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Pena de multa e cabimento de habeas corpus

Pena de multa e cabimento de habeas corpus

O STF possui entendimento sumulado no sentido de não caber habeas corpus para a discussão exclusiva da pena de multa (Súmula 693/STF).

Todavia, ao apreciar o agravo regimental interposto no RHC 194952, a Segunda Turma do STF acabou por prover o recurso interposto pela DPU, com a consequente concessão da ordem, em impetração em que se discutia pena de multa.

Embora não se possa dizer que isso signifique mudança no entendimento restritivo do STF, foi indicada, ao menos, a possibilidade de alteração, principalmente se consideradas as consequências atuais do inadimplemento da multa.

O Ministro Gilmar Mendes, em voto que iniciou a divergência, mas que depois acabou sendo acompanhado pelo relator, endossou em seu voto aspectos trazidos pela Defensoria no agravo:

“Como já afirmei, não ignoro a jurisprudência consolidada no sentido de não ser cabível o habeas corpus em caso de condenação exclusivamente a pena de multa quando inexiste risco ao direito de ir e vir, nos termos da Súmula 693 desta Corte.
Contudo, como bem apontado pela DPU, precedentes recentes do Supremo Tribunal Federal têm intensificado as consequências gravosas relacionadas à pena de multa.
Na ADI 3.150, afirmou-se que a pena de multa tem natureza de sanção penal, podendo ser executada pelo MP em sede de execução penal (ADI 3.150, rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 6.8.2019). Consequentemente, o não pagamento pode impedir a extinção da punibilidade e, até mesmo, a progressão de regime prisional, afetando diretamente a liberdade do imputado (EP 8 ProgReg-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 20.9.2017).
Além disso, decidiu-se que o indulto da sanção privativa de liberdade não se estende à pena de multa na hipótese em que ultrapassado o valor mínimo para inscrição em Dívida Ativa da União (EP 5 IndCom-AgR, rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe- 26.11.2020).
Penso, portanto, que a premissa da qual parte a Súmula 693, no sentido de que inexiste risco ou violação à liberdade em situações relacionadas à pena de multa, precisa ser ponderada em cada caso concreto.”

Em suma, houve uma importante sinalização de mudança, ao menos quando o caso concreto indicar que a pena de multa pode interferir na liberdade de locomoção.

Seguem, abaixo, a peça de agravo e o acórdão.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 30 de julho de 2021

Interposição simultânea de pedido de uniformização e de recurso extraordinário

Interposição simultânea de pedido de uniformização e de recurso extraordinário

Atualização*

Infelizmente, segundo informação do STF, houve um problema técnico no registro do voto do Ministro Dias Toffoli, durante a votação do ARE 883782.

andamento 2

Assim, a maioria aparentemente formada no mencionado recurso, no sentido da possibilidade de interposição simultânea de recurso extraordinário e pedido de uniformização, não se concretizou.

Portanto, continua prevalecendo o entendimento no sentido de que NÃO cabe a interposição simultânea dos dois recursos, conforme a ementa abaixo transcrita:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL. IMPUGNAÇÃO SIMULTÂNEA POR RECURSO EXTRAORDINÁRIO E POR INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. 1. A Súmula 281 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL estabelece que “é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. 2. Do ponto de vista deste enunciado sumular, o incidente de uniformização de jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais, cabível quando “houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei” (art. 14, caput, da Lei 10.259/01), é considerado uma impugnação facultativa, com perfil semelhante ao dos embargos de divergência previstos no art. 1.043 do Código de Processo Civil de 2015 e dos embargos previstos no art. 894, II, da CLT. 3. Embora se admita, em tese – a exemplo do que ocorre em relação aos referidos embargos -, a interposição alternativa de incidente de uniformização de jurisprudência ou de recurso extraordinário, não é admissível, à luz do princípio da unirrecorribilidade, a interposição simultânea desses recursos, ambos com o propósito de reformar o mesmo capítulo do acórdão recorrido. 4. Agravo interno a que se dá provimento, para fazer prevalecer a decisão publicada em 11/5/2015, que negava seguimento ao agravo em recurso extraordinário.
(ARE 883782 AgR-segundo, Relator(a): DIAS TOFFOLI (Presidente), Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 29-06-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 02-10-2020 PUBLIC 05-10-2020) (destaques meus)

*Texto atualizado em 14/11/2024

Texto anterior (entendimento que acabou não prevalecendo):

Foi encerrado ontem, 14/05/2020, pelo Plenário Virtual do STF, o julgamento de um recurso extraordinário com agravo bastante relevante para a atuação da DPU em termos do cabimento de recursos.

