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Irretroatividade da jurisprudência mais gravosa

Irretroatividade da jurisprudência mais gravosa

Está sendo travada, no HC 192.757, em trâmite no STF, interessante discussão a respeito da irretroatividade de jurisprudência mais gravosa.

A questão específica é saber se o entendimento de que o acórdão que confirma a condenação interrompe a prescrição deve ser aplicado a processos julgados anteriormente à sua consolidação pelo Plenário do STF, ocorrido no julgamento do HC 176.473.

Em suma, no caso dos autos, tanto o Tribunal Regional Federal, quanto o STJ, entenderam ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva, uma vez que o acórdão confirmatório da condenação não seria capaz de interromper a prescrição. No STJ, tal posicionamento foi mantido em decisão monocrática e em sede de agravo interno, sendo alterado posteriormente , quando o MPF opôs embargos dizendo que, naquele meio tempo, o STF tinha firmado entendimento distinto.

Levada à discussão ao STF, inicialmente, o Ministro Gilmar Mendes denegou a ordem de habeas corpus (HC 192.757), mas, em seguida, em agravo defensivo, reconsiderou a decisão, afirmando que o entendimento mais gravoso não deveria retroagir.

A PGR, inconformada, interpôs novo agravo, ainda não julgado.

O tema é interessante, uma vez que, inequivocamente, a apreciação do processo se deu antes do julgamento do HC 176.473 pelo STF, que definiu o acórdão confirmatório de condenação como interruptivo da prescrição. Em resumo, quando julgado o tema de fundo, o STJ tinha seu próprio entendimento, aplicando-o ao caso.

A retroatividade de entendimento jurisprudencial mais gravoso é indevida, principalmente com o uso de embargos de declaração com efeitos infringentes para se rediscutir causa decidida.

A leitura das decisões e do agravo interposto por mim pode ser interessante.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 27 de maio de 2022

Nulidades, prejuízos e delatores

Nulidades, prejuízos e delatores

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Farei, a seguir, alguns comentários rápidos sobre as nulidades no processo penal e como o STF tem entendido o tema em alguns processos patrocinados pela DPU.

Não sou professor e nem pretendo tecer considerações aprofundadas, mas apenas observarei alguns aspectos que considero bastante pertinentes desde a discussão surgida com a decisão sobre a ordem de manifestação no caso de um dos acusados ser delator (HC 157627, julgado pela Segunda Turma do STF).

 

1 – Discordo da afirmação que tem sido repetida à exaustão no sentido de que para haver nulidade a defesa sempre deve provar prejuízo (entendimento adotado, aliás, pelo STF).

Em certas circunstâncias, tal prova é absolutamente impossível, pelo que sua exigência significa permitir que limites no processo penal sejam completamente abandonados sem qualquer consequência.

Tenho um exemplo ocorrido em processo em que atuei para demonstrar.

No HC 136015, concedido pela 2ª Turma do STF, sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, a alegação era de nulidade em razão da atuação de Magistrado impedido. No caso, pai e filho tinham atuado como desembargadores e julgado recursos no processo penal movido contra a paciente do mencionado habeas corpus. O Ministro Edson Fachin votou pela denegação, ficando vencido. O acórdão ainda não foi publicado, mas se me lembro das palavras dele, ele invocou a não demonstração de prejuízo.

Fica a pergunta: como qualquer defensor/advogado poderia provar que se fosse outro julgador o resultado seria diferente? Como provar que houve ou não influência? Por isso, a mera relação familiar entre os julgadores impede sua atuação no mesmo processo. Aliás, os dois votaram contra os pedidos da defesa. Se tivessem ambos votado a favor, o MP certamente teria se insurgido.

Claro que existem situações que configuram mera irregularidade, mas a exigência da prova de prejuízo, em muitos casos, cria o que eu chamo de prova do futuro do pretérito, ou seja, prova do que teria sido diferente se algo que não ocorreu (ou ocorreu de forma distinta da prevista em lei) tivesse acontecido da maneira correta.

Tenho mais situações em que a prova de prejuízo é absolutamente impossível, mas penso estar esclarecido o ponto. Aliás, muitas vezes, a própria prova do prejuízo fica impossibilitada justamente pelo desrespeito às normas processuais. Como a defesa prova que o acusado preso poderia ajudar na formulação de perguntas à testemunha, se ele não acompanhou o andamento da audiência justamente por estar preso? Ele não ouviu a testemunha por não estar presente e, pede-se que ele mesmo ausente, prove o que teria feito de mais favorável à sua defesa se estivesse na audiência.

