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Insistência recompensada

Insistência recompensada

O caso que mostrarei a seguir traz alguns aspectos interessantes.

Em primeiro lugar, mostra a importância do habeas corpus como instrumento célere para corrigir ilegalidades.

Mas, além disso, chama a atenção para o cuidado que se deve ter na análise das provas produzidas no processo penal.

O paciente do habeas corpus abaixo (HC 254091/STF) pilotava sua moto com uma pessoa na garupa.

Abordados pela polícia, foi encontrada droga com o garupa que ASSUMIU a propriedade do entorpecente, afirmando que o piloto (paciente do habeas corpus) nada sabia. Transcrevo trecho da decisão do Min. Gilmar Mendes:

Apesar disso, o piloto foi condenado pela Justiça Estadual de São Paulo.

Ele então remeteu carta ao STJ encaminhada à Defensoria Pública da União, que impetrou habeas corpus no Tribunal. o STJ manteve íntegra a condenação.

Em seguida, o paciente impetrou habeas corpus de próprio punho no STF, sendo a ordem concedida de ofício pelo Min. Gilmar Mendes.

Valeu a insistência.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 25 de julho de 2025

Insignificância e o mal além da prisão

Insignificância e o mal além da prisão

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Pretendo ser sucinto na explicação a seguir. Acho que ela é importante, principalmente para os que não são da área do direito entenderem as consequências de uma condenação penal.

Muitas vezes, em minhas postagens no Twitter, noticio a condenação de pessoas pelo crime de pesca proibida, descaminho, furto de alimentos, em que a Defensoria Pública havia pedido a aplicação do princípio da insignificância.

Percebo que ocorre uma confusão, normal, eu diria, entre condenação e prisão.

Sim, muitas das pessoas condenadas, mesmo pelos chamados delitos de bagatela[1] (furtos de comida ou peças de roupa, descaminho praticado por sacoleiros), acabam ficando presas, seja por prisão processual (preventiva), seja para execução da sentença condenatória.

Todavia, vários desses acusados, atendidos pela Defensoria Pública, responderam ao processo em liberdade e foram condenados a penas restritivas de direitos, pelo que nunca ficaram presos.

Claro, entre as duas situações, a segunda é mais branda, mas é equivocado achar que não havendo pena que retire a liberdade da pessoa, não há consequências gravosas.

Citarei algumas.

A pessoa condenada a pena restritiva de direitos fica com seus direitos políticos suspensos, conforme decidido pelo STF no RE 601182, com repercussão geral reconhecida. Em suma, um rapaz condenado a pena de prestação de serviços à comunidade que precise tirar título de eleitor para obter emprego, poderá encontrar dificuldades (curioso observar que o STF permitiu que parlamentar condenado ao regime semiaberto continuasse exercendo suas funções durante o dia).

Muitas vezes, a prestação pecuniária imposta é elevada, principalmente se comparada à renda do apenado (nem sempre há flexibilidade por parte do julgador, sendo comum que questões como essa cheguem às minhas mãos em processos perante o STF).

Também a prestação de serviço à comunidade, por vezes, causa transtorno ao condenado que obtém emprego, principalmente para aqueles que têm horário muito rígido e, por vergonha ou medo de perder a oportunidade, encontram dificuldade em pedir algum horário diferenciado para cumprir a pena.

Além disso, a condenação marca, põe um carimbo que pode dificultar que a pessoa consiga emprego, deixando-a mais exposta e desamparada.

Em suma, é fácil constatar que, mesmo se não for imposta a mais grave das penas, a condenação penal sempre cria um fardo, por gerar consequências que vão além do encarceramento.

Por fim, já me antecipo ao que alguns poderiam dizer: se não quer ser condenado, não cometa o crime. Sem dúvidas. E essa frase pode ser considerada correta quando se tratar de crime que justifique a sanção penal. Todavia, o que o princípio da insignificância busca é justamente evitar as condenações em casos ínfimos, irrisórios, que causarão as consequências enumeradas acima, o que não parece proporcional ou razoável em relação ao condenado, nem vantajoso para a sociedade.

Brasília, 13 de novembro de 2019

[1] O mesmo que insignificância

Pena restritiva de direitos e execução provisória – recurso

Pena restritiva de direitos e execução provisória – recurso

 

Colocarei, abaixo, link para leitura do agravo interno que apresentei no Recurso Extraordinário 1.226.722, interposto pelo pelo Ministério Público Federal.

O parquet havia se insurgido contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu que as penas restritivas de direito não podem ser executadas provisoriamente. (Aliás, o STJ tem entendimento pacificado no sentido de não permitir a execução antecipada de penas restritivas de direitos.)