Trata-se do ARE 883782/STF. Explico, abaixo, o caso.

A procuradoria do INSS interpôs, simultaneamente, Pedido de Uniformização de Jurisprudência  e Recurso Extraordinário em face de decisão de Turma Recursal.

No STF, o Ministro Presidente não conheceu do ARE por entender ter havido supressão de instância.

A Procuradoria Federal interpôs agravo interno, alegando:

“Todavia, merece reforma tal decisão, uma vez que, com o acórdão regional houve o esgotamento de instância, sendo perfeitamente cabível a interposição simultânea do Incidente e do Extraordinário, haja vista a violação constitucional e infraconstitucional.”

O Ministro Ricardo Lewandowski, na presidência do STF, reconsiderou a decisão anterior, nos termos abaixo:

“O agravante afirma serem insubsistentes os fundamentos da decisão, na medida em que, concluído o julgamento do recurso inominado e dos embargos de declaração pela Turma Recursal, no prazo comum de 15 (quinze) dias formalizou-se o Incidente de Uniformização de Jurisprudência relativo à lei federal; e o recurso extraordinário protocolado quanto à matéria constitucional, pois, se assim não fosse, dar-se-ia a preclusão.

“Procedem, portanto, as alegações da parte agravante, razão pela qual reconsidero a decisão agravada e determino a distribuição do recurso extraordinário com agravo.”

Em seguida, a DPU, através do Defensor Gustavo Zortéa, interpôs agravo interno contra a nova decisão monocrática do Ministro Presidente:

“Nesse contexto, a interposição do recurso extraordinário deveria ter sucedido o acórdão proferido no julgamento do incidente de uniformização, se questão constitucional houvesse, e não ter ocorrido simultaneamente com a interposição do incidente de uniformização.

Pois bem, por 6 votos a 5, o agravo regimental patrocinado pela DPU teve seu provimento negado, ou seja, prevaleceu o entendimento esposado pelo Ministro Ricardo Lewandowski na reconsideração, no sentido de ser possível a interposição simultânea de PU e RE.

“Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli (Presidente), vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Rosa Weber e Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 8.5.2020 a 14.5.2020”.

Claro, o acórdão ainda não foi publicado, mas deve-se ficar atento ao julgado, uma vez que ele emana do Plenário do STF, com a participação dos 11 Ministros e significa mudança quanto ao entendimento que anteriormente prevalecia.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 15 de maio de 2020

Direito de visita e o cabimento de habeas corpus

Direito de visita e o cabimento de habeas corpus

 

Comentei há alguns dias sobre o cabimento de habeas corpus para se discutir o direito de visita à pessoa presa.

Como mencionei em meu Twitter, o STF já admitiu o uso do remédio heroico até mesmo para a volta de magistrado ao cargo.

Colocarei, abaixo, a peça de agravo apresentada por mim, naquilo que importa: fatos e fundamentação jurídica.

Para os que quiserem acompanhar no STF, trata-se do HC 177.485, impetrado pela DPU no STF.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 16 de dezembro de 2019

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS 

O agravante foi condenado à pena de 26 anos e 3 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

No curso da execução, o Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal indeferiu pedido de autorização de visita, formulado pelo irmão do agravante, WBP, cuja entrada no estabelecimento prisional foi proibida em decorrência de estar ele cumprindo pena em regime aberto.

Diante da decisão, a defesa interpôs agravo em execução, tendo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em decisão unânime, negado-lhe provimento.

Sobreveio recurso especial pela defesa, que restou inadmitido pelo Tribunal de origem.

Em seguida, a defesa interpôs agravo em recurso especial contra a mencionada decisão, a fim de dar seguimento ao recurso.

Já na Corte Superior, o Ministro Relator conheceu do agravo para lhe negar provimento. A decisão foi mantida pela Quinta Turma do STJ, após a interposição de agravo interno pelo agravante.