 

2 – O STF é extremamente rigoroso no reconhecimento de nulidades. Já vi casos em que a lei processual penal e até mesmo a Constituição da República tinham sido desrespeitadas e que foram considerados mera irregularidade sem prejuízo. Um bom exemplo disso está no HC 130328, em que proferi sustentação oral e que foi denegado pela 2ª Turma do STF, vencido o Ministro Celso de Mello. No caso em questão, pessoa presa não tinha sido conduzida à audiência, pelo que a Defensoria Pública pedia a nulidade do ato. Transcrevo trecho do voto vencido do Ministro decano:

“Esse entendimento tem por suporte o reconhecimento – fundado na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica) – de que o direito de audiência, de um lado , e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu .”

A pessoa presa está sob o poder do Estado. Já está em condição processual nitidamente mais fragilizada. Não tem o direito sequer de estar presente nas audiências?

 

3 – No HC 127900, impetrado pela DPU, pedia-se que a inversão na ordem do interrogatório (passado para o final da instrução), conforme alteração inserida no CPP pela Lei 11719/08, valesse para todos os processos penais. Ao julgá-lo, o STF denegou a ordem, mas fixou orientação para estabelecer que a partir da publicação da ata de tal julgamento, a nova sistemática estabelecida pelo Código de Processo Penal deveria ser seguida em todos os processos de natureza penal.

É uma comparação interessante a ser feita.

“EMENTA Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar (CPM, art. 290). Crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar. Competência da Justiça Castrense configurada (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). Pacientes que não integram mais as fileiras das Forças Armadas. Irrelevância para fins de fixação da competência. Interrogatório. Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei nº 11.719/08, em detrimento do art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69. Precedentes. Adequação do sistema acusatório democrático aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 1. Os pacientes, quando soldados da ativa, foram surpreendidos na posse de substância entorpecente (CPM, art. 290) no interior do 1º Batalhão de Infantaria da Selva em Manaus/AM. Cuida-se, portanto, de crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar, o que atrai a competência da Justiça Castrense para processá-los e julgá-los (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). 2. O fato de os pacientes não mais integrarem as fileiras das Forças Armadas em nada repercute na esfera de competência da Justiça especializada, já que, no tempo do crime, eles eram soldados da ativa. 3. Nulidade do interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art. 302). 4. A Lei nº 11.719/08 adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando-se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal. 6. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. 7. Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.” (HC 127900, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 02-08-2016 PUBLIC 03-08-2016) grifo nosso

 

4 – Quanto ao mérito em si, confesso ter mais dúvidas do que certezas. São várias as razões e vou usar uma que me atinge como Defensor. Se falar por último beneficia, por que razão o delator deve ficar prejudicado, sendo também acusado?

As outras ponderações deixarei para distintos atores processuais, mas, como Defensor que, às vezes pode atuar para o delator, e, em outras, para o delatado, tenho dificuldade em esposar uma posição de forma peremptória, sem refletir sobre o outro lado.

Já atuei em favor de delator. As pessoas delatadas eram muito poderosas, ocupantes de elevados cargos na República (a delação já foi há muito homologada). No caso dele, sequer houve denúncia em seu desfavor, mas se houvesse, seria correto que ele tivesse que apresentar sua defesa antes dos demais? O que ele tinha que apresentar de provas já estava nos autos.

Com todo respeito, acho forçada a alegação de que delator é assemelhado ao assistente de acusação. Assistente de acusação não é condenado em caso de não acolhimento do que ele aduziu, o delator é. Ninguém atribui ao assistente a prática do crime, ao delator, sim.

Em suma, não tenho certeza se, entre os diversos acusados, e é isso o que o delator é, deve haver ordem.

 

5 – Segunda Turma do STF e nulidades em casos da Defensoria (em situações próximas e em que houve alegação logo na primeira manifestação)

 

Concedido

HC 136015, 2ª Turma, relator Ministro Ricardo Lewandowski – concedido – reconhecida a nulidade por terem pai, Desembargadores, julgado o mesmo processo (acórdão não publicado ainda)

 

Denegados

“EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Audiência de inquirição de testemunhas de acusação realizada sem a presença da paciente. Alegado cerceamento do direito de defesa. Não ocorrência. Ato realizado com a presença do defensor constituído. Inexistência de prejuízo. Precedentes. Ordem denegada. 1. Consoante se infere dos autos, a audiência de inquirição de testemunhas de acusação foi realizada sem a presença da paciente, porém com a presença de seu defensor, de modo que inexiste o alegado cerceamento do seu direito de defesa, uma vez que não configurado o prejuízo apontado. Precedentes. 2. Ordem denegada.” (HC 130328, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 02/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-098 DIVULG 13-05-2016 PUBLIC 16-05-2016)

