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Prisão cautelar e celeridade processual 

Prisão cautelar e celeridade processual 

 

O texto abaixo foi redigido pela minha colega, Dra. Tatiana Melo Aragão Bianchini, que proferiu sustentação oral no HC 145359, perante a 1ª Turma do STF.

A modéstia dela impediu que ela colocasse seu nome como responsável pela sustentação, essencial para a concessão da ordem por empate na votação.

A discussão veiculada no habeas corpus em questão era de excesso de prazo em prisão cautelar, tendo sido deferida liminar pelo Ministro Marco Aurélio, relator.

Na sessão de julgamento, ouvida a Defensoria Pública da União, na pessoa da colega, o Ministro Marco Aurélio confirmou a liminar e concedeu a ordem.

Os Ministros Rosa Weber e Roberto Barroso votaram por sua denegação. O Ministro Luiz Fux estava ausente.

O Ministro Alexandre de Moraes cogitou em denegar e determinar o julgamento célere. Ao ouvir isso, a Dra. Tatiana Bianchini fez essencial intervenção para apontar a fase atual do processo e a data da próxima audiência. Vejam abaixo.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 7 de janeiro de 2019

 

 

“Trata-se de habeas corpus no qual é pleiteada a liberdade provisória do paciente, preso preventivamente por garantia da ordem pública em 29/05/2015, acusado da prática do delito de homicídio qualificado (art. 121, §2º, I, III e IV, do CP) e também do crime previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003. A custódia cautelar foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Piauí e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Em que pese ter permanecido preso à disposição do juízo por longo período, o feito não chegou a seu termo, tendo o Ministro Marco Aurélio, em 26/06/2017, deferido liminar – que estendeu também ao corréu, na qual destacou que “O paciente está preso, sem culpa formada, há 2 anos e 27 dias. Nada justifica tal fato. Surge o excesso de prazo. Privar da liberdade, por tempo desproporcional, pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo viola o princípio da não culpabilidade. Concluir pela manutenção da medida é autorizar a transmutação do pronunciamento mediante o qual implementada, em execução antecipada de sanção, ignorando-se garantia constitucional”.

No último dia 27/11/2018 o caso foi levado à apreciação da Primeira Turma, que após sustentação oral da Defensoria Pública da União, por empate na votação, concedeu a ordem nos termos do voto do Relator, o Ministro Marco Aurélio, sendo de se destacar que a movimentação processual da ação penal, disponível no Sistema Themis Web – Consulta Pública, do TJPI na internet, demonstrou que a instrução ainda não havia sido encerrada, constando de referida movimentação que em outubro/2017 a audiência de instrução e julgamento foi redesignada para o dia 09/09/2020.

Em que pese a gravidade dos fatos imputados ao paciente, a situação posta, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII). Ademais, diverge frontalmente do quanto declarado na Convenção Americana sobre Diretos Humanos, adotada no Brasil através do Decreto n. 678/92, a qual consigna a ideia de que toda pessoa detida ou retida tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.​”

Para quem quiser conferir, segue trecho do andamento extraído do sítio eletrônico do TJPI ( Comarca de Teresina, processo 0020092-04.2014.8.18.0140)

Andamento processual na origem. Comarca de Teresina/PI. A data na coluna da esquerda indica o dia em que lançada a movimentação.

Todos iguais

Todos iguais

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Em um dia como hoje, é bom mostrar como as coisas funcionam para um assistido da Defensoria.

Vou narrar a longa jornada de um processo de um réu atendido pela Defensoria.

Sim, o crime do qual é acusado o assistido da DPU é grave, mas meu objetivo é mostrar como a prisão cautelar indefinida nem sempre incomoda o STF.

O que vou contar abaixo pode ser verificado nos autos eletrônicos do HC 149766, impetrado junto ao STF, em que se busca a liberdade do paciente (foi um trabalho conjunto da DPU e da DPE/AL do primeiro grau até a Suprema Corte):

Em 22/05/2015, o paciente teria cometido homicídio.

