Decisão incomum
Gustavo de Almeida Ribeiro
Não vou ingressar no aspecto político da decisão tomada pelo STF ao analisar a liminar proferida pelo Ministro Marco Aurélio na ADPF 402.
Todavia, em razão que ter alguma prática e tempo de atuação perante a Suprema Corte, fico incomodado todas as vezes em que vejo o Tribunal enveredar por um caminho que talvez ele não vá repetir em situação semelhante.
A Corte manteve no cargo de Presidente do Senado Federal pessoa que é ré em ação penal. Todavia, entendeu que ela não poderá ocupar o cargo de Presidente da República, caso seja necessário substituir o mandatário supremo do país.
Quem estabelece a ordem sucessória é a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 80. A norma constitucional pode ser afastada? A prerrogativa é da pessoa que ocupa a presidência do Senado ou do cargo em si? É pessoal? É possível decotar-se prerrogativa do cargo para que a pessoa que não preencha tudo o que se exige possa ser nele mantida ou a ele conduzida? Essas perguntas se impõem.
Mas vou além. O fracionamento (ou superação) dos requisitos para a ocupação de cargos da mais alta relevância, como Presidência do Senado, da Câmara dos Deputados, de Ministro do Supremo Tribunal Federal só ocorreria nessa hipótese concreta da ADPF 402 ou em outras também?
A CF/88 estabelece cargos que só podem ser ocupados por brasileiros natos em seu artigo 12, §3º, dentre eles o de Presidente da Câmara dos Deputados, o de Presidente do Senado Federal e o de Ministro do STF. A razão é simples. Os ocupantes dessas importantes posições podem suceder ao Presidente da República (artigo 80, CF/88) que tem que ser brasileiro nato.
Sendo possível, segundo o entendimento firmado pelo STF, ao julgar a liminar na ADPF 402, a desconsideração dos requisitos e o decote de prerrogativas do cargo, um brasileiro naturalizado poderia ocupar os cargos privativos de brasileiros natos, desde que se comprometesse a não assumir a Presidência da República?
A resposta, para não se cair no casuísmo completo, tem que ser positiva. Caso negativa seja, o STF estará dizendo que uma pessoa que se mudou para o Brasil com 1 (um) ano de idade e aqui morou toda a sua vida não poderia, voluntariamente, abrir mão de uma prerrogativa do cargo (ocupar eventualmente a Presidência do Brasil) para ser Ministro da Suprema Corte, por exemplo, mas, uma que responde a incontáveis ações penais por crime contra a administração pública pode, desde que não se torne Presidente da República.
São essas as contradições que vejo e aponto no meu dia a dia, claro, versando sobre temas diferentes, notadamente nas searas penal e processual penal.
Quem inova deve estar preparado para ser confrontado com sua escolha e se manter firme nela.
Brasília, 9 de dezembro de 2016