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DEFENSORIA PÚBLICA. DEFENSOR PÚBLICO NATURAL. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. PEDIDO DE REDESIGNAÇÃO. ATO REALIZADO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. MATÉRIA NÃO ARGUIDA OPORTUNAMENTE. 1. À Defensoria Pública, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, compete promover a assistência jurídica judicial e extrajudicial aos necessitados (art. 134 da Constituição Federal), sendo-lhe asseguradas determinadas prerrogativas para o efetivo exercício de sua missão constitucional. 2. O art. 4º-A da Lei Complementar 80/1994 estabelece que são direitos dos assistidos pela Defensoria Pública “o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural” (designação por critérios legais), o que não se confunde com exclusividade do órgão para atuar nas causas em que figure pessoa carente, sobretudo se considerada a atual realidade institucional. 3. No caso, o indeferimento do pedido de adiamento de audiência designada não configura cerceamento de defesa, pois, à falta de defensor público disponível para atuar na defesa técnica do paciente, foi-lhe constituído advogado particular, que exerceu seu mister com eficiência e exatidão, precedido de entrevista reservada e privativa com o acusado. 4. Ademais, à luz da norma inscrita no art. 563 do Código de Processo Penal, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional. Questão, outrossim, suscitada a destempo, após a prolação de sentença condenatória. 5. Ordem denegada.” (HC 123494, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 16/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 01-03-2016 PUBLIC 02-03-2016)

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE PECULATO. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR DO ART. 514 DO CPP. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO À DEFESA TÉCNICA. MATÉRIA NÃO ARGUIDA OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO. INVIABILIDADE DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR QUE POSSUI RELEVÂNCIA PARA O DIREITO PENAL. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, para o reconhecimento de nulidade decorrente da inobservância da regra prevista no art. 514 do CPP, é necessária a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte. Improcede, pois, pedido de renovação de todo o procedimento criminal com base em alegações genéricas sobre a ocorrência de nulidade absoluta. 2. Ademais, se a finalidade da defesa preliminar está relacionada ao interesse público de evitar persecução criminal temerária contra funcionário público, a superveniência de sentença condenatória, que decorre do amplo debate da lide penal, prejudica a preliminar de nulidade processual, sobretudo se considerado que essa insurgência só foi veiculada nas razões de apelação. 3. A ação e o resultado da conduta praticada pela paciente assumem, em tese, nível suficiente de reprovabilidade, destacando-se que o valor indevidamente apropriado não pode ser considerado ínfimo ou irrelevante, a ponto de ter-se como atípica a conduta. Precedentes. 4. Ordem denegada.” (HC 128109, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 08/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 DIVULG 22-09-2015 PUBLIC 23-09-2015)

Em suma, o STF tem como entendimento a necessidade de se provar o prejuízo para reconhecer a nulidade. Também tem entendido que a falta de alegação na primeira oportunidade implica em preclusão.

 

São essas minhas considerações. Veremos como ficará o entendimento do Tribunal em alegações de nulidades em casos futuros.

Brasília, 2 de setembro de 2019

 

Importação de sementes de maconha segundo o STF e o STJ – resumo

Importação de sementes de maconha segundo o STF e o STJ – resumo

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Como estou estudando o tema para interpor agravo em face de duas decisões denegatórias do Ministro Dias Toffoli, aproveito para fazer um breve resumo do que tem prevalecido no STJ e no STF quanto à questão da importação de poucas sementes de maconha ser ou não ser considerada tráfico.

O Min. Dias Toffoli negou seguimento aos HCs 143557 e 144762, impetrados pela DPU perante o STF.

No Supremo, só achei duas decisões colegiadas sobre a questão da importação de sementes de maconha, discussão que passa pela aplicação da insignificância, pela desclassificação para o artigo 28 da Lei de Drogas, ao invés do artigo 33, pela desclassificação para contrabando.

Colocarei abaixo a ementa de um dos dois julgados emanados da 1ª Turma do STF que encontrei (ambos são desfavoráveis). Não vi nenhuma decisão colegiada proveniente da 2ª Turma.

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CRIME DE IMPORTAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA DESTINADA À PREPARAÇÃO DE DROGAS. ARTIGO 33, § 1º, I, DA LEI Nº 11.343/06. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, ‘D’ E ‘I’. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Inexiste excepcionalidade que permita a concessão da ordem de ofício ante a ausência de teratologia, flagrante ilegalidade ou abuso de poder na decisão da Corte Superior que determinou o prosseguimento da ação penal por entender estarem presentes prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. 2. In casu, o paciente foi denunciado como incurso no artigo 33, § 1º, I, c/c artigo 40, I, da Lei 11.343/06, em razão da apreensão de 16 (dezesseis) sementes de maconha em uma encomenda a ele destinada. 3. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas “d” e “i”, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 4. O habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático probatório engendrado nos autos. 5. O trancamento da ação penal é medida excepcional, cabível apenas nas hipóteses de manifesta atipicidade da conduta, de causa extintiva de punibilidade e de ausência de indícios suficientes de autoria a materialidade delitiva. 6. A reiteração dos argumentos trazidos pelo agravante na petição inicial da impetração é insuscetível de modificar a decisão agravada. Precedentes: HC 136.071-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 09/05/2017; HC 122.904-AgR, Primeira Turma Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 17/05/2016; RHC 124.487-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 01/07/2015. 7. Agravo regimental desprovido.” (HC 147459 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 01/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-289 DIVULG 14-12-2017 PUBLIC 15-12-2017)