Dias após os fatos, apresentou-se à autoridade policial, sendo liberando em seguida,

Em 26/08/2015, foi pedida sua prisão, sem grande fundamentação que justificasse a imposição de preventiva a partir dali. Transcrevo trecho:

“In casu, não obstante o privilegio da atual previsão legal para a aplicação preferencial de outras medidas cautelares que não a prisão preventiva, vislumbramos a presença do requisito para a sua decretação, qual seja a garantia da ordem pública, que se mostra ameaçada diante da pratica delitiva que traz em si grande lesividade aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, não sendo o caso de aplicação de outra medida cautelar prevista no artigo 319 do Código Processual Penal. ”

Foi preso em 10/09/2015.

Assim se encontra até a presente data.

Já teve audiências remarcadas 3 vezes.

O habeas corpus impetrado pela DPU, em 30/10/2017, perante o STF, teve seu seguimento negado, em 31/10/2017, pelo Ministro Dias Toffoli, relator.

Interpus agravo interno em 06/12/2017.

Enquanto isso, no primeiro grau, dia 12/12/2017, deveria ser ouvida uma testemunha e, ainda, interrogado o acusado.

Todavia, os agentes penitenciários do Estado de Alagoas estavam em greve, pelo que o réu, preso, não foi conduzido a audiência, sendo seu interrogatório remarcado para 19/04/2018.

Em suma, o interrogatório da fase inicial do Júri (judicium accusationis) foi atrasado em mais de 4 meses, por culpa EXCLUSIVA DO ESTADO, em se tratando de acusado preso há mais de 2 anos e 3 meses, quando do adiamento.

No dia 18/12/2017, o agravo regimental que interpus foi a julgamento. Assomei à tribuna para falar do último andamento na origem, ou seja, o adiamento do interrogatório, ocorrido após a interposição do recurso.

Não poderia sustentar, por não haver essa possibilidade em agravo interno.

Após ser advertido insistentemente pelo Ministro Edson Fachin, que preside a 2ª Turma, de que só poderia trazer questão de fato, esclareci o que tinha ocorrido na primeira instância.

O agravo foi negado.

Publicado o acórdão do agravo interno, foi expedido ofício à origem para que fosse dada celeridade à oitiva do paciente.

Opus embargos de declaração, dizendo que, até aquela data, não tinha havido qualquer antecipação do interrogatório.

Hoje é 23/03/2018, o assistido sequer foi pronunciado, estando preso há mais de 2 anos e 6 meses.

Aqui não há discussão de cumprimento de pena após o 1º, o 2º ou outro grau. O acusado não foi condenado.

Depois tenho que passar a tarde inteira ouvindo que todos são iguais, ou, ainda, que alguns conseguem as coisas por terem advogados contratados a peso de ouro.

Francamente.

Brasília, 23 de março de 2018

 

Sobre estratégia e celeridade

Sobre estratégia e celeridade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Vou contar um caso bem curto para a reflexão daqueles que iniciam na vida forense. Por óbvio, omitirei detalhes pois não quero que o assistido seja identificado.

Determinado senhor foi processado criminalmente, pedindo assistência da DPU.

Sobreveio a condenação (não se tratava de crime com violência).

Um colega impetrou habeas corpus perante o STF. Havia uma discussão interessante sobre prescrição, entre outras.

O Ministro Joaquim Barbosa deferiu a liminar e suspendeu a execução da pena.

Impaciente, o assistido ligava insistentemente pedindo que, após a aposentadoria do Ministro Joaquim, fizéssemos o requerimento de redistribuição do HC.

Dissemos a ele várias vezes que o tema de fundo não era fácil e, como a liminar estava deferida, não tínhamos pressa e poderíamos esperar a chegada do sucessor do Ministro Barbosa.

Acreditem, a insistência era enorme e reiterada.

Um colega então pediu a redistribuição.

Foi redistribuído para a Ministra Cármen Lúcia que levou o HC à Turma, votou pela denegação da ordem e consequente revogação da liminar. Foi esse o resultado.

Como eu disse, o processo estava parado esperando novo relator. Não havia pressa. A execução estava suspensa, sendo possível a prescrição.

Já vi, preciso dizer, liminares de anos serem revogadas com a chegada de novo relator. De qualquer modo, era um risco que não estava ao alcance do assistido eliminar (qualquer novo relator poderia votar pela denegação) e o tempo corria a seu favor.

Às vezes, é preciso saber esperar.