A defesa então impetrou habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal, o qual não foi conhecido, sob o fundamento de que o remédio heroico não é idôneo para se questionar a legalidade do ato impugnado, uma vez que se destina a amparar a imediata locomoção física das pessoas.

Com a devida vênia, a decisão não merece prosperar, pelos fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS 

1. Cabimento. Conhecimento. 

O presente agravo volta-se contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus. O Ministro Relator entendeu que a pretensão apresentada pelo agravante não apresenta ofensa ao direito de ir, de vir e de permanecer.

Ocorre que essa Segunda Turma, ao apreciar o habeas corpus 107.701, em decisão unânime, conheceu da ação e deferiu o pedido de habeas corpus para assegurar ao paciente o direito de visita dos filhos. A liberdade de locomoção foi entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento da liberdade de ir e vir.

Transcreve-se a ementa do mencionado julgado:

HABEAS CORPUS. 2. DIREITO DO PACIENTE, PRESO HÁ QUASE 10 ANOS, DE RECEBER A VISITA DE SEUS DOIS FILHOS E TRÊS ENTEADOS. 3. COGNOSCIBILIDADE. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO ENTENDIDA DE FORMA AMPLA, AFETANDO TODA E QUALQUER MEDIDA DE AUTORIDADE QUE POSSA EM TESE ACARRETAR CONSTRANGIMENTO DA LIBERDADE DE IR E VIR. ORDEM CONCEDIDA. 1. COGNOSCIBILIDADE DO WRIT. A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente. Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido. 2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes. 3. ORDEM CONCEDIDA. (HC 107701, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-061 DIVULG 23-03-2012 PUBLIC 26-03-2012 RT v. 101, n. 921, 2012, p. 448-461) (grifo nosso)

Além disso, a utilização do habeas corpus já foi admitida até mesmo para se garantir o retorno de pessoa ao cargo público por ela ocupado, como pode ser constatado através da leitura das ementas abaixo colacionadas:

Habeas Corpus. 2. Cabimento. Proteção judicial efetiva. As medidas cautelares criminais diversas da prisão são onerosas ao implicado e podem ser convertidas em prisão se descumpridas. É cabível a ação de habeas corpus contra coação ilegal decorrente da aplicação ou da execução de tais medidas. 3. Afastamento cautelar de funcionário público. Conselheiro de Tribunal de Contas. Excesso de prazo da medida. Ausência de admissão da acusação. Há excesso de prazo no afastamento cautelar de Conselheiro de Tribunal de Contas, por mais de dois anos, sem que a denúncia tenha sido admitida. 4. Ação conhecida por maioria. Ordem concedida. (HC 121089, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 16-03-2015 PUBLIC 17-03-2015) (grifo nosso)