No STF, o recurso ministerial foi provido, em decisão monocrática, pelo Ministro Alexandre de Moraes, permitindo-se a execução provisória das penas restritivas de direito.

A DPU interpôs agravo interno em face de tal decisão singular, que, todavia, foi desprovido por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, pela Primeira Turma da Corte. O acórdão ainda não foi publicado.

segue o agravo: Agravo Interno – execução provisória e pena restritiva

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 22 de outubro de 2019

 

A menor das insignificâncias

A menor das insignificâncias

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Já separei uns dois temas para escrever de forma mais elaborada, cuidadosa, aprofundada, coisa que acabo nunca fazendo.

Invejo os colegas disciplinados que, após uma jornada exaustiva de trabalho, conseguem grande produção acadêmica/doutrinária. Mal consigo alimentar meu blog, estando sempre em atraso.

Ainda quero tecer algumas reflexões mais técnicas sobre o princípio da insignificância e o descaminho, mas, neste texto, limitar-me-ei a questões mais práticas.

O Supremo Tribunal Federal passou a rejeitar a aplicação do princípio da insignificância em favor de pessoas que tenham não só condenações prévias, como, também, que possuam registros de autuações fiscais pela aludida conduta. Esse entendimento já está bastante consolidado.

Apesar de não concordar, posso até compreender a vedação da bagatela em caso de reiteração no crime de furto, sob o fundamento de que muitas vezes as vítimas são pessoas também modestas, como pequenos comerciantes, que as condutas geram intranquilidade em algumas localidades, ou desejo de solução pelas próprias mãos. Reitero: discordo, mas compreendo.

No caso do descaminho, todavia, nada disso se aplica. Em primeiro lugar, é preciso dizer que os bens trazidos têm sua importação permitida, caso contrário, a conduta seria contrabando (ou, ainda, tráfico). A questão, fundamentalmente, é o não recolhimento dos tributos devidos na internalização das mercadorias.

A conduta não tem uma vítima física, identificável, que pode ser prejudicada diretamente e buscar fazer justiça com as próprias mãos. O sujeito passivo do crime é a administração pública. Seus autores sim, poderiam ser chamados de vítimas de uma série de circunstâncias, e que, a seu modo, tentam ganhar a vida. Por isso meu questionamento se a resposta penal é a melhor medida.

Pois bem, comecei minha carreira na Defensoria Pública da União em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, fronteira com a Argentina. É uma fronteira razoavelmente tranquila. A maioria dos casos penais em que atuei dizia respeito ao descaminho. Em regra, pessoas que tinham ido ao Paraguai buscar alguns produtos para vender.

Eram senhoras, senhores, jovens que arriscavam suas vidas nas péssimas e perigosas estradas brasileiras, muitas vezes em ônibus velhos, quiçá clandestinos, para adquirir alguns brinquedos, roupas, tênis e repassá-los em bancas de rua.

Poderia apostar que essas pessoas não escolheram essa vida, que muitas delas passaram por inúmeros perigos nas viagens, que diante de um desemprego avassalador e diminuta formação escolar, optaram por comprar produtos nos países vizinhos ao invés de praticarem crimes verdadeiramente graves.

Perdoem-me, mas parece distante da realidade o argumento de que o descaminho de pequena monta atinge a indústria nacional. Em regra, quem adquire produtos em bancas de rua, sem garantia, o faz por falta de condição de comprar em uma loja de shopping, com mais segurança. A carga tributária inviabilizadora do país impede que boa parcela da população tenha a chance de adquirir qualquer produto importado, pelo que acabada a opção surgida com o “camelô”, o bem simplesmente não será comprado.

Em termos de punição ao autor do fato, é bom lembrar que todas as mercadorias trazidas são apreendidas, o que já impõe enorme prejuízo a quem juntou parcas economias para ir a países vizinhos.

Mais ainda, a insignificância só é aplicável em situações de menor valor, o que afasta os grandes grupos que trazem produtos para abastecer o comércio oficial.

Já a comparação com o tratamento dado aos crimes de sonegação fiscal em relação do descaminho deixarei para outra oportunidade, por seu aspecto mais técnico.

Por todo o exposto acima, parece-me bastante desproporcional a imposição de pena aos chamados sacoleiros, aventureiros de nossas estradas perigosas.

Vale a pena macular com uma condenação penal essas pessoas que, ao serem pegas, já perdem todo o dinheiro, para que, eventualmente, engrossem nosso sistema penal já abarrotado?

Precisamos refletir.

