando progredir de regime terá que cumprir determinação legal não imposta na condenação primeva e não questionada pelo Órgão de acusação.

Mais uma vez, repisa-se: não cabe ao Tribunal ad quem, inconformado, assumir o papel de Ministério Público, em recurso do acusado.

O mesmo se dá com a consideração de circunstância judicial como negativa contra o recorrente em recurso exclusivo seu, mesmo sem a majoração de pena. Como se sabe, as circunstâncias judiciais são sempre consideradas para a obtenção de benefícios, tais como a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

Assim, os dois exemplos acima demonstram que a vedação da reformatio in pejus ultrapassa, em muito, a mera quantificação final da pena, surgindo até mesmo da tipificação legal imposta ao acusado recorrente. Os princípios acusatório e da ampla defesa impedem que o Tribunal de apelação altere, sem a provocação ministerial (ou do querelante ou do assistente de acusação, conforme o caso), aspectos da pena que resultem em qualquer espécie de agravamento na situação do acusado.

Não se impõe a quem recorre preocupar-se com circunstâncias que eventualmente podem ser invocadas pela Corte local, antecipando-se e temendo, ao apelar, um provimento de ofício contrário ao seu pedido.

Em apelação exclusiva da defesa, cabe ao Tribunal prover o recurso ou a ele negar provimento, mas não invocar circunstância que de qualquer modo prejudique o apelante sem qualquer provocação. Como já afirmado, o prejuízo não se limita ao total final da pena, sendo esta sua forma mais visível, mas de modo algum a única. Mudanças que impeçam ou dificultem a substituição da reprimenda, a progressão de regime, ainda que não causem um dia sequer a mais de pena, agravam a situação do recorrente pelo que dependem de irresignação ministerial para serem aplicadas.

Brasília, 16 de junho de 2015

Os limites e a busca por novos caminhos

Os limites e a busca por novos caminhos

Gustavo de Almeida Ribeiro

Um dos meus objetivos ao criar o blog foi poder comentar de maneira mais informal alguns temas de Direito que não caberiam no twitter, mas também exigiriam aprofundamento técnico necessário para divulgação em algum sítio eletrônico ou periódico jurídico.

Como Defensor Público militante perante o Supremo Tribunal Federal há mais de 8 anos, tenho percebido o endurecimento da Corte com relação à admissibilidade dos habeas corpus que, além disso, cada vez mais são julgados monocraticamente – claro, a interposição de agravo regimental torna colegiada a decisão, mas não permite a sustentação oral.

No caso da Corte Suprema, algumas restrições são gerais como a rejeição das impetrações voltadas contra decisões monocráticas definitivas da instância anterior, numa espécie de alargamento do enunciado da Súmula 691 do STF, que limitava o conhecimento do habeas corpus apenas quando voltado contra decisão que indeferia medida liminar. Por outro lado, a exigência de interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão denegatória de habeas corpus, refutando-se a possibilidade de impetração substitutiva, está limitada à Primeira Turma, não sendo exigida, como regra, pela Segunda Turma.

Mas o Superior Tribunal de Justiça parece ter ido além nas restrições ao cabimento do remédio constitucional. Deparei-me, ao emendar inicial de próprio punho no HC 128.153, em trâmite perante o STF, com o acórdão prolatado pelo STJ no HC 296.899, julgado pela Sexta Turma, sob relatoria da E. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. A citada decisão colegiada, invocando precedente emanado da Primeira Turma do STF, seguiu o voto condutor da E. Relatora, assim consignado:

“É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do Resp ou a impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do emprego do mandamus , sob pena de sua hipertrofia representar verdadeiro índice de ineficácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente clara ilegalidade, não é de se conhecer da impetração.”

Por sua vez, o julgado invocado no voto tem a ementa abaixo transcrita:

“HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las.” (HC 109956, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012) (grifo nosso)

Aqui, é preciso destacar que a impetração ajuizada perante o STJ voltava-se contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em sede de apelação e não contra decisão em habeas corpus originário.

Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça, invocando precedente que, com a devida licença, parece não se adequar ao caso em tela, não conheceu da impetração lá ajuizada sob o fundamento de “racionalização do emprego do mandamus”. Assim, só restaria ao acusado a possibilidade de utilização dos apelos excepcionais.