EMENTA: Habeas Corpus. 1. Paciente que, na condição de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), foi denunciado pela suposta prática dos delitos de: a) tentativa de aborto sem o consentimento da gestante (CP, arts. 125 c/c 14, II, e 29); b) lesão corporal leve (CP, art. 129); c) aborto provocado sem o consentimento da gestante em concurso de pessoas (CP, arts. 125 c/c 29); d) roubo em concurso de pessoas (CP, arts. 157 c/c 29); e) ameaça e coação no curso de processo em concurso de pessoas (CP, arts. 147 e 344 c/c 29); f) seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz (CP, arts. 148, § 1º, III e § 2º, e 249, § 1º); g) falsidade ideológica (CP, art. 299 e parágrafo único); h) uso de documento falso (CP, art. 304); i) falso testemunho (CP, art. 342, § 1º); j) corrupção ativa de testemunha (CP, art. 343); l) denunciação caluniosa (CP, art. 339); e m) falsidade de atestado médico (CP, art. 302 c/c 29). 2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao receber a denúncia, determinou o afastamento do paciente do cargo de magistrado, nos termos do art. 29 da Lei Complementar no 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN). No STJ, a inicial acusatória não foi recebida quanto aos crimes de lesão corporal (CP, art. 129 – letra “b”) e ameaça (CP, art. 147 – letra “e”). 3. Com relação ao crime de roubo (CP, art. 157 – letra “d”), a ação penal foi parcialmente trancada, por maioria, pela 2ª Turma desta Corte, no julgamento do HC no 84.768/PE, DJ 27.5.2005, Rel. Originária Min. Ellen Gracie, Red. para o acórdão Min. Gilmar Mendes. 4. Quanto aos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299 e parágrafo único – letra “g”), uso de documento falso (CP, art. 304 – letra “h”), corrupção ativa (CP, art. 343 – letra “j”), denunciação caluniosa (CP, art. 339 – letra “l”), falso testemunho (CP, art. 342 – letra “i”), e falsidade de atestado médico (CP, art. 302 – letra “m”), a 2ª Turma deliberou novamente pelo trancamento parcial da ação penal (AP no 259/PE, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, do STJ) no julgamento do HC no 86.000/PE, DJ 2.2.2007, Rel. Min. Gilmar Mendes. 5. Alegações da defesa neste habeas corpus: i) inépcia total da denúncia recebida pelo STJ; ii) ainda que superada a alegação anterior, inépcia da peça acusatória ofertada em desfavor do paciente, em razão da aparente contradição que poderia advir em virtude da decisão tomada pela 2ª Turma no julgamento do HC no 82.982/PE, de relatoria do Min. Cezar Peluso (DJ 8.6.2007); e iii) excesso de prazo na instrução criminal, no que concerne ao afastamento cautelar do paciente, nos termos do art. 29 da Lei Complementar no 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN). 6. Com relação à alegação de inépcia da denúncia, verifica-se que a inicial atendeu ao disposto nos arts. 41 e 43 do CPP. Precedentes do STF. Nesse ponto, ordem indeferida. 7. No que concerne à alegação de inépcia da peça acusatória ofertada em desfavor do paciente, em razão da aparente contradição que poderia advir em virtude da decisão tomada pela 2ª Turma no julgamento do HC no 82.982/PE, Rel. Min. Cezar Peluso (DJ 8.6.2007) (item “ii” acima), em primeiro lugar, não há relação de vinculação entre o acórdão proferido pela 2ª Turma no HC no 82.982/PE (Rel. Min. Cezar Peluso) e a matéria discutida neste habeas corpus. Em ambos os casos, discute-se a validade, ou não, de imputações realizadas pelas respectivas peças acusatórias, as quais, não obstante guardem uma relação de conexão fático-probatória, dizem respeito a supostos agentes criminosos distintos. Ademais, eventual conclusão acerca da inépcia, ou não, da denúncia quanto ao crime de subtração de incapaz (CP, art. 249, § 1º) exigiria o reexame de fatos e provas, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes do STF: HC no 91.634/GO, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJ 5.10.2007; HC (AgR) no 90.247/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 27.4.2007; HC no 89.248/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; HC no 86.522/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 19.4.2006; HC no 85.089/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 18.11.2005; HC no 83.804/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, unânime, DJ 1º.7.2005; HC no 83.617/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 14.5.2004; HC no 81.914/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 22.11.2002; HC no 81.472/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 14.6.2002; HC no 79.503/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, maioria, DJ 18.5.2001; HC no 76.381/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 14.8.1998; HC no 75.069/SP, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ 27.6.1997; e HC no 71.436/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 27.10.1994. Quanto a essa segunda alegação, ordem indeferida. 8. Com relação à alegação de excesso de prazo (item “iii” acima), o STF tem deferido a ordem de habeas corpus somente em hipóteses excepcionais, nas quais a mora processual seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela atuação da acusação, ou ainda, em razão da ineficiência administrativa do próprio aparato judicial. Precedentes do STF: HC no 89.196/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1a Turma, maioria, DJ 16.2.2007; HC no 86.346/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ 2.2.2007; HC no 86.850/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ 6.11.2006; HC no 87.164/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2a Turma, unânime, DJ 29.9.2006; HC no 87.910/SP, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ 25.4.2006; HC no 85.068/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma, unânime, DJ 3.6.2005; HC no 85.237/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, DJ 29.4.2005; e HC no 85.400/PE, Rel. Min. Eros Grau, 1a Turma, unânime, DJ 11.3.2005. 9. Dos documentos acostados aos autos, observa-se, à primeira vista, que a defesa não deu causa ao excesso de prazo. No entanto, há indícios de que a suposta vítima teria contribuído para a mora processual (por meio da: criação de dificuldades para a realização de perícia por um período de cerca de 10 meses após a instauração da AP no 259/PE; da apresentação de sucessivos pedidos de substituição de testemunhas; e, por fim, da contribuição para que a instrução ainda não se tenha encerrado). 10. Paciente afastado do cargo de Desembargador do TJ/PE desde o recebimento da denúncia – 19.3.2003 (por mais de 4 anos e 6 meses ao momento da sessão de julgamento pela 2ª Turma em 30.10.2007), sem que a instrução criminal tenha sido concluída. Configurada excessiva mora da instrução criminal denominada como “excesso de prazo gritante”. Precedentes do STF: HC no 87.913/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJ 5.9.2006; HC no 84.095/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 2.8.2005; HC no 83.177/PI, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 19.3.2004; e HC no 81.149/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, unânime, DJ 5.4.2002. 11. Ordem deferida tão-somente para suspender os efeitos da decisão da Corte Especial do STJ no que concerne à imposição do afastamento do cargo nos termos do art. 29 da LC no 35/1979, determinando, por consequência, o retorno do paciente à função de Desembargador Estadual perante o TJ/PE. (HC 90617, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/10/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-02 PP-00354) (grifo nosso)