Brasília, 2 de abril de 2017

 

 

 

 

 

Resolução 113/2010 CNJ – contribuição da DPU

Resolução 113/2010 CNJ – contribuição da DPU

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

É uma pena que alguns feitos da Defensoria Pública não recebam o destaque e a valorização que merecem.

Pior, muitas vezes, temos que assistir na TV e ler em matérias escritas que os pobres não têm defesa de qualidade de modo geral, sem que sejamos lembrados. Não nego, por óbvio a ausência da Defensoria Pública, Federal e Estadual, em vários locais sede de órgão do Judiciário, mas em termos qualitativos, nosso trabalho destaca-se cada vez mais, inclusive com atuações que podem multiplicar seus efeitos, beneficiando incontáveis pessoas.

Trago agora um ótimo exemplo do afirmado.

A Defensoria Pública da União requereu ao Conselho Nacional de Justiça que determinasse aos Tribunais que informem imediatamente aos Juízos da Execução Penal decisões que modifiquem o julgamento. O objetivo era evitar prisões excessivas, por mera falta de comunicação entre as instâncias do Judiciário.

O pedido foi acatado, sendo inserido o parágrafo único no artigo 1º da Resolução 113/2010 do CNJ:

“Art. 1º …

[…]

Parágrafo único. A decisão do Tribunal que modificar o julgamento, deverá ser comunicada imediatamente ao juízo da execução penal.”

A medida tomada pelo CNJ é fundamental em um país de dimensões continentais como o nosso, com sistemas de informações ainda precários em certos locais, para se evitar prisões excessivas, falta de comunicação com relação ao regime prisional, encarceramento exagerado. Ou seja, havendo redução da pena, sua substituição, mudança de regime, a nova situação deve ser imediatamente comunicada, o que trará celeridade na colocação do condenado em sua nova condição, evitando esperas intermináveis, principalmente para quem está recolhido ao cárcere.

A DPU luta para que o cumprimento da pena, por aquele que já foi condenado em definitivo, se dê de forma adequada, no regime indicado e pelo tempo certo.

Brasília, 24 de agosto de 2016

Sucessivas interrupções

Sucessivas interrupções

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Alguns entendimentos do Supremo Tribunal Federal precisam mudar urgentemente.

Em tempos em que tanto se discute o devido processo legal e outras garantias fundamentais, seria bom que a Suprema Corte revisasse entendimento consolidado, mas que, em meu sentir, fere completamente princípios como o da legalidade e da razoabilidade.

Vamos ao caso.

O STF e também o Superior Tribunal de Justiça têm jurisprudência pacificada no sentido de que o trânsito em julgado de sentença penal condenatória por um segundo crime é capaz de interromper (causando seu reinício) o prazo para a obtenção de benefícios na execução penal daquele que já cumpre sua reprimenda.

Tal entendimento, com a devida licença, além de não consentâneo com a disposição expressa do artigo 111 da Lei de Execução Penal, que não prevê tal consequência, mas tão somente a soma das penas, gera situações de extrema injustiça, que serão brevemente enumeradas a seguir:

1 – em primeiro lugar, possibilita a ocorrência de bis in idem quando o segundo crime pelo qual responde o apenado já foi cometido após sua prisão, pois ele será punido com a falta grave na data do fato e depois sofrerá nova interrupção do prazo quando do trânsito da condenação;

2 – prejudica àquele que simplesmente exerceu seu direito de recorrer, uma vez que o trânsito em julgado da condenação demorará mais, causando atraso na interrupção do lapso com seu posterior reinício;

3 – desestimula os condenados que cumprem adequadamente sua reprimenda, uma vez que por fatos há muito ocorridos podem sofrer danos na execução de sua pena, mesmo que ostentem comportamento prisional exemplar (além da soma das condenações, esta prevista em lei) – importa dizer que o fato que gera a segunda condenação pode ser anterior à prisão do apenado;

4 – dificulta a reinserção do condenado, prorrogando, além do devido, sua manutenção no cárcere.

Há ainda outras contradições, como as situações que entram em conflito com o disposto na súmula 716 do STF. Calha transcrever o enunciado: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.” Ou seja, segundo a súmula, a pessoa poderá progredir de regime no curso do processo. Mantida a condenação imposta e transitada a decisão desfavorável, deverá a pessoa regredir de regime e ter zerado o interregno anterior? Tal solução parece ir de encontro ao disposto no citado enunciado sumular, mas é a que tem prevalecido.Diante de tamanhas contradições, interpus ontem agravo interno no RHC 133038, relator Ministro Dias Toffoli. Conheço a jurisprudência e a diminuta chance de êxito, mas não desisto facilmente.

Brasília, 22 de março de 2016