Entretanto, ao contrário do alegado pela Corte Superior, o precedente do STF não obriga a interposição dos apelos extremos, limitando-se a exigir a interposição do recurso ordinário em habeas corpus contra decisão denegatória de habeas corpus. Na verdade, mesmo a Primeira Turma da Corte Suprema, mais restritiva em relação ao remédio heroico, é clara em afirmar que não é exigível a interposição de Recurso Especial, podendo ser utilizado o habeas corpus regularmente para a impugnação de decisões tomadas por Tribunais Estaduais ou Regionais Federais em sede de apelação. Calha transcrever decisão ainda mais recente que o julgado invocado no acórdão da Corte Superior.

“Ementa: Recurso ordinário em habeas corpus. Acórdão do superior tribunal de justiça que, ao inadmitir hc substitutivo de recurso especial, examinou o mérito da impetração. Tráfico de drogas. Pedido de aplicação do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. impossibilidade. Regime inicial de cumprimento de pena fixado com base em dados objetivos. Recurso a que se nega provimento. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não admitir que o Superior Tribunal de Justiça negue seguimento a habeas corpus pela justificativa de cabimento de recurso especial. 2. No caso dos autos, apesar de não conhecer de habeas corpus por considerá-lo substitutivo de recurso especial, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça examinou o mérito da impetração. 3. Não há ilegalidade flagrante no acórdão que assenta a impossibilidade de se discutir, em sede de habeas corpus, o preenchimento dos requisitos para a incidência da causa de diminuição de pena definida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Notadamente se as instâncias precedentes convergiram quanto ao não atendimento dos requisitos legais 4. A existência de circunstâncias objetivas valoradas negativamente pode implicar a fixação de regime prisional mais gravoso do que o autorizado pela quantidade da pena. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.” (RHC 118623, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 04-12-2013 PUBLIC 05-12-2013) (grifo nosso)

Em suma, ao contrário do afirmado pela Corte Superior, o precedente que se amolda com perfeição ao HC 296.899 é o colacionado acima, que claramente veda a exigência da interposição de Recurso Especial por parte do STJ. Já o julgado invocado no voto condutor pelo Tribunal Superior (109956/STF) fala da exigência da utilização do recurso ordinário contra decisão denegatória de habeas corpus. Reitera-se, o HC 296.899 impugnava acórdão proferido em apelação, pelo que se vedada a utilização do habeas corpus, como deseja o STJ, só restaria o Recurso Especial.

Nem se diga que houve apreciação de ofício da matéria de fundo da impetração, o que, aliás, tem criado verdadeiro paradoxo. Se o writ, sendo ou não conhecido, é analisado no mesmo grau de profundidade, a discussão sobre seu conhecimento é inócua, desnecessária. Na verdade, o que se diz é que o não conhecimento da impetração permite apenas a apreciação de ilegalidades flagrantes, o que já indica a importância de se combater a restrição cada vez mais intensa sofrida pela ação constitucional. Além disso, confesso minha dificuldade em saber o que é ilegalidade patente (termo utilizado no voto) e o que é uma ilegalidade discreta, admissível, em se tratando de direito penal que, como se sabe, atinge sempre a liberdade dos acusados.

Certo é que as restrições ao instituto do habeas corpus se multiplicam e se alargam, pelo que me questiono até onde irão. Quem está preso indevidamente tem pressa, urgência, sendo os recursos excepcionais mais lentos e mais restritos que o remédio heroico. Permitindo-me certo exagero, às vezes parece-me que o novo entendimento sobre o cabimento da ação constitucional culminará quase que na sua extinção prática no direito brasileiro, vez que incabível praticamente em todas as situações e cada vez mais repleto de exigências, de modo a fazer inveja nos recursos excepcionais.

O aumento no número de HCs nos Tribunais Superiores – causador das restrições – tem, em grande parte, a paternidade da Defensoria Pública que faz chegar a Brasília processos que antes seriam encerrados, no máximo, no Tribunal de Segundo Grau, sendo nesse aspecto, positivo ao possibilitar o acesso da população menos favorecida a todas as instâncias judiciais. Por outro lado, infelizmente, conta também com outros fatores não tão alvissareiros, que precisam ser repensados, como a resistência dos Tribunais locais em seguir as orientações jurisprudenciais emanadas do STF, por exemplo. Seja por que razão for, a solução mais democrática não está na limitação exagerada ao cabimento do remédio constitucional.

Como Defensor Público, resta-me reinventar minha atuação de modo que questões meramente processuais não impeçam a apreciação dos temas de fundo veiculados nos diversos habeas corpus da forma mais ampla possível, vez que, em breves palavras, dada a extensão deste texto, parece contraditório que a forma de peticionamento mais democrática do Direito venha sofrendo cada vez mais restrições e condicionamentos.

Brasília, 13 de junho de 2015

Direito e assuntos diversos.