Em suma, embora não mais prevaleça o entendimento extremamente ampliado sobre o cabimento do habeas corpus, como prevalecia na chamada doutrina brasileira do habeas corpus, situações em que a liberdade de locomoção seja atingida por medida do Estado podem ser tuteladas através do uso do remédio heroico.

2. Mérito

Não há fundamentação idônea que justifique a restrição do direito fundamental do agravante em receber a visita do irmão. A Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos LXIII, XLVII e XLIX, assegura ao preso assistência da família, veda tratamentos cruéis, trabalhos forçados e exige respeito à integridade física e moral dos presos.

Pior ainda quando se constata que essa vedação é imposta pelo Distrito Federal aos presos que cumprem pena nesse ente da federação sem qualquer análise casuística que justifique a medida constritiva.

É de suma importância conferir maior força normativa ao texto constitucional, sobretudo dentro do contexto reconhecido do Estado de Coisas Inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, causado por violações generalizadas e reiterada inércia estatal.

Além disso, como demonstrado anteriormente, a Corte já admitiu habeas corpus até mesmo para determinar o retorno de servidor ao cargo, situação menos ligada ao direito de liberdade que a visita a uma pessoa presa.

Conforme entendido no HC 107.701/RS, e apesar de algumas ressalvas na utilização da via eleita, reputou-se como adequada a utilização da ação constitucional quanto ao direito de visita, porquanto ser o direito de visita desdobramento do direito de liberdade, conforme se extrai do voto condutor do Min. Gilmar Mendes:

“Em linhas gerais, o direito de visitas nada mais é que um desdobramento do direito de liberdade. De fato, só há falar de direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Dessarte, tenho para mim que a decisão do juízo das execuções que indeferiu o pedido de visitas formulado teve diretamente o condão de repercutir na esfera de liberdade, na medida em que agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente.

Ademais, levando em conta que uma das finalidades da pena é a ressocialização, eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social.

Diante de todos esses dados, tenho para mim que as decisões formalizadas pelo Juízo de origem e demais tribunais não são idôneas para a adequada solução da controvérsia posta.” (grifo nosso)

O Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do Ministro relator, nos termos abaixo apresentados:

“Senhor Presidente, tenho algumas considerações a fazer. Inicialmente, acompanho o eminente Ministro Relator no que tange ao conhecimento do habeas corpus. Entendo que se está, sim, diante de uma limitação do direito de ir e vir, porque o habeas corpus, no caso, se insurge contra a execução da pena, ou seja, está se impondo, aqui, ao paciente, uma restrição maior, em tese, ao modo como é executada a sua pena. Aliás, é muito grave, porque ele foi condenado a mais de trinta e nove anos de reclusão, é uma pena grave, e ele se insurge contra o modo pelo qual lhe está sendo imposta essa execução”. (grifo nosso)

Em consonância ao princípio da humanização das penas, correlacionado ao princípio maior da dignidade da pessoa humana, é imperioso reconhecer que tal direito tem o objetivo de ressocialização do condenado, não podendo ser negado sob o fundamento genérico, repisa-se, de o visitante estar cumprindo pena em regime aberto, uma vez que os efeitos da sentença penal condenatória não podem ser ampliados para restringir o gozo de outros direitos individuais.