Brasília, 30 de janeiro de 2018

 

Uma surpresa a cada dia – complementação

Uma surpresa a cada dia – complementação

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Escrevi alguns comentários sobre o HC 123.494, julgado pela 2ª Turma do STF, a partir do que foi publicado no Informativo 814 do Tribunal.

Redigi o texto na madrugada do dia 1º para 2 de março, sendo o acórdão publicado no mesmo dia 2, horas após eu ter divulgado minhas observações em meu blog.

Completo, portanto, o que falei, com agora base no acórdão em si.

Entendo pertinente, de início, transcrever a ementa do citado julgado:

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DEFENSORIA PÚBLICA. DEFENSOR PÚBLICO NATURAL. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. PEDIDO DE REDESIGNAÇÃO. ATO REALIZADO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. MATÉRIA NÃO ARGUIDA OPORTUNAMENTE. 1. À Defensoria Pública, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, compete promover a assistência jurídica judicial e extrajudicial aos necessitados (art. 134 da Constituição Federal), sendo-lhe asseguradas determinadas prerrogativas para o efetivo exercício de sua missão constitucional. 2. O art. 4º-A da Lei Complementar 80/1994 estabelece que são direitos dos assistidos pela Defensoria Pública “o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural” (designação por critérios legais), o que não se confunde com exclusividade do órgão para atuar nas causas em que figure pessoa carente, sobretudo se considerada a atual realidade institucional. 3. No caso, o indeferimento do pedido de adiamento de audiência designada não configura cerceamento de defesa, pois, à falta de defensor público disponível para atuar na defesa técnica do paciente, foi-lhe constituído advogado particular, que exerceu seu mister com eficiência e exatidão, precedido de entrevista reservada e privativa com o acusado. 4. Ademais, à luz da norma inscrita no art. 563 do Código de Processo Penal, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional. Questão, outrossim, suscitada a destempo, após a prolação de sentença condenatória. 5. Ordem denegada.” (HC 123494, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 16/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 01-03-2016 PUBLIC 02-03-2016)

Calha, agora, tecer algumas considerações a respeito do afirmado acima.

Em primeiro lugar, concordo integralmente com a ausência de exclusividade da Defensoria Pública para atuar em favor de carentes. Ora, o cidadão pode optar por ser atendido por núcleos de prática de faculdades de Direito, por advogados particulares que queiram patrocinar a causa gratuitamente, por advogados de associações e sindicatos, sem qualquer problema. A questão torna-se diferente, entretanto, quando a pessoa já era assistida pela Defensoria Pública, quando entregou o patrocínio de sua causa à Instituição.

É direito do acusado escolher seu defensor e não sou eu quem o afirma, mas sim o artigo 8º, 2, “d” do Pacto de San José da Costa Rica. O paciente do citado habeas corpus escolheu a Defensoria Pública.

Fundamentou-se: mas foi nomeado dativo que interveio adequadamente no processo. Repito a pergunta do texto anterior: pedido de adiamento de advogado particular, devidamente sério e justificado, seria acatado?

Fui Defensor Público perante a primeira instância por 5 anos. Muitas vezes, ao participar de interrogatório, naquela época, primeiro ato da instrução, anotava na pasta do assistido perguntas e estratégias a serem tomadas quando do prosseguimento do feito. Assim, mesmo que a próxima audiência caísse em período de férias, o colega que me substituísse já tinha em mãos elementos para conduzir uma defesa mais concatenada. Ao se nomear advogado dativo, essa possibilidade fica esvaziada.

Nem se diga, como se infere da leitura do corpo do voto condutor, que o Defensor Público respondia por duas Comarcas, dividindo-se entre elas e que isso justificaria a medida tomada. Em primeiro lugar, embora não possa afirmar que isso ainda aconteça, lembro-me, até pouco tempo atrás, de colegas de faculdade que, aprovados Promotores de Justiça em Minas Gerais, respondiam por mais de uma Comarca simultaneamente. A mesma situação ocorria no Ministério Público Federal, uma vez que nem todas as Subseções Judiciárias já contavam com unidades do MPF instaladas na localidade. Pergunto: a mesma conduta ocorreria em relação a eles ou as audiências seriam designadas de acordo com sua disponibilidade?