Há, todavia, decisões monocráticas concedendo liminares quanto ao tema, curiosamente, da lavra de Ministros da 1ª e da 2ª Turma, apesar de, naquela, a negativa ter sido unânime: HC 144161, Min. Gilmar Mendes e HC 131310, Min. Roberto Barroso.

“A liminar deve ser deferida.

De fato, o STF entendeu haver repercussão ao recurso extraordinário (RE-RG 635.659) de minha relatoria, em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, no ponto em que se criminaliza o porte de pequenas quantidades de entorpecentes para uso pessoal.

O julgamento do referido extraordinário pelo Pleno teve início em 10.9.2015. Já proferiram votos os Ministros Edson Fachin e Roberto Barroso, encontrando-se os autos no Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes, dado pedido de vista do Ministro Teori Zavascki.

No caso, o paciente está sendo processado por importar 26 sementes de maconha, que, segundo o Juízo de origem, seria para uso próprio, de forma que há real plausibilidade na alegação de que a conduta praticada pelo paciente se amolda, em tese, ao artigo 28 da Lei de Drogas – dispositivo cuja constitucionalidade, como já consignado, está sendo discutida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.” (HC 144161, Min. Gilmar Mendes, DJe 01/06/2017)

 

“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. USO DE PEQUENA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. LIMINAR DEFERIDA. 1. O Plenário do STF (RE 635.659-RG) discute a constitucionalidade da criminalização do porte de pequenas quantidades de entorpecente para uso pessoal. 2. Paciente primário e de bons antecedentes que solicitou pela internet reduzida quantidade de entorpecente para uso próprio. Possível violação aos princípios da intimidade, vida privada, autonomia e proporcionalidade. 3. Liminar deferida.” (HC 131310, Min. Roberto Barroso, DJe 25/02/2016)

Por sua vez, o entendimento do STJ está dividido de acordo com as Turmas. A 5ª Turma entende se tratar de tráfico:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA LINNEU. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE DROGA. FATO TÍPICO. PRECEDENTES. PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

  1. Inexiste maltrato ao princípio da colegialidade, pois, consoante disposições do Código de Processo Civil e do Regimento Interno desta Corte, o relator deve fazer um estudo prévio da viabilidade do recurso especial, além de analisar se a tese encontra plausibilidade jurídica, uma vez que a parte possui mecanismos processuais de submeter a controvérsia ao colegiado por meio do competente agravo regimental. Ademais, o julgamento colegiado do recurso pelo órgão competente supera eventual mácula da decisão monocrática do relator.
  2. A jurisprudência majoritária desta Corte é no sentido de que a importação clandestina de sementes de cannabis sativa linneu (maconha) configura o tipo penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei n. 11.343/2006. 3. Prevalece na Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça a diretriz no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de tráfico de drogas e de uso de substância entorpecente, por se tratar de crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo irrelevante para esse específico fim a quantidade de sementes da droga apreendida. Precedentes.
  3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1733645/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 15/06/2018)

Já a 6ª Turma do STJ considera o fato como atípico, embora haja votos vencidos:

“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.

RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA LINEU. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE DROGA. PEQUENA QUANTIDADE DE MATÉRIA PRIMA DESTINADA À PREPARAÇÃO DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL.

FATO ATÍPICO.

  1. O fruto da planta cannabis sativa lineu, conquanto não apresente a substância tetrahidrocannabinol (THC), destina-se à produção da planta, e esta à substância entorpecente, sendo, pois, matéria prima para a produção de droga, cuja importação clandestina amolda-se ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006.
  2. Todavia, tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato.
  3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1658928/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017)

O parecer da Procuradoria Geral da República no HC 144762 do STF é bastante interessante e pode ser também fonte de consulta.

O tema não deveria ter sido julgado pelo STF em decisões singulares, ainda mais havendo nítida divisão de entendimento. Contra as monocráticas só cabem os agravos internos, sem sustentação e, muitas vezes, analisados em ambiente virtual.

Brasília, 26 de julho de 2018