Aliás, parece contraditório buscar, sem razão concreta, afastar a aproximação de irmãos, sendo que a família sempre pode ser fator fundamental na reintegração do egresso.

Calha invocar, em reforço ao alegado, julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. DIREITO DE VISITA. COMPANHEIRA TAMBÉM CONDENADA POR TRÁFICO DE DROGAS. ART. 41 DA LEI N. 7.210/1984. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE ÓBICES LEGAIS.

  1. No presente caso, o Tribunal a quo decidiu que a condenação da companheira do recorrido, também por tráfico de drogas, em regime aberto, não é fundamento idôneo para justificar o indeferimento do pedido de visita.
  2. Assegurado expressamente pela Lei de Execução Penal, o direito de visitação, com o objetivo de ressocialização do apenado, não pode ser negado a companheira do condenado, por ela estar cumprindo pena sob o regime aberto, uma vez que este só lhe restringe os direitos atingidos pelo efeito da sentença condenatória, e não ao gozo dos demais direitos individuais. Precedentes: AgRg no REsp 1475961/DF, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 13/10/2015; AgRg no REsp 1556908/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 05/11/2015.
  3. Salienta-se que não se desconhece a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o direito de visita não é absoluto ou ilimitado. Ocorre que, no presente caso, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório, concluiu, diante das peculiaridades verificadas, que estavam preenchidos os requisitos para autorizar à companheira do apenado o direito de visita. Assim, acolher a pretensão recursal sob exame, que almeja a proibição de autorização do direito à visitação (a qual somente pode ser avaliada diante das peculiaridades do caso concreto), seria imprescindível revolver o conjunto fático-probatório, providência inviável na via estreita do recurso especial (Súmula 7 do STJ).
  4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1487212/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016) (grifo nosso)

Trata-se, portanto, de fazer valer o que impõe a Carta da República, isto é, a busca da ressocialização do apenado como sujeito de direito, em observância ao disposto artigos 10, 40 e 41, inciso X, da Lei de Execuções Penais.

 

Ponderações sobre o cabimento de habeas corpus

Ponderações sobre o cabimento de habeas corpus

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Gerou muita discussão a decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli, do STF, na Reclamação 24.506 através da qual ele concedeu habeas corpus de ofício ao ex-Ministro Paulo Bernardo.

Houve manifestações contrárias e favoráveis ao decisum, da lavra de Juízes, Procuradores, Advogados.

De minha parte, penso que quando o Magistrado se depara com prisão que considera ilegal deve mesmo relaxá-la, não prorrogando o constrangimento. O grande problema, todavia, é a comparação da decisão proferida com o que ocorre na grande maioria dos feitos, situação fomentadora da polêmica.

O que percebo enquanto Defensor Público Federal, com militância de anos perante o Supremo Tribunal Federal, é que a Corte tem sido cada vez mais restritiva quanto ao cabimento do remédio heroico.

Vou me dispensar de colacionar vários precedentes, mas o STF não tem admitido HC contra decisão monocrática da instância anterior (HC 119.115), a depender da Turma não admite HC originário quando cabível o recurso ordinário em habeas corpus (HC 120.027), a mesma Turma tem exigido o RE contra o RHC, afastando nova impetração (HC 130.916) e, recentemente, começou a discutir a análise de ofício do mérito dos habeas corpus não conhecidos (HC 134.320):

“HC de ofício

Durante a sessão, os ministros chegaram a cogitar a possibilidade de mudar a jurisprudência da Corte para passar a aceitar ou negar Habeas Corpus de ofício.

Essa questão é frequente na Turma: Se pela Súmula a Corte não poderia nem conhecer do recurso, por que os ministros acabam analisando o mérito do pedido?