Não faltava Defensor, pelo que se depreende da leitura do acórdão. Faltaram acordo, razoabilidade. Se infelizmente há menos Defensores Públicos no país do que seria necessário, a solução deveria ser inversa, no sentido da compreensão e da colaboração por parte da Instituição mais estruturada. Não se trata de homenagem ao Defensor, nem mesmo à própria Defensoria, mas, antes de tudo, ao assistido, cidadão carente e com poucas possibilidades de opção. Para reforçar o que ora afirmo, transcrevo trecho do voto condutor:

“2. No caso, o Defensor Público Thieres Fagundes de Oliveira foi designado para atuar, duas vezes por semana, na 2ª Defensoria Criminal de São Mateus/ES, sem prejuízo das suas funções na Comarca de Linhares/ES, razão pela qual requereu a esse último Juízo a redesignação da audiência de instrução designada para 12/4/2012, data em que estaria oficiando na comarca de São Mateus. Não obstante, o Juízo singular realizou o ato, no qual foi interrogado o paciente e inquiridas três testemunhas de acusação. Na oportunidade, foi nomeado o Dr. Leandro Freitas de Sousa para prestar-lhe assistência, tendo-lhe sido assegurado, inclusive, “contato privativo com seu advogado”.”

Aliás, o excerto acima indica que houve, sim, pedido de adiamento em tempo adequado, indeferido, portanto.

Quanto à demonstração de prejuízo, parece que sempre se impõe à defesa provar o futuro do pretérito: “o que aconteceria de diferente se o que foi feito equivocadamente fosse realizado na forma correta”. É uma solução simplista que, além de tudo, chancela e perpetua a falha.

Feita a última consideração acima, chego ao ponto em que invoco minha experiência pessoal. Atuei por 4 anos e 6 meses na primeira instância em Vitória, Espírito Santo, como Defensor Público Federal. Na maior parte desse tempo éramos 2 Defensores (3 no final do meu período na cidade). No início eram 8 Varas Federais, que, depois passaram a ser 15 (12 Varas comuns e 3 Juizados Especiais) que ocupavam 3 edifícios diferentes. Em suma, não é preciso muito para se constatar que, caso desejassem os Juízes, nossa atuação seria completamente inviabilizada.

Trabalhávamos com seriedade e afinco dentro de uma estrutura ainda mais lamentável do que hoje (perdi as contas das vezes em que comprei papel com dinheiro próprio) e isso era reconhecido pelos Juízes e pelos Procuradores da República. Assim, com exceção de um Magistrado que, no final da minha passagem por Vitória, criou um pouco mais de caso, mesmo assim contornado, sempre contamos com a colaboração dos Juízes ao pedirmos adiamento de audiências, ou que não fossem enviados todos os processos de cada Vara Federal com carga de uma só vez.

Presenciei, aliás, um Juiz, que me respeitava, mas não era meu amigo, falando com uma pessoa que dizia não ter advogado: vá para a Defensoria Pública, você será muita bem atendida.

Por outro lado, no que podíamos, buscávamos colaborar com os trabalhos das Varas, aceitando intimações inopinadas, quando ocorria algum imprevisto (lembro-me do caso de uma testemunha que era comandante de navio e não ficaria muito tempo na cidade).

Em suma, apesar de todas as dificuldades enfrentadas pela DPU na época em que estive em Vitória, havia um ambiente de respeito e compreensão entre nós, os Magistrados Federais e os Procuradores da República.

O problema da decisão acima é colocar a Defensoria, na maioria das vezes menos estruturada do que o desejável, à mercê dessa razoabilidade, nem sempre presente, por razões diversas.

Volto a dizer, a situação seria completamente diferente se não houvesse Defensor nenhum disponível na Comarca, o que não ocorria, mas tão somente a divisão de seu trabalho entre duas cidades – situação que, repito, salvo engano, ocorre (ou, no mínimo, ocorria até bem pouco tempo) também com o Ministério Público.

Assim, após ler o acórdão, mantenho minha opinião inicial. Seria possível fixar as datas das audiências para que o Defensor atendesse às duas Comarcas sem prejuízo aos seus assistidos. Atribuir a isso qualquer atraso na prestação jurisdicional me lembra a fundamentação usada para afastar o prazo em dobro das Defensorias nos Juizados Especiais: homenagem à celeridade. Convenhamos…

Brasília, 6 de março de 2016