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Todos iguais

Todos iguais

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Em um dia como hoje, é bom mostrar como as coisas funcionam para um assistido da Defensoria.

Vou narrar a longa jornada de um processo de um réu atendido pela Defensoria.

Sim, o crime do qual é acusado o assistido da DPU é grave, mas meu objetivo é mostrar como a prisão cautelar indefinida nem sempre incomoda o STF.

O que vou contar abaixo pode ser verificado nos autos eletrônicos do HC 149766, impetrado junto ao STF, em que se busca a liberdade do paciente (foi um trabalho conjunto da DPU e da DPE/AL do primeiro grau até a Suprema Corte):

Em 22/05/2015, o paciente teria cometido homicídio.

Dias após os fatos, apresentou-se à autoridade policial, sendo liberando em seguida,

Em 26/08/2015, foi pedida sua prisão, sem grande fundamentação que justificasse a imposição de preventiva a partir dali. Transcrevo trecho:

“In casu, não obstante o privilegio da atual previsão legal para a aplicação preferencial de outras medidas cautelares que não a prisão preventiva, vislumbramos a presença do requisito para a sua decretação, qual seja a garantia da ordem pública, que se mostra ameaçada diante da pratica delitiva que traz em si grande lesividade aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, não sendo o caso de aplicação de outra medida cautelar prevista no artigo 319 do Código Processual Penal. ”

Foi preso em 10/09/2015.

Assim se encontra até a presente data.

Já teve audiências remarcadas 3 vezes.

O habeas corpus impetrado pela DPU, em 30/10/2017, perante o STF, teve seu seguimento negado, em 31/10/2017, pelo Ministro Dias Toffoli, relator.

Interpus agravo interno em 06/12/2017.

Enquanto isso, no primeiro grau, dia 12/12/2017, deveria ser ouvida uma testemunha e, ainda, interrogado o acusado.

Todavia, os agentes penitenciários do Estado de Alagoas estavam em greve, pelo que o réu, preso, não foi conduzido a audiência, sendo seu interrogatório remarcado para 19/04/2018.

Em suma, o interrogatório da fase inicial do Júri (judicium accusationis) foi atrasado em mais de 4 meses, por culpa EXCLUSIVA DO ESTADO, em se tratando de acusado preso há mais de 2 anos e 3 meses, quando do adiamento.

No dia 18/12/2017, o agravo regimental que interpus foi a julgamento. Assomei à tribuna para falar do último andamento na origem, ou seja, o adiamento do interrogatório, ocorrido após a interposição do recurso.

Não poderia sustentar, por não haver essa possibilidade em agravo interno.

Após ser advertido insistentemente pelo Ministro Edson Fachin, que preside a 2ª Turma, de que só poderia trazer questão de fato, esclareci o que tinha ocorrido na primeira instância.

O agravo foi negado.

Publicado o acórdão do agravo interno, foi expedido ofício à origem para que fosse dada celeridade à oitiva do paciente.

Opus embargos de declaração, dizendo que, até aquela data, não tinha havido qualquer antecipação do interrogatório.

Hoje é 23/03/2018, o assistido sequer foi pronunciado, estando preso há mais de 2 anos e 6 meses.

Aqui não há discussão de cumprimento de pena após o 1º, o 2º ou outro grau. O acusado não foi condenado.

Depois tenho que passar a tarde inteira ouvindo que todos são iguais, ou, ainda, que alguns conseguem as coisas por terem advogados contratados a peso de ouro.

Francamente.

Brasília, 23 de março de 2018

 

Direito de presença e acusado preso

Direito de presença e acusado preso

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Na última terça-feira, 2 de fevereiro de 2016, perdi um HC em que proferi sustentação oral perante a 2ª Turma do STF cujo resultado estou até agora tentando entender.

A discussão é simples e os fatos estão consolidados, dispensando qualquer incursão fática.

Em suma, a paciente do citado writ (HC 130328), de relatoria do Ministro Dias Toffoli, presa, não foi conduzida da prisão em que recolhida em Lages, Santa Catarina, para a comarca de Araranguá, no mesmo Estado, para participar de audiência de oitiva de testemunhas.

Em todas as fases do processo, a defesa manifestou-se contrariamente à ausência da acusada, que teria o direito de estar presente à audiência em que ouvidas testemunhas de acusação.

A matéria já tinha sido julgada e decidida positivamente no HC 111728, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, em sessão da 2º Turma ocorrida em 19/02/2013.

A comparação do precedente com o resultado de ontem é simplesmente espantosa, não há termo melhor. As situações são idênticas. Pior, no HC 130328, de agora, havia manifestação expressa da defesa contra a ausência da acusada, enquanto no precedente discutia-se a relevância da aquiescência do defensor com a falta dos defendentes.

Os votos do Ministros que compunham a 2ª Turma, no julgamento do HC 111728, foram unânimes pela presença dos acusados em audiência de instrução. O Ministro Gilmar Mendes, na oportunidade, chegou a cogitar da edição de súmula vinculante, sendo secundado pelo Ministro Teori Zavascki.

Manteve a posição o Ministro Celso de Mello, que votou pela concessão no precedente invocado e também neste último feito. Aliás, minha satisfação veio não só do voto dele, coerente com o anterior, mas com a atenção que prestou à sustentação oral proferida.

Durante a sustentação, comentei que minha experiência na primeira instância tinha me mostrado que a presença do acusado era importante para ajudar a esclarecer, questionar, negar coisas ditas pelas testemunhas. Ao proferir seu voto pela concessão da ordem, o Ministro Celso de Mello falou a mesma coisa, dizendo que como Promotor de Justiça muitas vezes sentia a reação do acusado quando a testemunha falava algo de ele, réu, discordava. Foi o que salvou da lavoura. A ordem foi denegada por 4 votos a 1.

A leitura do precedente, que contou com os mesmos julgadores do HC 130328, com exceção do Ministro Dias Toffoli, causa completa perplexidade. Não há como ser mais instável, inconstante. O precedente era até pior, pois parecia não haver insurgência ostensiva contra a ausência dos pacientes, como no julgado da última terça-feira.

Quanto ao tema de fundo, a compreensão é simples. Tem a pessoa presa o direito de ser conduzida à audiência em outra comarca para participar da instrução processual? A resposta deve ser positiva, em razão dos direitos de audiência e de presença. A negativa coloca em posição diferente os acusados presos e os soltos, prejudica a ampla defesa. Também torço para que acusados ricos não possam se oferecer para pagar o deslocamento do local em que recolhidos até cidade em que será realizada a audiência, pois isso também criaria uma discriminação ainda mais absurda na Justiça Penal.

Espero sinceramente que a decisão de ontem valha para todos os acusados em processos penais pelo Brasil. Não porque concorde com ela, longe disso, mas por não aceitar que seja apenas para os pobres atendidos pela Defensoria Pública. Eu quero ver se essa postura será repetida em processos envolvendo graúdos. Repito: discordo frontalmente da decisão. Acho inafastável o direito de presença, tal como manifestado pelo Ministro Decano do STF, Celso de Mello. No entanto, se valeu para a moça do interior de Santa Catarina, que se mantenha para todos.

Brasília, 4 de fevereiro de 2016