O presidente da 1ª Turma, Luís Roberto Barroso afirmou que não estava preparado para analisar a proposta na sessão desta terça-feira (28/6), mas prometeu levar a questão à Turma.” (fonte: <http://jota.uol.com.br/stf-mantem-prisao-preventiva-de-silval-barbosa-ex-governador-de-mato-grosso&gt;)

Um dos exemplos apontados acima indica que a Corte deixa ainda de apreciar parte das alegações em decorrência de supressão de instância (HC 120.027):

“ (…)4. Caracteriza-se indevida supressão de instância o enfrentamento de argumento não analisado pela instância a quo. 5. Habeas corpus não conhecido, revogando-se a liminar anteriormente deferida.” (HC 120027, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 17-02-2016 PUBLIC 18-02-2016)

Como se vê, há restrições cada vez maiores e mais limitadoras. Aqui calha perguntar se a análise de ofício faz o mesmo efeito que o conhecimento da impetração, pois em caso de resposta positiva fica completamente incompreensível e despicienda tal distinção; por outro lado, a resposta negativa torna ainda mais flagrante a restrição ao uso do remédio constitucional.

Por isso, sem adentrar no mérito da decisão, fico incomodado ao notar que a concessão tão célere e a admissão dos habeas corpus são infrequentes em um Tribunal cada vez mais restritivo. Desejo que tais limitações sejam repensadas em favor de todos e que o formalismo recue em defesa da celeridade e da liberdade.

Brasília, 4 de julho de 2016

 

Os limites e a busca por novos caminhos

Os limites e a busca por novos caminhos

Gustavo de Almeida Ribeiro

Um dos meus objetivos ao criar o blog foi poder comentar de maneira mais informal alguns temas de Direito que não caberiam no twitter, mas também exigiriam aprofundamento técnico necessário para divulgação em algum sítio eletrônico ou periódico jurídico.

Como Defensor Público militante perante o Supremo Tribunal Federal há mais de 8 anos, tenho percebido o endurecimento da Corte com relação à admissibilidade dos habeas corpus que, além disso, cada vez mais são julgados monocraticamente – claro, a interposição de agravo regimental torna colegiada a decisão, mas não permite a sustentação oral.

No caso da Corte Suprema, algumas restrições são gerais como a rejeição das impetrações voltadas contra decisões monocráticas definitivas da instância anterior, numa espécie de alargamento do enunciado da Súmula 691 do STF, que limitava o conhecimento do habeas corpus apenas quando voltado contra decisão que indeferia medida liminar. Por outro lado, a exigência de interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão denegatória de habeas corpus, refutando-se a possibilidade de impetração substitutiva, está limitada à Primeira Turma, não sendo exigida, como regra, pela Segunda Turma.

Mas o Superior Tribunal de Justiça parece ter ido além nas restrições ao cabimento do remédio constitucional. Deparei-me, ao emendar inicial de próprio punho no HC 128.153, em trâmite perante o STF, com o acórdão prolatado pelo STJ no HC 296.899, julgado pela Sexta Turma, sob relatoria da E. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. A citada decisão colegiada, invocando precedente emanado da Primeira Turma do STF, seguiu o voto condutor da E. Relatora, assim consignado:

“É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do Resp ou a impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do emprego do mandamus , sob pena de sua hipertrofia representar verdadeiro índice de ineficácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente clara ilegalidade, não é de se conhecer da impetração.”

Por sua vez, o julgado invocado no voto tem a ementa abaixo transcrita:

“HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las.” (HC 109956, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012) (grifo nosso)

Aqui, é preciso destacar que a impetração ajuizada perante o STJ voltava-se contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em sede de apelação e não contra decisão em habeas corpus originário.

Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça, invocando precedente que, com a devida licença, parece não se adequar ao caso em tela, não conheceu da impetração lá ajuizada sob o fundamento de “racionalização do emprego do mandamus”. Assim, só restaria ao acusado a possibilidade de utilização dos apelos excepcionais.

Entretanto, ao contrário do alegado pela Corte Superior, o precedente do STF não obriga a interposição dos apelos extremos, limitando-se a exigir a interposição do recurso ordinário em habeas corpus contra decisão denegatória de habeas corpus. Na verdade, mesmo a Primeira Turma da Corte Suprema, mais restritiva em relação ao remédio heroico, é clara em afirmar que não é exigível a interposição de Recurso Especial, podendo ser utilizado o habeas corpus regularmente para a impugnação de decisões tomadas por Tribunais Estaduais ou Regionais Federais em sede de apelação. Calha transcrever decisão ainda mais recente que o julgado invocado no acórdão da Corte Superior.

“Ementa: Recurso ordinário em habeas corpus. Acórdão do superior tribunal de justiça que, ao inadmitir hc substitutivo de recurso especial, examinou o mérito da impetração. Tráfico de drogas. Pedido de aplicação do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. impossibilidade. Regime inicial de cumprimento de pena fixado com base em dados objetivos. Recurso a que se nega provimento. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não admitir que o Superior Tribunal de Justiça negue seguimento a habeas corpus pela justificativa de cabimento de recurso especial. 2. No caso dos autos, apesar de não conhecer de habeas corpus por considerá-lo substitutivo de recurso especial, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça examinou o mérito da impetração. 3. Não há ilegalidade flagrante no acórdão que assenta a impossibilidade de se discutir, em sede de habeas corpus, o preenchimento dos requisitos para a incidência da causa de diminuição de pena definida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Notadamente se as instâncias precedentes convergiram quanto ao não atendimento dos requisitos legais 4. A existência de circunstâncias objetivas valoradas negativamente pode implicar a fixação de regime prisional mais gravoso do que o autorizado pela quantidade da pena. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.” (RHC 118623, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 04-12-2013 PUBLIC 05-12-2013) (grifo nosso)

Em suma, ao contrário do afirmado pela Corte Superior, o precedente que se amolda com perfeição ao HC 296.899 é o colacionado acima, que claramente veda a exigência da interposição de Recurso Especial por parte do STJ. Já o julgado invocado no voto condutor pelo Tribunal Superior (109956/STF) fala da exigência da utilização do recurso ordinário contra decisão denegatória de habeas corpus. Reitera-se, o HC 296.899 impugnava acórdão proferido em apelação, pelo que se vedada a utilização do habeas corpus, como deseja o STJ, só restaria o Recurso Especial.

Nem se diga que houve apreciação de ofício da matéria de fundo da impetração, o que, aliás, tem criado verdadeiro paradoxo. Se o writ, sendo ou não conhecido, é analisado no mesmo grau de profundidade, a discussão sobre seu conhecimento é inócua, desnecessária. Na verdade, o que se diz é que o não conhecimento da impetração permite apenas a apreciação de ilegalidades flagrantes, o que já indica a importância de se combater a restrição cada vez mais intensa sofrida pela ação constitucional. Além disso, confesso minha dificuldade em saber o que é ilegalidade patente (termo utilizado no voto) e o que é uma ilegalidade discreta, admissível, em se tratando de direito penal que, como se sabe, atinge sempre a liberdade dos acusados.

Certo é que as restrições ao instituto do habeas corpus se multiplicam e se alargam, pelo que me questiono até onde irão. Quem está preso indevidamente tem pressa, urgência, sendo os recursos excepcionais mais lentos e mais restritos que o remédio heroico. Permitindo-me certo exagero, às vezes parece-me que o novo entendimento sobre o cabimento da ação constitucional culminará quase que na sua extinção prática no direito brasileiro, vez que incabível praticamente em todas as situações e cada vez mais repleto de exigências, de modo a fazer inveja nos recursos excepcionais.

O aumento no número de HCs nos Tribunais Superiores – causador das restrições – tem, em grande parte, a paternidade da Defensoria Pública que faz chegar a Brasília processos que antes seriam encerrados, no máximo, no Tribunal de Segundo Grau, sendo nesse aspecto, positivo ao possibilitar o acesso da população menos favorecida a todas as instâncias judiciais. Por outro lado, infelizmente, conta também com outros fatores não tão alvissareiros, que precisam ser repensados, como a resistência dos Tribunais locais em seguir as orientações jurisprudenciais emanadas do STF, por exemplo. Seja por que razão for, a solução mais democrática não está na limitação exagerada ao cabimento do remédio constitucional.

Como Defensor Público, resta-me reinventar minha atuação de modo que questões meramente processuais não impeçam a apreciação dos temas de fundo veiculados nos diversos habeas corpus da forma mais ampla possível, vez que, em breves palavras, dada a extensão deste texto, parece contraditório que a forma de peticionamento mais democrática do Direito venha sofrendo cada vez mais restrições e condicionamentos.

Brasília, 13 de junho de 2015